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   viagem pelas imagens e palavras do      quotidiano

NDR

  • Foto do escritor: Jorge Campos
    Jorge Campos
  • 7 de jan. de 2023
  • 17 min de leitura

Atualizado: 22 de out. de 2023


Police (1958), de Terence Macartney-Filgate. Fonte: NFB

“Il faut le dire, tout ce que nous avons fait en France dans le domaine du cinéma-vérité vient de l'ONF (Canada). C'est Brault qui a apporté une technique nouvelle de tournage que nous ne connaissions pas et que nous copions tous depuis. D'ailleurs, vraiment, on a la "brauchite", ça, c'est sûr; même les gens qui considèrent que Brault est un emmerdeur ou qui étaient jaloux sont forcés de le reconnaître."

Jean Rouch


Este é um texto sobre o cinema documental do Canadá, sobre os primórdios daquilo que, sendo complexo e contraditório, acabou por encontrar um lugar comum sob o guarda chuva de uma palavra: vérité ou verité, no uso que dela fizeram durante muitos anos os anglo-saxónicos. Daí a possibilidade de encontrar uma espécie de linhagem verité onde cabem cineastas tão diferentes quanto Robert Drew, Roman Kroiter, Albert Maysles, Wolf Konig, Jean Rouch, Richard Leacock, Michel Brault e até Frederick Wiseman, isto para citar apenas alguns e deixando de fora dezenas de outros de méritos igualmente reconhecidos. A irmandade, adiante-se, muitas vezes se envolveu em controvérsia no centro da qual houve razões de vária ordem, mas todas elas de algum modo articuladas em função das questões do real e da verdade.


Certamente, tudo isto acontece num contexto histórico específico. Aproveita a lição do neo-realismo italiano. Tira vantagem de tecnologias leves. Beneficia do fenómeno da reconstrução do pós-guerra e do carácter de insurgência cultural de algumas das suas manifestações. E coincide com a afirmação da Televisão como medium dominante. O futuro do documentário, na verdade, parecia ser dela indissociável, da sua agilidade para lidar com a actualidade e com os chamados current affairs. Parafraseando Umberto Eco, o historiador e crítico francês Roger Odin aludiu até a uma metamorfose do paleo-documentário em neo-documentário. E, de facto, alguma coisa mudou.


Nos Estados Unidos, no início dos anos 50, tornou-se evidente o predomínio do documentário jornalístico, uma modalidade coerente com a história dos media americanos. Mas essa tendência não foi tão generalizada quanto, por vezes, se crê. Houve diversidade nas narrativas que o documentário foi encontrando, algumas delas, digamo-lo sem receio, revolucionárias. Paradoxalmente, apesar de inseridos em unidades de produção tendencialmente jornalísticas, foi até, justamente a partir da Televisão - deixando de lado a Europa -, que os cineastas deram corpo às obras mais interessantes, ou seja, aquelas que viriam a designar-se genericamente por vérité. Nesse campo, destaca-se a produção do National Film Board (NFB), decisiva quanto ao modo de olhar o novo cinema documental.


Os jovens turcos


Na altura em que os cineastas ingleses do Free Cinema, em meados dos anos 50, declaravam o fim do movimento e os mais conhecidos de entre eles começavam a preparar-se para as longas metragens de ficção, no NFB, quer na unidade B de língua inglesa, hegemónica, quer na unidade de língua francesa, os documentaristas investiam na recusa da ortodoxia institucional e procuravam, por um lado, abordar o real de uma forma espontânea e, por outro, lançar as bases de um cinema de relação.


Antecipando um exemplo. Lonely Boy (1962) de Roman Kroiter e Wolf Koenig é um dos mais brilhantes documentários alguma vez feitos sobre uma estrela de Rock’n Roll. A estrela era um rapaz de 18 anos que adoptara o nome artístico de Paul Anka por decisão de um empresário preocupado com a sua galinha dos ovos de ouro ao ponto de a fazer emagrecer com ajuda especializada, aumentar a sua massa muscular à custa de muitas horas de ginásio e entregá-lo nas mãos de um cirurgião plástico para lhe dar um rosto compatível com o esperado de alguém capaz de saltar para o topo das paradas de sucessos com cada nova canção produzida. Anka era um bom escritor de canções. Tinha uma relação fortemente empática com as suas admiradoras, na maioria, muito jovens. Atingiu num ápice, à escala da época, projecção planetária. Visto hoje facilmente se constata que o filme estã não só muito à frente do seu tempo e ainda mais à frente da maioria dos biopics sem ponta por onde se lhes pegue que por aí circulam. É um dos títulos indispensáveis do cinema directo canadiano. E um exemplo do que foi o seriado televisivo criado pelo National Film Board ao qual foi dado o nome de Candid Eye. Fonte: NFB

A maioria dos filmes exibida na televisão canadense nos anos 50 resultava de encomendas ao NFB. De um modo geral, as obras de referência precursoras do cinema directo foram produzidas com essa finalidade. Wolf Koenig, um dos fundadores de Candid Eye, definia a geração de jovens cineastas do pós-guerra, de língua inglesa ou francesa, do seguinte modo: gostava de Flaherty, conhecia bem o movimento documentarista britânico, valorizando os filmes artisticamente mais relevantes, como Night Mail (1936) de Basil Wright e Harry Watt, considerava importantes diversos documentários da II Guerra Mundial como Listen to Britain (1942) de Humphrey Jennings and Stewart McAllister, Desert Victory (1943), um filme produzido pelo Ministério da Informação Britânico, ao estilo da famosa série americana de Frank Capra Why We Fight, com realização, não creditada, de Roy Boulting e David MacDonald, ou ainda True Glory (1945), um filme de compilação com imagens de cerca de 1.400 operadores de câmara sobre combates dos Aliados na Europa com realização, também não creditada, de Carol Reed e Garson Kanin.


Fonte: IMDb

Quanto aos chamados filmes de ficção, Koenig cita como um dos favoritos da sua geração o extraordinário Naked City (1948) de Jules Dassin de forte pendor realista. Pelo teor das preferências, numa altura em que se procurava encontrar novos caminhos para a Televisão, facilmente se compreenderão as opões contidas na proposta apresentada pelos cineastas da Unidade B do National Film Board para o seriado documental que haveria de ser Candid Eye:


“Mostrar a vida tal como ela acontece, sem argumento prévio nem qualquer tipo de ensaio: capturá-la com som síncrono, em interiores e no exterior, sem colocar perguntas nem solicitar repetições; editar os filmes por forma a fazer o público rir e chorar (se possível ambas as coisas ao mesmo tempo); mostrar os filmes na televisão a milhões e mudar o mundo levando as pessoas a compreender que a vida real é magnífica e cheia de significado.”


Candid Eye e O Instante Decisivo


A proposta confundiu os responsáveis. A aprovação de qualquer filme passava por uma série de preliminares, nomeadamente uma descrição detalhada do argumento e do modo de o concretizar. Havia igualmente um conjunto de convenções que devia ser escrupulosamente respeitado como a obrigatoriedade do uso do tripé, determinadas formas de enquadramento da imagem, certas regras de iluminação e a presença de um texto lido por vozes com predominância de graves. Estas convenções, que repousavam numa concepção académica do cinema prevalecente no NFB, então sob a direcção de Grant McLean, são evidentes nas reportagens, por exemplo, de Coup d’Oeil, que teve, aliás, a colaboração da maioria dos cineastas posteriormente associados ao cinema directo. Daí as dificuldades levantadas: Como fazer aprovar um argumento que não existe? Como se leva o público a aceitar um filme que não conta uma história e passa uma mensagem não convencional? Como é que uma equipa de cinema consegue passar despercebida de modo a criar a ilusão de espontaneidade? Boas perguntas, mas, no essencial, as respostas estavam todas, ou quase todas, na introdução de Henri Cartier-Bresson ao seu livro O Instante Decisivo. Por exemplo:


Henri-Cartier Bresson: Corrrida “Os Seis Dias de Paris”, Vélodrome d’Hiver, Paris, 1945 Fonte: El País

“A reportagem é uma operação progressiva da cabeça, do olho e do coração para exprimir um problema, fixar um evento ou impressões. Um evento é tão rico que dá-se voltas em torno dele enquanto se desenvolve. Procura-se a sua solução. Encontra-se às vezes em alguns segundos; às vezes ela demanda horas ou dias; não existe solução padrão (...) Nós jogamos com coisas que desaparecem, e quando desaparecem é impossível fazê-las reviver (…).”


Daqui, tratando-se da complexa relação do fotógrafo com o objecto do seu interesse, resulta como corolário:


“Então é preciso abordar o tema a passos de lobo, mesmo tratando-se de uma natureza morta. É preciso uma aproximação sigilosa como a do gato, mas é necessário ter o olhar agudo (...) Se não o fotógrafo torna-se alguém insuportavelmente agressivo (...) uma palavra pode pôr tudo a perder (...) o melhor é fazer que esqueçam o fotógrafo e o aparelho, que sempre é demasiado visível.”


Diz também Cartier-Bresson que a composição deve ser uma preocupação constante “mas no momento de fotografar ela só poder ser intuitiva pois andamos às voltas com instantes fugidios onde as relações são instáveis”. Portanto, só vivendo nos descobrimos, descobrindo, ao mesmo tempo, o mundo exterior, ou seja: “Ele forma-nos, mas nós também podemos agir sobre ele. Deve, como tal, estabelecer-se um equilíbrio entre esses dois mundos, o interior e o exterior, num diálogo constante do qual deverá resultar algo de novo. É esse o mundo que precisamos de comunicar.”


Para Wolf Koenig e para os futuros cineastas de Candid Eye o livro de Cartier-Bresson tinha o peso de uma Bíblia profana. Fizeram chegar ao então director de produção Donald Mulholand uma cópia, à qual juntaram uma explicação mais precisa dos seus objectivos. Finalmente, foi dada luz verde à experiência. Os cineastas da Unidade B, com a colaboração de operadores e técnicos de língua francesa, saíram à rua ao encontro do real e fizeram muitos documentários. Mais tarde, diria Koenig: “Muitos eram maus, alguns aceitáveis, um par deles bons. Mas o sucesso que tiveram deve-se em larga medida a O Instante Decisivo. Para nós chegou num momento decisivo.”


