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CULTURA

Versus: The Life and Films of Ken Loach (2016)

Foto do escritor: Jorge CamposJorge Campos

Atualizado: 22 de out. de 2023



Ken Loach é um daqueles cineastas cuja obra não deixa ninguém indiferente. Aos 80 anos ganha a segunda Palma de Ouro em Cannes com I, Daniel Blake. Surpresa? Não. Ao longo de toda uma vida dedicada a fazer filmes sempre olhou o mundo com o foco nos mais fracos, nos mais desprotegidos, sem jamais cair na tentação da retórica moralista. As problemáticas sociais emergem com naturalidade da vida das suas personagens, cuja origem, como a dele próprio, é a classe operária. I, Daniel Blake, é apenas mais um exemplo de uma coerência ética e estética que fazem dele uma grandes referências do cinema do nosso tempo.

Filho de um electricista, cursou Direito, mas saiu de Oxford com a convicção de não ter qualquer interesse em dedicar-se às leis. Começou pelo teatro, seguiu-se a televisão. Os primeiros trabalhos para a BBC são simplesmente devastadores. O assombroso Cathy Come Home (1966) foi visto por mais de seis milhões de pessoas e catapultou um debate público sobre a habitação e os sem abrigo como nunca antes tinha acontecido. 50 anos depois, o filme conserva a energia de um bisturi implacável a revelar o real em carne viva. Cathy Come Home continua brutal e delicado, vertiginoso e contido, impensável naquilo em que hoje se tornou a televisão.

O cinema de Ken Loach encontra respaldo na tradição realista do melhor cinema britânico, nas incursões mais experimentais do seu movimento documentarista, certamente nos neo-realistas italianos com a sua recusa do estúdio e a utilização frequente de actores não profissionais, na aventura do free-cinema e, também, na nouvelle vague, como acontece, por exemplo, em Poor Cow (1967), a sua primeira longa metragem exibida em sala.

Versus: The Life and Films of Ken Loach (2016) de Louise Osmond, documentarista multipremiada, é um tributo, uma digressão pela vida e obra do realizador, um olhar sobre o seu método de trabalho. Osmond filmou o cineasta a trabalhar em I, Daniel Blake. Ouviu amigos, oponentes, argumentistas, actores e colaboradores, designadamente Cillian Murphy, Gabriel Byrne, Paul Laverty, Nell Dunn, Alan Parker, Melvyn Bragg, Sheila Hancock, Ricky Tomlinson, Chris Menges, Crissy Rock e Barry Ackroyd.

O resultado é o retrato em profundidade de um enorme artista e perfeito cavalheiro. Mas por trás de uma aparência frágil e de uma gentileza sem limites, revela-se um homem de radical intransigência ética e estética, comprometido com os seus princípios, seguro do que quer e para onde vai. Mesmo quando a BBC de Thatcher fez dele um proscrito, mesmo quando durante anos foi praticamente impedido de trabalhar. Até regressar, mais tarde, com uma série de filmes notáveis. Sempre com a mesma firmeza. Sempre com a mesma elegância.

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Imagens do Real Imaginado (IRI) do Instituto Politécnico do Porto foi o ponto de partida para o primeiro Mestrado em Fotografia e Cinema Documental criado em Portugal. Teve início em 2006. A temática foi O Mundo. Inspirado no exemplo da Odisseia nas Imagens do Porto 2001-Capital Europeia da Cultura estabeleceu numerosas parcerias, designadamente com os departamentos culturais das embaixadas francesa e alemã, festivais e diversas universidades estrangeiras. Fiz o IRI durante 10 anos contando sempre com a colaboração de excelentes colegas. Neste segmento da Programação cabe outro tipo de iniciativas, referências aos meus filmes, conferências e outras participações. Sem preocupações cronológicas. A Odisseia na Imagens, pela sua dimensão, tem uma caixa autónoma.

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