Este é, a meu ver, o filme mais interessante de quantos se fizeram sobre a ocupação da Praça de Maidan, no centro de Kiev, que pôs fim à presidência do pró-russo Viktor Yanukovych. Loznitsa, autor, entre outros, de Donbass (2018), sendo ele próprio um nacionalista ucraniano, admite que o documentário tem um statement. Diz, e bem, que não compete à arte ser imparcial. A diferença de Maidan, por exemplo, para Winter on Fire (2015) de Evgeny Afineevsky - uma peça linear de retórica televisiva - está no olhar. Em Maidan há longos planos fixos, abertos, registo e observação, como se a acção estivesse a decorrer em tempo real. Não há a trepidação artificial que alimenta a dramatização do jornalismo televisivo. Quanto a este, Loznitsa, diz não haver nada mais longínquo da ética e da imparcialidade. acusa a informação russa do mesmo modo de operar que Danny Schechter apontara aos media americanos: weapons of mass deception. A desinformação, diz ele, precede o acontecimento. Em Maidan, vemos o carácter pacífico e festivo do início da manifestação, a poesia na rua, o folclore ucraniano, sinais do acumular da tensão, a presença dos fascistas do Sector Direito, os confrontos com a polícia, a intervenção crescente de padres das diversas religiões numa atmosfera adensada pelo fumo resultante de explosões. Mas Loznitsa nunca comenta. Não há o famigerado texto off televisivo, essa espécie de voz de Deus que tudo determina. Apesar da clareza do statement, o olhar do Cinema prevalece sempre. por isso, o filme é tão interessante. dito isto, faz sentido voltar sempre aos 94 dias da Praça. Foram esses acontecimentos que levaram, no imediato, ao referendo na Crimeia e, posteriormente, às repúblicas autónomas do Donbass. Esta guerra, havendo outros antecedentes, provavelmente, começou em Maidan.
Atualizado: 22 de out. de 2023