Wolf Koenig: “Show our world and the lives lived by ordinary people, but without influencing or manipulating them. Observe but do not disturb. Preferably, remain invisible. All with the purpose of showing us all who we are.” Fonte: NFB Blog

Candid Eye principiou a ser exibido em 1958 na CBC–TV. Rapidamente ganhou não apenas a aceitação do público, mas também do grupo de cineastas da unidade francesa do NFB criada em 1956, em Montreal. No documentário de Denys Desjardins, Le direct avant la lettre (2005), Koenig diz que essa colaboração se revelou muito produtiva devido à existência de um conjunto de preocupações comuns, ainda que pudesse haver divergências quanto ao modo de encarar o real. Havia uma mesma atitude em relação à recusa do argumento, à encenação de cenas, à atenção prestada ao quotidiano aparentemente banal evitando efeitos retóricos, à preferência dada aos equipamentos ligeiros. Mas, se os cineastas da Unidade B procuraram o olhar espontâneo, não intrusivo, de algum modo distante das suas personagens, Michel Brault, Claude Jutra e outros optaram por uma perspectiva mais relacional, estabelecendo um contrato com os seus protagonistas um pouco - mas não inteiramente - na linha do que Jean Rouch andava a fazer nos seus filmes rodados em África ao longo do rio Niger. Dito de outra maneira, se Candid Eye partia de alguém ou de um acontecimento encarando o processo fílmico não como uma forma de moldar o real, mas de revelar e, desse modo, permitir o acesso à significação, no cinema da unidade francesa o envolvimento do cineasta no processo fílmico podia ser assumido com as consequências daí decorrentes. No entanto, importa reter que a linha de diferenciação de ambas as abordagens, nesta fase, era relativamente ténue.


Robert Flaherty Film Seminar, 1958


Satyajit Ray, extraordinário cineasta indiano de cunho fortemente poético e documental, uma das presenças no seminário Flaherty de 1958. Foram debatidos os seus filmes Aparaiito (1956) e Pather Panchali (1955). A presença de Ray ilustra o carácter ecuménico do evento. Fonte: Robert Flaherty Film Seminar

Se a génese da aventura do cinema directo na sua versão canadense é contemporânea de Candid Eye e por ele impulsionada, é habitual, no entanto, atribuir um papel pioneiro a Les Raquetteurs (1958) de Michel Brault e Gilles Groulx. Em rigor, o filme não era ainda cinema directo porque a quase totalidade da banda som foi recriada em estúdio. Apenas uma pequena parte resultou do som síncrono. O sucesso do filme e o reconhecimento europeu por parte da crítica especializada contribuíram não só para validar os esforços de Candid Eye – Koenig, Kroiter e Filgate receberam imediatamente uma encomenda de 15 filmes para a televisão – mas, também, para pôr em cheque a estrutura conservadora do National Film Board. Permitiu aos cineastas do Quebeque, por outro lado, entrarem em contacto com a pequena comunidade internacional do que viria a ser o cinéma-vérité, nomeadamente com Jean Rouch que assistiu, na companhia de Michel Brault, a Les Raquetteurs durante o Robert Flaherty Film Seminar, na Califórnia, em 1958. Comentando as mudanças operadas na organização por si fundada e os novos filmes do National Film Board, John Grierson aludiu de forma oblíqua à existência de um “cavalo de Tróia da estética”. Mais tarde, porém, viria a reclamar parte da responsabilidade das novas opções como sendo uma consequência natural do trabalho até então desenvolvido.


O Seminário Flaherty de 1958 foi histórico por diversas razões. Em primeiro lugar, debateu os filmes do Free Cinema, ainda praticamente desconhecidos (ver neste blogue o artigo intitulado Free Cinema: Uma atitude significa um estilo). O famoso crítico, historiador e teórico do Cinema Lewis Jacobs ficou impressionado quer pela forma como tinham sido produzido e realizados, quer pela narrativa. O tópico da narrativa tornar-se-ia controverso uma vez que outros críticos, aparentemente incapazes de avaliar a capacidade observacional da câmara de filmar, sugeriram precisamente a ausência dela. Em segundo lugar, permitiu a Michel Brault mostrar a produção recente da sua Unidade francesa do NFB, portanto, numa fase pré-cinema directo. E, finalmente, prestou atenção a cineastas como John Marshall, Robert Gardner e, sobretudo Jean Rouch, cujo método foi objecto de múltiplas avaliações e cujos filmes suscitaram um dilema aos críticos, nomeadamente Colin Young e Martin Zweiback:


“Um público que veja estes filmes fora do contexto intimista e amigável de um Seminário Flaherty ficará muitas vezes desapontado e achá-los-á obscuros, repetitivos e mal construídos. Rouch, porém, é em primeiro lugar um humanista e só depois um cineasta. E se as expectativas convencionais do público e dos produtores interferem com o seu trabalho, ele acha que são eles que deverão desistir, não ele .”


Fonte: Vodkaster

O problema suscitado por Young e Zweiback antecipava o que seria posteriormente recorrente na relação do cinema directo com a televisão, ou seja, a dificuldade do público em seguir a narrativa devido à presença de uma voz epistemologicamente hesitante - na terminologia de Plantinga - em função da polissemia da imagem. De qualquer modo, Young e Zweiback manifestaram-se a favor de reconhecimento de que, a partir de então, seria necessário reconsiderar a ideia do documentário.


Les Raquetteurs, quase cinema directo


O modo como Les Raquetteurs foi feito é em si mesmo exemplar pelo que representa de determinação em experimentar outros caminhos. Em princípio o filme estava destinado a ser mais uma das pequenas peças de quatro minutos de Coup d’Oeil, uma rubrica de reportagem muito cuidada do ponto de vista formal que habitualmente fechava os jornais de informação geral. Les Raquetteurs, praticantes de um desporto peculiar consistindo basicamente em deslizar sobre a neve com raquettes fixadas nos pés, iriam fazer o seu congresso anual durante um fim de semana na pequena cidade de província de Sherbrooke. No documentário de Gilles Nöel Le Cheval de Troie de L´Esthétique - six tableaux sur Michel Brault (2005), o cineasta conta como ele e os seus companheiros Gilles Groulx, um montador acabado de ingressar no NBF e o técnico de som Marcel Carrière subverteram a agenda inicial. Começaram por falsificar a requisição do material acrescentando um zero à metragem de película autorizada. Desse modo, puderam filmar durante todo o fim de semana e não apenas os 30 minutos habitualmente permitidos. Utilizando uma câmara Arriflex de 35mm e um gravador de som Makhac acompanharam de perto todos os eventos relacionados com o congresso: a participação dos habitantes, as boas vindas do presidente do município de Sherbrooke, o desfile dos raquetteurs acompanhado de uma banda de música, as inevitáveis provas de velocidade, a festa de encerramento do congresso com a eleição da sua rainha e o animado baile que se lhe seguiu. Quando a produção do NFB viu as imagens não lhes reconheceu interesse. Determinou o seu depósito em arquivo.


Michel Brault: “Cependant, pour aller filmer les gens, pour aller parmi eux, avec eux, ils doivent savoir que nous sommes là, ils doivent accepter les conséquences de la présence de la caméra et ça nécessite l’utilisation d’un grand angulaire. La seule démarche légitime est celle qui sous-tend une sorte de contrat tacite entre les gens filmés et ceux qui filment, c’est-à-dire une acceptation mutuelle de la présence de l’autre.” Fonte: NFB Blog

Os episódios seguintes fizeram do filme o símbolo da luta de emancipação dos cineastas franceses da tutela institucional inglesa, rompendo com as convenções elitistas filiadas na alta cultura, indo, de certa forma, ao encontro das posições contestárias da Unidade B. Tal como os seus colegas ingleses elaboraram uma espécie de manifesto em defesa de um novo tipo de documentário relacional fundado na mobilidade e na observação. O filme foi montado nos tempos livres de Gilles Groulx, contando com o apoio de Tom Daly, um dos homens de Candid Eye, e de um produtor recém chegado de nome Louis Portugais, cuja marca ficaria bem patente na produção cinematográfica do Canadá. Esteticamente, em Les Raquetteurs há uma diferença em relação aos documentários de Candid Eye. Estes, pretendendo evitar intrometer-se na acção e interferir com os protagonistas, faziam uso de teleobjectivas que permitiam filmar a distância considerável. Brault, segundo Gilles Marsolais, quis reagir contra esse procedimento, o qual, aliás, explorara reiteradamente na excelente série televisiva de curtas-metragens Petites médisances (1953-1954) em cumplicidade com Jacques Giraldeau, fundador do primeiro cine-clube do Quebeque. Apercebendo-se que a teleobjectiva condenava o cineasta a ficar de fora dos acontecimentos incorrendo no risco de apenas captar a aparência das coisas, começou a investir na liberdade de movimentos e na utilização da grande angular:


“O interesse de um filme como Les Raquetteurs reside no facto do cineasta procurar abordar o acontecimento pelo seu interior, acompanhando-o de perto e, em definitivo, vivendo-o. Como tal, uma parte da montagem está já contida nas tomadas de vista que resultam do modo como o operador de câmara vai reagindo às situações.”


Cena da banda de música em Les Raquetteurs. Fonte: IMBd

Por exemplo, Michel Brault, de câmara ao ombro, começa por filmar a sequência da banda que percorre as ruas de Sherbrooke à distância, mas quando os músicos passam junto dele integra-se ele próprio no desfile de modo a transmitir ao público a sensação de estar a participar. Claude Jutra falaria mesmo de uma fixação quase erótica sobre a câmara por forma a exprimir o efeito de aproximação pretendido. Esse método era intencional e a aproximação tinha motivações de ordem política e estética. No dizer de Marsolais, aludindo a Dziga Vertov, o método de Brault consistia numa espécie de cine-punho (ver neste blogue O Cine-Olho, o Cine-Punho e o Homem Novo) envergando uma luva de veludo, cujo compromisso ético e moral consistia em observar com olho clínico as contradições de uma sociedade esclerosada.


Les Ordres (1974) de Michel Brault, um marco no campo das possibilidades combinatórias de estratégias ficcionais e documentais. Fonte: La Lanterne

Nessa linha, o filme explicitamente mais político de Michel Brault, Les Ordres, só apareceria em 1974 na forma de uma narrativa ficcional que reconstituía em termos documentais a repressão dos cidadãos do Quebeque francês, em Outubro de 1970, resultante do estado de excepção decretado pelo governo. Para trás ficava uma produção de altíssima qualidade, na qual avultavam, entre outros, Les enfants du silence (1962), Pour la suite du Monde (1963), Entre la mer et l’eau douce (1965), Les enfants de Néant (1968), Éloge du Chiac (1969) e L’Acadie l’Acadie?!? (1971). Alguns destes filmes denotam a influência de Jean Rouch, nomeadamente Pour la suite du Monde, realizado em colaboração com Pierre Perrault, em cuja ficha técnica os nomes dos diversos elementos surgem como tendo “vivido e representado” (“vécus et joués”) o filme. Michel Brault, de resto, reconhece a importância no seu percurso de cineasta de duas obras fundamentais de Rouch, Moi, un Noir (1957) e Les Maîtres Fous (1954), este último, por sinal, também debatido no Seminário Flaherty de 1958 e, tal como Moi, un Noir, realizado com um câmara de apenas 20 segundos de autonomia de película. Brault colaborou depois em Chronique d’un Été (1960), a primeira experiência europeia de cinéma-vérité. A influência de Rouch, cuja filiação numa linha de cinema de autor é legitimada desde muito cedo pelos Cahiers du Cinéma, acabaria por alargar-se a outros cineastas canadianos de língua francesa, mesmo quando os seus trabalhos se destinavam à televisão.


