Este é um dos livros de Philip Roth de que mais gosto. É um romance empolgante, de uma atualidade inquestionável. Estou a pensar em Trump enfiado na Casa Branca, recusando-se a aceitar os resultados eleitorais e prometendo levar fogo e fúria a toda a América a partir de pressupostos baseados em factos alternativos que constituem os alicerces do seu universo de pós-verdade.
Roth também cria um mundo alternativo. Imagina a América da sua infância dominada pelo anti-semitismo levado para a presidência pelo homem que fez a primeira travessia aérea transatlântica, sem escala, Charles Lindbergh. Na manhã de 20 de maio de 1927, Lindbergh levantou voo no seu Spirit of St. Louis de Roosevelt Airfield, em New York, e aterrou 33 horas e 30 minutos depois em Le Bourget, Paris. O feito - e as atualidades cinematográficas, mas isso é outra história - fez dele um herói americano.
Tinha, porém, um problema. Era simpatizante de Mussolini e via com entusiasmo a ascensão do nazismo tendo, inclusivamente, durante uma das visitas que fez à Alemanha, recebido das mãos do marechal Hermann Göring a mais alta condecoração atribuída por Hitler a um estrangeiro, a Cruz de Serviço da Águia Alemã, um medalhão de ouro com quatro suásticas. Corria o ano de 1938 com a guerra iminente. Tudo isto é factual.
Segue-se a ficção. Roth, por sinal filho de uma família judia pobre, vê-se criança num tempo imaginado em que Lindbergh ganha as eleições de 1940, derrotando Roosevelt. O seu movimento isolacionista America First, tão familiar ao let's make America Great Again de Donald Trump, toma o poder. Dá início a uma campanha anti-semita nas ruas, ataca os Aliados e estreita relações com o Reich. Na Administração pontificam corifeus do fascismo como Henry Ford. Começam os pogroms.
A vida dos Roth transforma-se num pesadelo. Todos eles passam por uma metamorfose aterradora, deixando gradualmente de ser quem eram para serem outra coisa com origem num improvável ou num julgado impossível que lhes rasga os corpos e as almas e os vai perdendo de si mesmos. Em pano de fundo movem-se personagens construídas a partir de figuras importadas do real. Uma ficção arrepiante.
É ler. Depois, talvez pensar em factos alternativos. Na pós-verdade. Em Trump, certamente.
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