Chronique d’un Été (1961) de Jean Rouch e Edgar Morin. No Verão de 1960, Edgar Morin ia a caminho dos 40 anos. Há muito descobrira a paixão do Cinema e escrevia regularmente a propósito. Atestam-no títulos como o Cinema ou o Homem Imaginário (1956) e As Estrelas: Mito e Sedução no Cinema (1957). Mas nesse Verão de 1960 ele iria fazer uma incursão diferente. Na companhia de Jean Rouch, quatro anos mais velho e já com uma vasta filmografia, Morin embrenhou-se naquele que viria a ser um filme cuja influência perdura até hoje: Chronique d’un Été (1961). Colocado pela Sight and Sound no sexto lugar da escala dos documentários mais importantes de todos os tempos, Chronique d’un Été tornou-se na peça-chave do Cinéma-Vérité. No início do filme, o etnólogo Rouch interpela o sociólogo Morin sobre o comportamento das pessoas diante de uma câmara de filmar. Um pouco à maneira do que fizera Dziga Vertov em O Homem da Câmara de Filmar (1929), anunciaram que se ira assistir à primeira experiência de cinéma-vérité. No final, quer um quer o outro concordam em terem ficado com um grande problema nas mãos. É bem verdade. Pelo meio ficaram múltiplos desencontros, tanto da parte dos protagonistas da tribo parisiense sobre a qual o filme trabalha, quanto dos co-realizadores cujos pontos de vista divergiam o bastante para, mais tarde, Morin dizer que não era aquele o filme que tinha querido fazer. Rodado numa época em que a sociedade francesa vivia a guerra da Argélia (ver neste blogue o artigo sobre a Batalha de Argel de Gillo Pontecorvo), mas também a euforia em torno da Nouvelle Vague, Chronique d’un Été recolhe contributos de cineastas extraordinários como Michel Brault e continua a desafiar o pensamento sobre o Cinema.

Jean Rouch, Marceline Loridan-Ivens e Edgar Morin os principais obreiros de Chronique d’un Été Fonte: Cine por Mujeres, Madrid

A questão da autoria


Free Cinema, Candid Eye e Cinéma-Vérité, tendo embora pontos em comum, obedeciam a pressupostos diferentes. Durante o curto período em que vigorou o Free Cinema (ver neste blogue artigo sobre a matéria) nunca encarou a televisão como um meio de passagem natural para o documentário como sucedeu com o Candid Eye e, em parte, com o Cinéma-Vérité da unidade francesa do National Film Board. Daí também o problema da autoria ter sido colocado de diferentes maneiras. Recuando ao movimento documentarista britânico nos anos 30 e 40 verifica-se como a questão dos créditos e da realização foi, pelo menos durante algum tempo, relativamente negligenciada. Contudo, apesar do espírito de grupo, nos filmes do Free Cinema há já o sentido da autoria, mesmo se de responsabilidade, partilhada como sucede em Nice Time (1957) dos suíços Claude Goretta e Alain Tanner e em Momma Don’t Allow (1956) de Karel Reisz e Tony Richardson, para já não falar de Together (1956) de Lorenza Mazzeti, o qual chegou a ser dado como um caso perdido até Lindsay Anderson se envolver na edição. No caso do cinema francês essa tendência foi mesmo a imagem de marca da curta-metragem e do documentário do pós-guerra quando se travou a luta iniciada pelo Grupo dos 30 e, sobretudo na década de 50, quando a política dos autores ganhou estatuto de pensamento dominante nos Cahiers du Cinéma. Apesar da colaboração entre cineastas, por exemplo, entre Alain Resnais e Chris Marker, a assinatura do filme era, na maioria dos casos, apenas de uma pessoa. Trabalhando muitas vezes por encomenda, os cineastas franceses atingiram, na verdade, elevados patamares de originalidade justificando em absoluto a atribuição da autoria.


No Canadá foi diferente. Da parte dos cineastas de língua francesa, que lutavam por maior autonomia institucional no interior de um National Film Board no qual a língua inglesa era hegemónica, houve uma natural inclinação para os pressupostos da política dos autores. No entanto, tiveram de bater-se pelas as suas ideias num contexto de produção para televisão, portanto, obedecendo a imposições formais e ritmos de produção nem sempre compatíveis com o tempo de criação. Mas o mesmo sucedeu com os cineastas da Unidade B. Isso poderá explicar parcialmente a razão pela qual um número significativo de filmes, quer da parte francesa, quer da parte inglesa, seja de autoria partilhada. Roman Kroiter e Wolf Koenig trabalharam muitas vezes juntos. Tal como Michel Brault, cuja colaboração está associada, por exemplo, a cineastas como Gilles Groulx e Claude Jutra. Esta explicação não é, porém, suficiente. No fundo, poderia ser o cinema que se pretendia fazer a justificar a existência de equipas cujo processo de realização podia ser da responsabilidade de mais de uma pessoa. E, nesse sentido, independentemente de serem anglófonos ou francófonos, os cineastas do National Film Board partilhavam de ideias comuns. As suas equipas estavam a fazer algo de novo e, como tal, eram forçadas a enfrentar rotinas institucionais inadequadas à prossecução dos seus objectivos. Por isso, complementavam as suas afinidades estéticas com a cumplicidade no plano dos procedimentos. Acresce que a própria natureza das matérias, inscritas na observação do quotidiano, requeriam amiúde a presença de mais de um operador de câmara. O exemplo de La Lutte (1961) e o modo como o filme evoluiu a partir da ideia inicial é, a vários títulos, paradigmático.


La Lutte (1961) de Michel Brault, Marcel Carrière, Claude Fournier et Claude Jutra. Um documentário notável, peça chave da produção de cinema documental do Quebeque. Fonte: ONF

O filme é sobre a luta livre, vulgo wrestling, hoje imensamente popular na televisão americana. Segundo Michel Brault La Lutte não tem autor. O intuito era filmar os combates de uma quarta-feira à noite no Fórum de Montréal tendo subjacente o propósito jornalístico de desmistificar os mecanismos que punham em causa a veracidade dos resultados. Roland Barthes, de passagem por Montréal, disse que gostaria de assistir às filmagens. Mas, quando Brault e os seus companheiros lhe disseram que tencionavam desmascarar os bastidores da luta, bem como os compromissos dos lutadores, insurgiu-se: “Mais non, ça va pas, vous êtes fous! On ne démonte pas le théâtre. Le théâtre, c’est du théâtre et la lutte c’est du théâtre populaire. C’est la façon qu’a le peuple d’assister à la lutte entre le bien et le mal. Pourquoi détruire ça?”


O filme acabou assim por tomar outro sentido. Entendendo a justeza da observação de Barhes, Brault e a sua equipa prestaram especial atenção à reacção dos espectadores nos diversos momentos do espectáculo, tomando partido, sentindo a dor encenada pelos seus favoritos, vibrando com cada golpe nos adversários e rejubilando com a inevitável vitória dos bons (lutadores supostamente do Quebeque, franceses e italianos) sobre os maus (alemães, americanos, turcos e russos). La Lutte obedece, de um modo geral, a uma ordem cinematográfica de cinema puro na qual predominam os sintagmas narrativos articulados em sequências cujos planos – sobretudo na lona de combate – são feitos, na maioria dos casos, com grandes angulares. Os planos sequência, embora presentes, não têm ainda a relevância significante que viriam a ter numa fase mais adiantada do direct cinema. O som do narrador que relata a luta serve de comentário tanto ao que acontece no rinque quanto às expressões e manifestações do público. No final, por mero acaso, a questão da verdade - leia-se vérité - foi levantada por dois dos lutadores derrotados, os falsos russos irmãos Kalmykov, e pelo seu empresário. Vociferando em close-up diante da câmara um dos irmãos diz: “We didn’t loose the match! That’s the positive truth!” Como antecipara Roland Barthes, a verdade da luta estava no teatro, não numa qualquer tentativa de expor os seus bastidores. Na ficha técnica os nomes da equipa do NFB aparecem por ordem alfabética – Michel Brault, Marcel Carrière, Claude Fournier e Claude Jutra – seguindo-se os nomes dos colaboradores com Roland Barthes à cabeça.


Marcel Carrière, o homem que revolucionou o som do cinema do Quebeque Fonte: Mon cinéma québécois en France

Apesar de destinado à televisão o filme obedece a uma ordem inteiramente cinematográfica. Não é ainda cinema directo porque a única parte com som síncrono é justamente aquela em que os irmãos Kalmykov proporcionam inadvertidamente um final exemplar ao colocarem o problema que era justamente o problema dos cineastas, ou seja, a verdade. A narrativa releva da organização da cadeia sintagmática, o comentário recusa a mera exposição, funcionando, tal como a partitura musical, em contraponto das imagens. Outros documentários canadenses, quer da parte francesa quer da inglesa, adoptaram procedimentos semelhantes, de resto, já perceptíveis nos filmes de Wolf Koenig de 1953, bem como no trabalho de Terence Macartney-Filgate. Explicitados de forma coerente pela primeira vez em The Days Before Christmas (1957), um conjunto de filmes que antecipa o seriado Candid Eye, esses procedimentos fundadores, constituindo um corpo coerente de princípios, iriam permitir fazer alguns dos melhores documentários feitos para a Televisão. O documentário inaugural da série foi Blood and Fire emitido a 26 de Outubro de 1958. Mergulhando no real, Candid Eye abordou questões sociais, equacionou questões políticas, lidou com grupos problemáticos e deu a conhecer sem paliativos personagens extraordinárias como, por exemplo Glenn Gould e Stravinsky.


The Days Before Christmas (1957) de Terence Macartney-Filgate, filmes sem narração nos quais só a imagem e o som diegético contam. Fonte: NFB

Há, finalmente, um ponto a salientar quanto ao conjunto da produção deste período que principia com o trabalho mais experimental da Unidade B do NFB, coincidente no tempo das primeiras experiências do Free Cinema, e o final da década de 60, quando o cinema directo parecia ter esgotado a sua capacidade de exposição televisiva e enveredava por outro tipo de desenvolvimentos. Esse ponto releva do modo peculiar como a produção canadiana lidou com a televisão e com o jornalismo, em particular.. Em muitos dos seus filmes é inquestionável o domínio das marcas de enunciação do cinema, mas há igualmente elementos de reportagem, de quando em vez textos expositivos de contextualização, mais raramemente, entrevistas. Não tanto na obra dos cineastas francófonos, mais nos filmes dos anglófonos e, sobretudo, no trabalho daqueles que assumiram, pelo menos durante algum tempo, a vertente mais jornalística como Colin Low que, aliás, viria a ser um dos responsáveis com John Kemeny pela proposta de criação, em 1966, de Chalenge for Change, um programa, como o nome indica, que era um desafio no sentido de ensaiar formas de documentário com base no cinéma-vérité.


Em suma, durante anos, no pós-guerra, o National Film Board levou a cabo diversas experiências que permitiram alargar o horizonte tanto de um novo tipo de cinema quanto de um novo jornalismo, no qual, raramente, o cinema deixou de estar presente. O NFB fazia pelo menos um filme por semana. A aceitação era tal que, por vezes, não havia sequer a ideia da circunstância em que esses filmes iriam ser exibidos, apesar da maior parte da produção se destinar à Televisão. No entanto, passavam igualmente, por exemplo, em salas de cinema como complemento dos filmes de fundo. Tanto podiam fazer parte de programas como Eye Witness quanto de Coup d’Oeil. É certo que, na sua maioria, inicialmente, tinham argumento e diálogos escritos, obedeciam a regras estritas, tinham um enfoque jornalístico. Mas também é certo que esses filmes, a partir de certa altura, permitiram iniciar a série de experiências que haveriam de conduzir quer a unidade anglófona quer a francófona ao cinema directo. E o cinema directo, segundo Michel Brault, não é mais do que filmar as pessoas tal como elas são.


Stravinsky (1965) marca o fim da colaboração Wolf Koenig com Roman Kroitor. É também o último exemplo do estilo Candid Eye. O filme foi nomeado para diversos prémios tanto no campo do cinema (BAFTA, por exemplo) quanto da informação televisiva (venceu o Canadian Film Award for TV Information em 1966). Este retrato informal do grande compositor, na altura com 83 anos, mostra-o a dirigir a Orquestra Sinfónica da CBC e revela a sua personalidade surpreendentemente jovial para um homem da sua idade. Filmado durante um longo período de tempo no Candá e na Europa, Stravinsky tem algumas cenas negociadas, nomeadamente a bordo do navio que transportava o compositor e a mulher para Hamburgo. Numa delas, a última, os cineastas, Koenig e Kroitor, depois de darem o trabalho por terminado, pedem-lhe que continue a conversa em russo com o amigo de longa data Nicholas Nabokov. Tal como sucedera com Brault e Jutra na cena final de La Lutte também aqui Koenig e Kroiter foram surpreendidos, feita a tradução, com um diálogo que correspondia às suas preocupações, uma vez que Stravinsky, de forma bem humorada, procurava explicar a Nabokov o método utilizado nas filmagens por forma a atingir a vérité. Fonte: NFB

Atualizado: 22 de out. de 2023

O Coronel Frank Capra do US Army Signal Corps (à direita), com o Capitão Roy Boulting da British Army Film em 24 de fevereiro de 1944 Fonte: TIME

“Film is a disease. When it infects your bloodstream, it takes over as the number one hormone; it bosses the enzymes; directs the pineal gland; plays Iago to your psyche. As with heroin, the antidote to film is more film.”

Frank Capra


A demonização do inimigo é a técnica de propaganda mais antiga ao serviço da guerra. É necessário que o inimigo suscite ódio e repulsa, seja desumanizado ao ponto do seu extermínio ser não apenas um desígnio meritório, mas também um acto probatório da superioridade moral de quem o pratica em nome dos valores de uma ordem superior. A guerra exige o reconhecimento, sem lugar para a dúvida, do campo dos bons e do campos dos maus. Nos filmes de propaganda nazi, os judeus foram equiparados às ratazanas dos esgotos, à pestilência portadora da doença, em última instância, a uma ameaça global capaz de destruir a civilização. Os judeus deviam ser exterminados. Em contrapartida, o oficial SS, impecável no seu elegante uniforme negro criado por Hugo Boss, representava o padrão racial mais elevado, o glamour purificador da guerra, o modelo a seguir na edificação do império de mil anos, saudável e feliz. O oficial SS tinha a missão de exterminar. Durante a II Guerra Mundial, em maior ou menor escala, todos os beligerantes fizeram uso dessa técnica de propaganda negra. Há inúmeros exemplos. Um deles, a propósito da guerra no Pacífico, é o documentário Know You Enemy: Japan (1945) de Frank Capra com assessoria de Joris Ivens, cuja caracterização do povo japonês, de tal modo infame, acabaria por incompatibilizar cineastas e Forças Armadas, inviabilizando a exibição do filme em tempo útil. De qualquer modo, com ou sem demonização, o cinema de propaganda anglo-saxónico produziu grandes filmes. Entre todos, destaca-se o notável seriado documental Why We Fight da responsabilidade de Frank Capra. Dele falaremos adiante.

Nota prévia. Os anos da II Guerra Mundial são fundamentais para se compreender a evolução do filme documentário, bem como as razões pelas quais a matriz anglo-saxónica se impôs como referência num contexto em que o campo dos media, e não apenas o Cinema, teve um papel determinante. No Canadá, a produção, em boa parte jornalística, foi praticamente um exclusivo do National Film Board. Na Grã-Bretanha, coabitaram diversas unidades de produção, destacando-se a Crown Film Unit com diversos filmes ainda hoje referenciados entre os mais interessantes. Nos Estados Unidos, realizadores de Hollywood como William Wyler, John Huston, George Stevens, John Ford, Frank Capra e outros mais alistaram-se nas Forças Armadas por dever patriótico. Entre eles fizeram documentários memoráveis. De tal modo que, nalguns casos, viriam até a ser considerados inadequados aos fins para os quais haviam sido concebidos porque, além de muito bem feitos, simplesmente mudavam o foco para o absurdo da guerra em si mesma e a necessidade de fazer a paz.


Know Your Enemy: Japan (1945), atribuído a Frank Capra e Joris Ivens, cujos nomes não aprecem, no entanto, nos créditos. O mesmo sucede, aliás, com os nomes dos argumentistas Carl Foreman e John Huston, bem como dos actores John Beal, Howard Duff e Walter Huston que dão as vozes ao filme. Brilhantemente executado, Know Your Enemy joga com preconceitos raciais e estereótipos da cultura japonesa para fazer um retrato aterrador do Japão e do seu povo. Muitos anos banido dos ecrãs, quando voltou a ser exibido incluía, e inclui, logo no início a seguinte advertência: “This program is considered of historical value and does not necessarily reflect current policy or plans of the sponsoring agency.” Fonte: IMDb

Aliados na linha da frente da propaganda


Canadá: uma guerra para newsreels, não para documentários. Voltemos ao escocês John Grierson. Ele não se limitou a institucionalizar o movimento documentarista britânico. A sua acção e princípios orientadores fizeram sentir-se, em maior ou menor grau, por todo o mundo de língua inglesa. No Canadá, lançou a sua iniciativa mais espectacular, o National Film Board (NFB). Os primeiros contactos de Grierson com o governo canadiano datam de 1937. No ano seguinte, foi convidado a elaborar um parecer sobre a possibilidade de utilizar o cinema de modo similar ao do Reino Unido. O ponto de partida e principal objectivo era melhorar o relacionamento entre os cidadãos e as instituições, bem como projectar uma imagem positiva do país no mundo. Tendo sido aceites suas recomendações, baseadas nas experiências do Empire Marketing Board, General Post Office e Film Centre (ver neste blogue os textos respeitantes ao Movimento Documentarista Britânico), o Parlamento canadiano legislou no sentido de criar o National Film Board (NFB). Não havendo, na altura, ninguém qualificado, com experiência bastante para assumir a direção, a escolha acabou por recair no próprio Grierson que assumiu funções em Outubro de 1939.


Contando com o apoio do primeiro ministro Mackenzie King, Grierson começou por rodear-se de alguns dos profissionais de maior notoriedade à época, alguns deles seus colaboradores nas ilhas britânicas, casos de Stuart Legg, Norman McLaren, Raymond Spottiswoode e Evelyn Spice. Dos Estados Unidos vieram o argumentista e produtor Irving Jacoby e o director de fotografia Roger Barlow. Da Holanda, Joris Ivens e John Ferno. De França, Boris Kauffman, famoso documentarista e operador de câmara, irmão de Dziga Vertov. Ao fim de um ano, o grupo, ao qual se foram juntando novos elementos, já tinha não apenas produzido e realizado quarenta filmes, mas, também, criado uma verdadeira escola onde os jovens talentos iam fazendo a sua aprendizagem.


De um modo geral, segundo opinião ainda hoje prevalecente, estes filmes, apesar dos nomes envolvidos, perdiam para os ingleses e americanos, cujos padrões qualitativos se revelavam mais exigentes. Duas razões terão contribuído para tal. Em primeiro lugar, embora criado ainda em tempo de paz, o National Film Board foi confrontado, logo a seguir, com a urgência inerente às tarefas determinadas pela guerra. Em segundo lugar, Grierson, um estudioso e profundo conhecedor dos media, via nos programas de carácter jornalístico a forma mais eficaz de dar resposta em tempo útil aos problemas de um dia a dia marcado pela guerra.


Churchill’s Island (1941) de Stuart Legg, um documentário de 22’00 sobre a Batalha da Inglaterra, terá sido um dos filmes que mais contribui para impor World in Action do NFB do Canadá como um dos jornais de actualidades mais vistos no mundo. O documentário, feito essencialmente com material de newsreels, ganhou um Oscar da Academia. Fonte: daFilms.com

Daí a prioridade atribuída a dois seriados informativos, Canada Carries On e World in Action, de grande êxito junto do público. Este último, sob a orientação de Stuart Legg, chegou a competir em popularidade com March of Time à escala global. Para tanto, terá sido determinante a voz de Lorne Greene, segundo o juízo da época, mais rica e profunda do que a de Westbrook Van Voorhis, o famoso narrador de The March of Time (Ver neste blogue artigo respeitante aos Anos de Ouro das Actualidades Cinematográficas). No entendimento de Ellis e McLane, historiadores e teóricos do cinema documental, Grierson, um estudioso do campo dos media, acreditava estar perante uma guerra para newsreels, não para documentários. Dito de outro modo, os sinais do tempo requeriam mais a rudeza e imediatismo da reportagem do que o refinamento da arte cinematográfica.


Reino Unido: entre a ficção e o documentário. Em Londres, dois dias após os exércitos de Hitler terem invadido a Polónia, o primeiro-ministro Neville Chamberlain, que não há muito regressara de uma visita a Berlim exibindo uma declaração na qual o Führer se comprometia a não desencadear qualquer acto de agressão, declarou guerra à Alemanha. De início, a atitude dos ingleses não foi muito diferente daquela que o seu governo tivera quando, contra todas as evidências, durante muito tempo, preferiu contemporizar com o III Reich a pretexto de defender a paz. Na verdade, os ingleses, dado o estado calamitoso das suas forças armadas, também precisavam de ganhar tempo. Por isso, enquanto os nazis andaram longe das ilhas gerou-se uma atitude de expectativa, sem grandes sobressaltos. Mas, à medida que a Blitzkrieg avançava e, sobretudo, quando a França capitulou no Verão de 1940, o estado de ânimo da população britânica mudou.


Após a declaração de guerra de Chamberlain, tornou-se claro que o cinema teria um papel a desempenhar. À semelhança da generalidade dos países europeus, as salas do Reino Unido tinham sido invadidas por filmes de Hollywood e pelas suas estrelas. Pontualmente, podiam ser mencionados exemplos de trabalhos interessantes de jovens realizadores como Alfred Hitchcock ou Anthony Asquith, mas, de um modo geral, o cinema de estúdio britânico não gozava nem do favor do grande público nem da intelectualidade. Pelo contrário, o documentário ganhara um estatuto que o recomendava para as tarefas que se adivinhavam. Ainda assim, num primeiro momento, as medidas do governo foram contraditórias.


Their Finest (2016) de Lone Scherfig. Londres, 1940, a produção de filmes passou a estar sob a tutela do Ministério da Guerra. há bombardeamentos todas as noites. Catrin Cole (Gemma Arterton, uma magnífica atriz) concorre a um lugar de guionista. Ganha o concurso. Uma vez concluído o filme, Their Finest - título surripiado a Churchill - verifica-se estar nos antípodas do Potemkin exigido pela propaganda. Feito por uma mulher, faz chorar. Torna-se um êxito instantâneo. Lança um oblíquo olhar feminino sobre o mundo do cinema, ridiculariza as fórmulas de Hollywood e, sobretudo, diverte-se ao colocar um documentarista a rodar um filme de ficção, parodiando os temores dos conselheiros do primeiro-ministro Chamberlain. Fonte: IMDb

Desconfiando dos documentaristas, a quem atribuíam tendências esquerdistas, os conselheiros da área cultural de Chamberlain eram favoráveis a chamar gente dos estúdios para fazer filmes de propaganda. O General Post Office (GPO), bem como os grupos independentes, entretanto, criados, insurgiram-se contra a discriminação. Pouco depois da declaração de guerra, por sua conta e risco, fizeram The First Days (1939), com realização de Harry Watt, Humphrey Jennings e Pat Jackson. Apesar da nomeação, em Janeiro de 1940, de John Reith - o homem que se tornou célebre à frente da BBC - para ministro da Informação, a situação não se alterou significativamente (Sobre Jennings ver neste blogue O Movimento Documentarista Britânico IV)


Contudo, com a designação, em Maio do mesmo ano, de Winston Churchill para primeiro-ministro, Reith foi substituído por Brendan Bracken à frente do ministério. Bracken, por seu turno, destacou para chefiar a Films Division um homem que conhecia bem o movimento documentarista e os seus praticantes, Jack Beddington, que tinha sido, inclusivamente, um dos responsáveis pela criação da Shell Film Unit. O primeiro acto de gestão de Beddington foi solicitar ao Film Centre um parecer sobre como utilizar o cinema em tempo de guerra. Com Grierson no Canadá, esse parecer foi redigido por Edgar Anstey, Paul Rotha e Basil Wright. Viria a ser determinante para o documentário britânico. O GPO foi transformado na Crown Film Unit de cuja produção resultariam alguns dos melhores documentários britânicos feitos durante a II Guerra Mundial. A maioria dos seus cineastas viria a participar desse esforço até à derrota do nazismo. Entre todos, destacar-se-ia Humphrey Jennings.


The First Days (1939), de Harry Watt, Humphrey Jennings e Pat Jackson. O cinema de Jennings é um caso singular no contexto dos filmes feitos durante a II Guerra Mundial. Rejeitou a retórica belicista da generalidade dos cineastas da época e concentrou-se nas pessoas vivendo corajosamente o dia a dia sob a ameaça dos bombardeamentos. Neste caso, mostra como o povo de Londres se organizou nos primeiros dias dos combates. Apesar de filmado por três realizadores, o que colocou naturais problemas de estrutura e ponto de vista, o que resulta é um belo documentário poético, no qual a impressão digital de Jennings é evidente. Fonte: BFI

Estados Unidos: quando os mestres de Hollywood se alistaram. O United States Film Service de Pare Lorentz não deixou nada de comparável a um movimento documentarista organizado (Ver neste blogue Pare Lorentz, o cineasta de Roosevelt)). Devido à existência de uma forte corrente isolacionista, o presidente Roosevelt, embora ciente da ameaça nazi e da probabilidade de vir a declarar guerra à Alemanha, temia acicatar a opinião pública numa altura em que considerava importante manter uma imagem de neutralidade em relação aos acontecimentos na Europa. Fez, por isso, um acordo com Churchill no sentido de controlar a entrada de propaganda britânica na América enquanto a situação não fosse mais clara. No entanto, o problema foi habilmente contornado através da acção de Grierson, no Canadá, país não abrangido pelas limitações que condicionavam os Estados Unidos. A par de exportar para o país vizinho os filmes canadianos, Grierson enviava também os documentários ingleses sobre a guerra, aos quais viria a ser apontada alguma da responsabilidade pela perda progressiva de influência do movimento isolacionista no qual pontificava o famoso aviador Charles Lindbergh.


Após a declaração de guerra às potências do Eixo na sequência do ataque japonês a Pearl Harbor, em 7 de Dezembro de 1941, tudo mudou. Os Estados Unidos adoptaram outra atitude em relação ao cinema de propaganda, passando a olhá-lo como prioridade. Além dos realizadores de Hollywood já referidos outros nomes sonantes vieram alistar-se, designadamente, Carl Foreman, Joris Ivens, Anatole Litvak e, até, Robert Flaherty. Daí que o esforço de propaganda conjunto, embora com diferentes orientações, dos Estados Unidos, Reino Unido e Canadá, trouxesse ao documentário em língua inglesa assinalável projecção com reflexos no pós-guerra, em particular, na televisão. Não é tanto isso, porém, o que aqui nos importa. Importa, sim, sinalizar alguns dos filmes americanos que maior importância tiveram não só enquanto ferramentas simbólicas do combate anti-nazi e anti-fascista, mas também devido ao efeito que, por diferentes razões, produziram no campo da narrativa documental.


Frank Capra e John Ford na fase de treino militar para posterior integração nas unidades de cinema das Forças Armadas dos Estados Unidos. Fonte: DefenseMediaNetwork

Documentários de informação. Apesar dos constrangimentos de vária ordem, a começar pelas regras impostas pela instância militar, e da celeridade exigida pelo estado de guerra, foi possível fazer filmes como Memphis Belle (1944) de William Wyler sobre o famoso avião bombardeiro que apesar das inúmeras acções de combate conseguiu sempre regressar à base, December 7th (1943) de John Ford e Gregg Toland, o director de fotografia de Orson Welles em Citizen Kane (1941), sobre o ataque japonês a Pearl Harbour e The Batlle of San Pietro (1945) de John Huston sobre a batalha travada entre as tropas americanas e os exércitos nazis pelo controle do vale estratégico de Liri, em Itália.


Muitos destes filmes, por dependerem das autoridades militares foram censurados, outros exibidos apenas para militares, outros, ainda, mal chegaram a ser vistos. The Battle of San Pietro, por exemplo, considerado por alguns o melhor documentário de guerra desta época, foi amputado de uma das suas sequências mais interessantes, na qual Huston utilizava gravações de vozes de soldados mortos, efectuadas antes da partida para a frente de combate, justapostas a fotografias dos seus corpos, com o intuito de realçar o seu sacrifício na luta pela liberdade. December 7th, por razões políticas e diplomáticas, esteve banido durante 50 anos pelo governo dos Estados Unidos só tendo reaparecido na sua versão integral no fim do século passado.


Dos sete documentários de Why we Fight (1943-1944) o público americano só viu o primeiro, Prelude to the War, logo após a conclusão, depois de uma diligência pessoal do presidente Roosevelt nesse sentido. Todos os demais, ainda que distribuídos no estrangeiro quando possível – Churchill, por exemplo, fez questão de ser ele próprio, através de uma declaração filmada por Capra, a fazer a introdução das cópias exibidas no Reino Unido – destinaram-se essencialmente a militares ou públicos seleccionadas. Só The Battle of Russia, dada a curiosidade suscitada por se tratar da URSS, teve direito a mais ampla divulgação. Algo paradoxalmente, os exibidores americanos consideravam estes documentários demasiado agressivos para os hábitos dos consumidores de filmes de Hollywood.


Produzido pela US Navy e dirigido por John Ford e Gregg Toland, December 7 th (1941) foi um dos filmes mais controversos feitos pelas Forças Armadas americanas. O tema é, evidentemente, o ataque japonês a Pearl Harbor. Utilizando imagens de arquivo, usando e abusando de reconstruções, inclusivamente inventando situações, o filme, cujos méritos cinematográficos são notórios, acabaria por se tornar um dos mais polémicos da II Guerra Mundial. A versão inicial de 82 minutos foi imediatamente retida, por inconveniente, e guardada nos Arquivos Nacionais. A partir dela foi feita uma remontagem de 32 minutos, a qual, em 1944, viria a ganhar um Oscar da Academia. Quando, décadas mais tarde, a versão original veio a público, tornar-se-ia num filme de culto para os apreciadores do género. Fonte: Reel History

Se inicialmente se utilizou abundante material de newsreels, importa sublinhar uma alteração importante. A partir de 1943, depois do sucesso do documentário britânico Desert Victory (1943) de David MacDonald, sem descurar o arquivo, passou a optar-se com frequência por imagens frescas dos operadores de câmara enviados para zonas de acção. Os próprios realizadores não se inibiam de acompanhar missões de combate, como aconteceu com George Stevens e William Wyler, este último ferido com gravidade durante uma missão de bombardeamento do Memphis Belle sobre território alemão. As reconstruções, embora muito em uso noutro tipo de filmes feitos pelo exército com fins educativos ou de treino militar, eram menos frequentes nos filmes de guerra dos cineastas de Hollywood, os quais, no plano institucional, eram apresentados como documentários informativos. Apesar de o ponto de vista não deixar margem para dúvidas, o facto é que chegou a colocar-se a questão da objectividade, bem como de saber se respeitavam ou não a verdade dos factos. Não, não respeitavam. Em nenhuma guerra isso alguma vez aconteceu. Tão pouco prescindiam da diabolização do inimigo sem a qual à coesão da opinião pública certamente abriria brechas com efeitos indesejáveis.


S/L Fonte: Military History Now

O seriado documental de Frank Capra


Na sua estupenda autobiografia, à qual deu o título de O Nome Acima do Título, Capra diz ter rejeitado um contrato milionário oferecido por uma das majors para se alistar por imperativo de consciência. Outros realizadores, actores, argumentistas e técnicos fizeram a mesma opção. O recrutamento, porém, não foi fácil. Apesar de abalada após o ataque japonês a Pearl Harbour, a corrente isolacionista continuava a ser influente. O estado de espírito das Forças Armadas também não parecia ser o melhor. Capra conta que o general George C. Marshall, então Chefe de Estado Maior, o mandou chamar:


“Para vencermos esta guerra temos primeiro de vencer a batalha da mentalização dos nossos jovens. (...) o que eu quero combinar consigo é um projecto de realização de uma série de documentários informativos, serão os primeiros da nossa História, que consigam explicar aos nossos soldados a razão porque lutamos e os princípios pelos quais nos batemos ”.


Assim surgiu a ideia de Why We Fight, produzido durante a II Guerra Mundial pelo US Department of War, entre 1942 e 1945, vencedor de alguns Óscares da Academia. Capra nunca antes tinha realizado um documentário. Numa atitude típica de homem de Hollywood, afirmava mesmo não conhecer sequer alguém que os fizesse. Contudo, ao ver O Triunfo da Vontade de Leni Riefenstahl, comentou: “nem Satanás seria capaz de conceber um super-espectáculo mais arrepiante.” Noutra passagem da sua autobiografia escreveu: “Triumph of the Willens não disparava armas, nem lançava bombas. Mas, como arma psicológica, o seu alvo era destruir a vontade de resistir e, nesse sentido, era tão letal como qualquer outra arma. ”


Começou então a perceber o que viriam a ser os seus documentários informativos. Iria “utilizar os próprios filmes do inimigo para denunciar a escravatura da humanidade que esse inimigo se propunha atingir. Queria que os nossos soldados ouvissem os nazis e os japoneses gritar alto e bom som as suas pretensões a uma Raça de Senhores. Os nossos soldados perceberiam então a razão pela qual eram obrigados a vestir uma farda.”


Prelude to War, o primeiro episódio de Why we Fight de Frank Capra é um ensaio sobre o poder combinado da imagem e da palavra ao serviço da denúncia do sofrimento dos povos subjugados pela brutalidade das forças do Eixo. Extremamente violento contra o inimigo é também a demonstração da razão de ser da declaração de guerra de Roosevelt após o ataque japonês a Pearl Harbor. Fonte: CineMaterial

Reunindo à sua volta uma equipa que juntava, entre outros, Anatole Litvak, Eric Knight, Tony Veiller, Robert Heller e Leonard Spiegelglass, Capra principiou a trabalhar nos argumentos dos sete episódios que viriam a constituir Why we Fight - Prelude to War (1942), The Nazis Strike (1943), Divide and Conquer (1943), Battle of Britain (1943), Battle of Russia (1943), Battle of China (1944) e War comes to América (1945) –, ao mesmo tempo que procurava reunir o maior número possível de filmes e newsreels da Alemanha nazi, da Itália fascista e do Japão imperial. Na verdade, a sua equipa chegou a reunir praticamente tudo o que esses países tinham feito nos últimos vinte anos. À equipa inicial juntaram-se novos nomes de Hollywood onde, de resto, a maior parte do seriado acabaria por ser feito em instalações improvisadas num velho estúdio abandonado da Twentieth Century-Fox.


Para o episódio da Rússia, Capra fez diligências junto da embaixada da União Soviética em Washington no sentido de obter imagens dos clássicos de Eisenstein, Vertov, Pudovkin e de outros grandes cineastas, bem como de jornais cinematográficos desde os primeiros números do Kino-Pravda. Conseguiu reunir uma impressionante quantidade de material, o que certamente terá contribuído para The Battle of Russia ser habitualmente considerado o melhor de todos os episódios do seriado. A diligência, porém, teve consequências. Por indicação de J. Edgar Hoover, Capra, por sinal, um anti-comunista, passou a estar sob observação do FBI, situação tanto mais irónica quanto é certo que Roosevelt acabara de ver entusiasmado Prelude to War na Casa Branca. Reagindo de forma imediata, o presidente americano determinou que o filme fosse amplamente divulgado. No ano seguinte, no Kremlin, em Moscovo, Estaline assistiu igualmente entusiasmado à projecção das duas partes de The Battle of Russia. Ordenou de imediato que o filme fosse profusamente exibido em todo o território da União Soviética.


Frank Capra diz ter revolucionado a maneira de fazer filmes informativos para as Forças Armadas americanas. É verdade. Certamente, Why we Fight nada tem a ver com os chamados filmes educativos e de treino militar realizados até então. Sugere, igualmente, ter criado um novo tipo de documentário, fazendo a síntese, na linha de Paul Rotha, do cinema documental associado quer à tradição de newsreels quer à tradição da propaganda. Não será bem assim. A utilização de imagens de jornais cinematográficos vinha pelo menos desde A Queda da Dinastia Romanov (1927) de Esfir Schub e a inserção de excertos de filmes de ficção em documentários era já uma prática recorrente. A propaganda, por sua vez, era tão antiga quanto o próprio cinema. Animações e gráficos, que em Why we Fight são da equipa de Walt Disney, também não eram uma novidade. Tão pouco a música, tal como a concebeu Dimitri Tiomkin, por exemplo, em The Battle of Russia. E muito menos o texto off e a voice of God usados praticamente desde o advento do cinema sonoro. Contudo, Why we Fight foi uma novidade na medida em que nunca antes na América o documentário tinha sido tão argumentativo nas premissas e tão contundente nas conclusões.


O filme da maior sucesso do seriado Why we Fight é, na verdade, mais da autoria do cineasta natural da Ucrânia soviética Anatole Litvak do que que propriamente de Frank Capra. Premiado por diversas vezes, designadamente com o Oscar da Academia para Melhor Documentário, em 1944, The Battle of Russia (1943) é o filme mais longo do seriado e, entre outras curiosidades, apresenta Robert Flaherty como director de fotografia. Foi também o que maior curiosidade suscitou por parte do público. FONTE: THE PAST

Se os procedimentos formais e estilísticos do seriado procedem de normativas de propaganda no contexto da época, a verdade é que que também nesse campo se deu um passo em frente. Em primeiro lugar, a estrutura narrativa tem por base guiões imaginativos, encontra respaldo na qualidade dos textos e propõe uma polifonia na qual as vozes assumem uma função quase encantatória. Em segundo lugar, a montagem explora a polissemia das imagens, de arquivo ou não, revertendo muitas vezes o seu significado de modo a estabelecer um jogo no qual o público acaba por ficar enredado numa teia de evidências irrefutáveis, de forte pendor emocional. Não será um exclusivo de Capra, mas é certamente uma das características dos melhores documentários dos cineastas de Hollywood tornados oficiais das Forças Armadas.


Por exemplo, no extraordinário The Battle of San Pietro, que não integra o seriado, John Huston observa o morticínio causado pelos combates e mostra a seguir os esfarrapados camponeses italianos de regresso à sua aldeia destruída carregando o fardo de ter de a reconstruir. Quanto aos soldados americanos, vêmo-los partir para novas batalhas. Huston, autor do texto lido por ele próprio, diz pausada e introspectivamente: “more rivers, and more mountains, and more towns...more San Pietros’, greater or lesser – a thousand more”. Fica com uma poderosa imagem dos incontáveis sacrifícios a suportar até à vitória final. Talvez por isso o filme tenha sido amplamente cortado e muito raramente exibido. Transformara-se num libelo contra a guerra.


Caos, morte e desolação. The Battle of San Pietro (1945) - a 90 kms de Nápoles - é bem mais realista do que a maioria dos documentários até agora referidos, apesar de ser falsa a ideia veiculada pelo realizador de ter acompanhado os combates de perto. Da equipa de Huston, um cineasta tão genial quanto imprevisível, fazia parte o famoso romancista Eric Ambler. Houve uma tentativa de censura de imagens de soldados americanos mortos abortada pelo General George Marshall que saiu em defesa de Huston. Não impediu que a exibição fosse adiada. Fonte: Vive Culture

Dispositivos retóricos. Em Prelude to the War o texto, dito no estilo March of Time por Walter Huston, pai de John Huston, não deixa dúvidas. Capra apresenta o mundo a preto e branco. De um lado, o mal constituído pelo Eixo. Do outro, o bem identificado como o mundo livre. Expressões como “reparem bem” ou “olhem para estes homens” são recorrentemente utilizadas de modo a interpelar directamente o público. Por vezes, as frases estão ao serviço de silogismos simples e as conclusões reforçam mais e mais os antagonismos de modo a que no final a opção só possa ser uma: travar uma luta sem tréguas contra o mal para que a humanidade encontre a salvação.


A necessidade dessa luta deve, no entanto, ser interiorizada quer no plano racional, quer no plano emotivo. Por isso, The Nazis Strike acrescenta um outro artifício. Sabendo da importância da voz, Capra utiliza dois narradores. Anthony Veiller para os textos de carácter referencial, fazendo uma leitura que sugere a informação objectiva e Walter Huston para apelar à emoção em textos nos quais, na terminologia de Roman Jakobson, predominam as funções expressiva e fática.


A narrativa da maior parte dos episódios é construída em cinco actos à maneira da tragédia clássica, como acontece, por exemplo, em Divide and Conquer. Este episódio, a par de The Battle of Russia, é dos mais complexos. As imagens factuais de newsreels são montadas em sequências que obedecem a uma estratégia de conflito, mas, neste caso, o conflito existe com algumas subtilezas, explicando Capra, na sua autobiografia, que encontrou maneira de lidar com os países em guerra como se de personagens se tratassem:


“A este respeito (...) o filme tem uma curiosa semelhança com Hamlet, sendo que a Alemanha é Cláudio, o vilão assassino, a França é vista como Hamlet, o General De Gaulle e o Norte de África francês são Horácio, a Inglaterra é Fortimbras. Aqui, tal como em Hamlet, as coisas não são exactamente o que parecem, com o vilão a protestar amizade e o herói trágico constrangido pela sua incapacidade de agir.”


Talvez seja essa sofisticação a razão pela qual os filmes de Why we Fight, bem como os documentários dos cineastas alistados de Hollywood, tiveram melhor acolhimento junto das camadas mais cultas das Forças Armadas, tendo sido, em simultâneo, considerados demasiado intelectuais pela maioria dos soldados submetidos a testes cognitivos por parte de cientistas sociais como Hovland, Lumsdaine e Sheffield. Não que o inimigo não estivesse perfeitamente identificado, caracterizado e diabolizado. Mas, tratando-se de persuasão, porquê confundir, mesmo se inadvertidamente, quem já está convencido e com opinião formada?


Divide and Conquer (1943), o terceiro documentário da série, trata da ocupação da Europa em 1940 pelo exército nazi. Os horrores da guerra contemplam situações limite como o são as imagens de milhares de crianças mortas ou feridas durante os bombardeamentos pela Luftwaffe em Roterdão. O narrador comenta: "thirty thousand men, women and children killed in ninety minutes." Fonte: Kanopy

Fazer cinema de propaganda era qualquer coisa que não se enquadrava com os hábitos americanos. Basta lembrar Pare Lorentz durante o New Deal e as reacções suscitadas pelos sectores mais conservadores a propósito da sua tentativa de criar um movimento na linha do movimento documentarista britânico (Ver neste blogue Pare Lorentz, o cineasta de Roosevelt). Por maioria de razão, fazer cinema de propaganda para as Forças Armadas em tempo de guerra era ainda mais complicado. Daí as numerosas resistências que Why we Fight encontrou, sobretudo no início, mas não só. Fosse por motivos administrativos, fosse por razões de ordem política, os entraves multiplicaram-se e, muitas vezes, a discussão centrou-se em torno de questões aparentemente tão improváveis, atendendo às circunstâncias, quanto o eram a verdade e a objectividade. Na sua autobiografia Frank Capra ilustra a situação com recurso a diversas citações. Vejamos o Hollywood Reporter de 11 de Fevereiro de 1943 a pretexto de Prelude to War:


“(...) O senador Holman acha que é um filme de propaganda, uma maneira de dar a Roosevelt um novo mandato e exige um inquérito a este e a todos os outros filmes encomendados pelo governo. Mas diz-se que Prelude to War provocou também uma outra controvérsia, envolvendo Lowell Mellett e o Departamento de Guerra, quanto à questão do filme ser ou não exibido nas salas de cinemas para a generalidade do público. (...) Mellett acha que Capra se excedeu e que o seu filme tem ódio a mais para ser exibido nos cinemas perante um público mais vasto (…).”


Pouco tempo depois, o filme passou no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque. Eis duas reacções. H. V. Kaltenborn: “Tanto quanto sei é a primeira vez que se apresenta um documento histórico verdadeiro sobre esta década de agressão.” Harold Ross, chefe de redacção do New Yorker: “É ESTE o filme que o senador Holman atacou um dia destes? Nele não há qualquer propaganda! Apenas a VERDADE!.”


Linguagem cinematográfica; controvérsia. Os filmes de Why we Fight, hoje considerados um momento chave no percurso do documentário e do cinema de propaganda, suscitaram outro tipo de controvérsia, desta vez tendo como pano de fundo a linguagem e os mecanismos da significação. Essa controvérsia, por sinal com pontos de contacto com aquela outra aberta, mais tarde, em torno do filme documentário e da reportagem jornalística, teve em André Bazin, teórico do realismo e crítico da montagem, um dos principais protagonistas.


Why we Fight: The Battle of Britain (1943), um filme de 55 minutos com mil e duzentos planos. Fonte: The Movie Database

De entre os filmes do seriado há um com uma montagem particularmente impressiva. Trata-se de The Battle of Britain. Tomando como ponto de partida A Grande Sintagmática de Christian Metz constata-se que a sua banda-imagem é feita a partir de mil e duzentos planos de material de arquivo, de origem diversa, estruturados em 195 segmentos autónomos. Com a duração de 55 minutos o filme, segundo o estudo de William Guynn, tem 26 inserts, 37 planos autónomos, nenhum sintagma paralelo, 36 sintagmas em chaveta, 24 sintagmas descritivos, nove sintagmas alternados, 9 cenas, nenhuma sequência por episódios e 53 sequências simples.


Sendo certo que a cadeia sintagmática permite identificar com relativa segurança o tipo de narrativa em qualquer tipo de documentário e sendo igualmento certo, de acordo com o estudo mencionado, que nos chamados documentários clássicos há uma grande variedade de combinações significantes, não deixa de ser surpreendente o grau de fragmentação discursiva de The Battle of Britain. O elevado número de sequências simples contrasta com a ausência de sequências por episódios. Ambas, a par do sintagma alternado e da cena são do âmbito dos chamados sintagmas narrativos. Por outro lado, o número de sintagmas em chaveta e de sintagmas descritivos, ambos não-narrativos, é igualmente muito elevado. Como resolver então o problema desta fragmentação discursiva e conferir unidade à narrativa? A resposta é simples. Obviamente, através do texto. É o texto que liga tudo o mais. Há portanto uma operação semântica que privilegia a gramática da língua em detrimento da lógica das imagens.


É contra este procedimento que Bazin se insurge. De facto, o comentário em The Battle of Britain, como the resto em todo o seriado de Frank Capra, é um elemento essencial da narrativa, como que suturando os hiatos da articulação sintáctica das imagens e criando, desse modo, a ilusão de continuidade espacio-temporal. Daí a ausência de sequências por episódios, habitualmente associadas na narrativa clássica às sequências simples como patamar de acesso a acções mais distendidas. O texto cumpre essa função. Teríamos assim uma voz de autoridade, exterior às imagens e, portanto, condicionando o seu significado num processo que Bazin compara ao ventriloquismo: sendo dissimulada, a voz desloca-se subrepticiamente para junto do espectador e impõe um sentido ao que está a acontecer, levando-o a encarar as imagens como meras ilustrações ou prova do que é afirmado. Para um realista como Bazin estes procedimentos não só manipulam, mas também subvertem toda a ordem de significação do cinema. É como se a dimensão ontológica da imagem se deslocasse para o texto.


Aqui, entraríamos no campo da semiótica e das Teorias do Cinema. Não é esse o foco do artigo. As observações, quer de Guynn quer de Bazin, sendo também relevantes para a História e Teoria do Documentário, ficam como registo.


Why we Fight (2005) de Eugene Jarecki é um documentário sobre o complexo militar-industrial dos Estados Unidos. É nele que o cineasta retoma a advertência do ex-presidente Eisenhower quando, no final do seu mandato, advertiu que a Nação estaria perdida caso militares e a indústria do armamento assumissem o controle da política. Intencionalmente, o filme toma de empréstimo o título do seriado de Capra. Disse Jarecki: ‘’Frank Capra made a series of films during World War II called 'Why We Fight' that explored America's reasons for entering the war. Today, with our troops engaged in Iraq and elsewhere for reasons far less clear, I think it's crucial to ask the questions: 'Why are we doing what we are doing? What is it doing to others? And what is it doing to us?’’ Fonte: IMDb

Considerações pessoais


Os Estados Unidos nunca recuperaram totalmente de Pearl Harbor. Talvez por isso o tema seja recorrente no cinema americano, talvez por isso sejam os japoneses o inimigo mais odiado na produção de filmes levada a cabo pelos militares, talvez por isso a guerra no Pacífico tenha sido de uma brutalidade sem paralelo. Em Know Your Enemy, um conjunto de documentários sobre os países do Eixo, o mais violento é sobre o Japão. Logo no início, diz o narrador: “We shall never completely understand the Japanese mind. But then, they don’t understand ours either. Otherwise, there would never have been a Pearl Harbor.” Aos 4’00” do filme faz-se a caracterização do “typical Japanese soldier.” Ele é cem por cento militarista, conformista, fanático, age com a determinação de uma máquina e não tem qualquer respeito por nenhum outro modo de vida que não seja o seu. É de baixa estatura, padronizada, de tal forma que: “He and his brother soldiers are as much alike as photographic prints off the same negative… His uniform is ill-fitted, his appearance un-soldierly.”


Os Aliados fizeram centenas de filmes de guerra, tanto no sistema de estúdio quanto fora dele, criaram milhares de jornais cinematográficos onde a primeira vítima foi a verdade, puseram no ar milhões de emissões de rádio em onda curta com emissões em várias línguas para todos os países do mundo nos quais se procurava diminuir e desmoralizar o inimigo. Do outro lado, também. Joseph Goebbels era um génio da propaganda. Percebeu muito bem como utilizar a comunicação de massas, Imprensa, Rádio e Cinema, criando uma agenda da guerra baseada na articulação e complementaridade dos meios ao seu dispor. Também foi pioneiro das realidades alternativas, bem como da propaganda que não devia parecer propaganda. Tal qual hoje observamos.


Espantoso é encontrar neste quadro de pesadelo objectos fascinantes, como os filmes que aqui citei, e homens extraordinários, com as suas grandezas e misérias, como o foram aqueles cineastas de Hollywood que, movidos por convicções, deram um passo em frente. Há um livro magnífico de Mark Harris, traduzido em português com o título Os Cinco Que Voltaram, cuja leitura nos dá a conhecer tanto o lado mais luminoso quanto o mais sombrio de cinco grandes mestres - os da última foto deste texto - envolvidos com os documentários da II Guerra Mundial: Frank Capra, William Wyler, George Stevens, John Huston e John Ford. Houve outros. Mas estes, todos eles muito diferentes, movidos pela audácia do seu conservadorismo ou pela fidelidade às suas ideias avançadas, constituem uma galeria de personagens cujo denominador comum, a devoção sem limites ao cinema, permite todas as derivas - copos, mulheres, charutos, acção - salvo o dever de missão mesmo se, volta e meia, embotado pelos vapores do álcool que, se o combate é duro, a guerra é ainda mais e o sofrimento das pessoas é simplesmente intolerável.


Da esquerda para a direita: Frank Capra, John Huston, William Wyler; George Stevens e John Ford Fonte: Netflix

Em todas as guerras haverá sempre uniformes militares desenhados por estilistas da moda, sessões encenadas por fotógrafos de celebridades, centauros de tronco nu exibindo virilidade. É preciso que a guerra tenha glamour. Também são necessários crimes contra a humanidade. Valas comuns. Um cortejo de atrocidades praticados pelos maus. Um desfile de actos edificantes praticados pelos bons. Tudo isto está nos filmes de que vos falei. Hoje, regra geral, a propaganda chama-se jornalismo. É storytelling. Com grande perda de qualidade, digo-vos eu. E, já agora, não esqueçam: primeiro, o pior de tudo é o que se faz às pessoas; segundo, quando a política falha a guerra pode ser inevitável e até necessária; terceiro, afinal, o acerto de contas de Pearl Harbor fez-se em Hiroshima e Nagasaqui.


  • Foto do escritor: Jorge Campos
    Jorge Campos
  • 12 de nov. de 2022
  • 10 min de leitura

Atualizado: 22 de out. de 2023


Momma don’t allow (1956) de Karel Reisz e Tony Richardson Fonte: IMDb

O Free Cinema britânico, apesar da existência efémera, deixou marcas profundas. Após a II Guerra Mundial, se o documentário apontava, por um lado, para o distanciamento em relação aos filmes de propaganda explorando novos caminhos de aprofundamento do vínculo com o real, era obrigado, por outro lado, a olhar para um novo e poderoso medium, a Televisão, cuja natureza se afigurava distinta do cinema, colocando, como tal, novas questões e novos problemas. Por sinal, os países onde a televisão se desenvolveu mais rapidamente, os Estados Unidos e o Reino Unido, foram precisamente aqueles nos quais o cinema documental mais se ressentiu no imediato. Em meados dos anos 50, no Reino Unido, a tentativa de inverter a situação veio de um grupo de jovens cinéfilos. Beneficiando de um conjunto de circunstâncias culturais favorável, designadamente o aparecimento de uma nova geração de escritores ferozmente crítica da ordem social vigente, os “angry young men”, esses jovens iriam romper com a tradição cinematográfica institucional e lançar as bases da futura New Wave britânica. A sua opção estética - a estética Free Cinema - assentava em três eixos: cortar com o cinema de estúdio e levar as câmaras para a rua, indo ao encontro do dia a dia das pessoas; tirar partido dos novos equipamentos, leves e de grande mobilidade; aceitar trabalhar com orçamentos irrisórios colmatando a falta de financiamento com a busca de soluções “pobres”, todavia, engenhosas e criativas.


Retrospectiva: pós-guerra; contexto


Em Inglaterra, o governo trabalhista do pós-guerra pôs em marcha reformas nas áreas do cinema e da televisão, cujas consequências levaram ao início do desmantelamento das unidades de produção de cinema documental, nomeadamente da Crown Film Unit (ver neste blogue artigos sobre o Movimento Documentarista Britânico). Com o regresso ao poder dos conservadores, uma vez mais liderados por Winston Churchill, essa política foi prosseguida e a tarefa concluída. Apesar de considerada uma das principais, senão a principal contribuição dos britânicos para o cinema, os filmes inspirados no movimento criado por John Grierson tinham deixado de fazer sentido. A televisão, porém, acolheu o documentário chamando a colaborar alguns dos seus intérpretes mais conhecidos, entre os quais, Paul Rotha. Atribuída a Gus MacDonald da Granada Television, em Manchester, impôs-se como evidência a frase: “documentary is alive and well and living on television.” Nem sempre, porém, a experiência foi bem sucedida. Formatos jornalísticos, descuidados e conformistas, tornar-se-iam dominantes.


Lindsay Anderson, um dos fundadores do Free Cinema: “Art is an experience, not the formulation of a problem.” Fonte: The Guardian

Na América, ao contrário do Reino Unido, a produção financiada pelo Estado foi sempre encarada com desconfiança e os estúdios nunca mostraram interesse pelo cinema documental. O clima da Guerra Fria, por outro lado, também desaconselhava filmes com preocupações sociais e políticas. E se o documentário de televisão foi ganhando o seu espaço pela mão de Edward R. Murrow e Fred Friendly, o filme documentário simplesmente desapareceu das salas (ver neste blogue os artigos sobre o célebre confronto mediático entre Edward R. Murrow e Joseph McCarthy no seio do qual se foi sedimentando a ideia de documentário jornalístico). Reportando a este período os historiadores têm dificuldade em citar mais do que dois ou três títulos relevantes. Normalmente a minúscula lista é encabeçada por Louisiana Story (1948) de Robert Flaherty, seguido de The Quite One (1949) de Sydney Meyers e de All My Babies (1952) de George Stoney. Seria necessário esperar pelos anos 60 e pelo direct cinema para se verificar um novo, pujante e contraditório, impulso, ao qual não foi estranho o cruzamento com a televisão e para o qual contribuiu de forma pioneira Robert Drew e o seu screen journalism.


Em contrapartida, na Europa continental, ainda que de forma assimétrica, o pós-guerra trouxe um interesse renovado. Alguns autores aludem mesmo a uma idade de ouro do filme documentário europeu resultante da convergência de elementos de natureza política, económica, cultural e financeira. A indústria cinematográfica, profundamente atingida pela guerra, estava ou com os estúdios destruídos ou em péssimas condições. Muitos técnicos e artistas emigraram para os Estados Unidos. Nestas condições, diferentes países optaram por elaborar políticas públicas de apoio às respectivas cinematografias. Uma nova geração de cineastas dedicou-se a fazer produções de baixo orçamento, sobretudo curtas-metragens e documentários.


Em 1958, num dos programas do Free Cinema, o público britânico pôde ver pela primeira vez filmes de François Truffaut, Les Mistons (Brats, 1957) e de Claude Chabrol, Le Beau Serge (1958). Na foto está também Jean Cocteau. Fonte: MUBI

A iniciativa privada também não ficou indiferente a este movimento vendo nele a possibilidade de encontrar um novo veículo de promoção das suas empresas e dos seus produtos. Assim, boa parte dos documentários europeus dos anos 50 teve origem em encomendas públicas ou privadas, muitas das quais inseridas em projectos associados a tarefas da reconstrução, mormente com fundos do Plano Marshall. Se nalguns países surgiram obras excepcionais - a título de exemplo poder-se-ia falar de Alain Resnais -, noutros, que beneficiaram do Plano Marshall, a produção foi mais obediente ao pragmatismo político, não revelando grandes preocupações de ordem estética, salvo raras excepções, caso dos filmes do holandês Herman van der Horst.


A televisão, entretanto, viera para ficar. Nenhum país europeu deixou de conviver com essa nova realidade sendo observável, no tocante ao documentário, um desenvolvimento gradual e contraditório em função de dois eixos: um demarcando-se do campo televisivo e preparando o terreno para a política dos autores; outro investindo essencialmente no documentário de televisão. O Reino Unido, por sinal, teria excelentes praticantes em qualquer dos cenários.


Free Cinema: “Um estilo significa uma atitude”


Em meados dos anos 50 o cinema documental britânico conheceu um novo impulso. Sob a liderança de Lindasy Anderson, insurgindo-se contra os pressupostos do documentário inspirado por John Grierson, o Free Cinema teve origem nos esforços de um grupo de jovens cineastas britânicos para mostrarem os seus filmes, experimentais e inovadores, os quais, de outro modo, estariam fatalmente condenados ao anonimato. Inicialmente, Free Cinema designava apenas a primeira sessão de uma série de seis programas, na sua maioria constituída por curtas-metragens documentais, exibida no National Film Theatre de Londres entre Fevereiro de 1956 e Março de 1959. Contudo, dado o sucesso, com todas as sessões esgotadas e uma entusiástica cobertura mediática, Free Cinema, a designação cunhada por Lindsay Anderson, passou a identificar os filmes e, sobretudo, o movimento que lhes dera origem. Para além dos trabalhos dos cineastas britânicos, essas sessões, consideradas memoráveis, permitiram também revelar cineastas estrangeiros como Lionel Rogosin, George Franju, Norman McLaren, Roman Polanski, Walerian Borowcyzk, Claude Chabrol e François Truffaut.


Em Momma Don’t Allow (1956) de Karel Reisz e Tony Richardson faz-se uma incursão na luta de classes a partir da observação de uma noite de sábado num bar londrino frequentado por teddy boys, a juventude oriunda da classe operária. Uma banda de jazz toca rock’n roll. Um grupo de jovens da upper class, fazendo-se transportar num automóvel de luxo, aparece no local. A sua afectação, apesar das tentativas de aparentar à vontade, contrasta com a atitude dos que rodopiam ao som da música com perícia e espontaneidade. A câmara, implacável a destacar os tiques dos herdeiros dos ricos, move-se com incrível agilidade parecendo, ela própria, dançar. Em Momma Don’t Allow os autores não hesitaram em levar a cabo reconstruções de modo a reforçar o ponto de vista do filme. Fonte: Roku

Dos documentaristas britânicos das gerações anteriores apenas Humphrey Jennings mereceu a aprovação unânime dos jovens turcos de Anderson (ver neste blogue o artigo sobre o Movimento Documentarista Britânico consagrado a Jennings). Todos os demais passaram a ocupar, na melhor das hipóteses, um lugar secundário o que, na altura, levou John Grierson a comentar depreciativamente os filmes do Free Cinema, aos quais chamou “Baby stuff”. Próximos da crítica social levada a cabo na literatura pelos “angry young man”, entre os quais se destacava John Osborne, autor do célebre Look Back in Anger (1956), os cultores do novo movimento criticavam igualmente a produção cinematográfica mainstream, incapaz de reflectir os sinais do tempo. Muito focado na classe operária e virulentamente antagónico dos valores das classes médias o Free Cinema fez prova disso mesmo logo no seu primeiro programa, o qual incluiu O Dreamland (1953) do próprio Anderson, Momma Don’t Allow (1956) de Karel Reisz e Tony Richardson, e Together (1956) de Lorenza Mazzeti. Os seus objetivos foram nessa altura, em Fevereiro de 1956, assim resumidos num curto manifesto:


“Estes filmes não foram feitos com um propósito comum; nem com a ideia de os mostrar em conjunto. Mas quando se juntaram, sentimos haver neles uma atitude comum. Implícita nessa atitude está o acreditar na liberdade, na importância das pessoas e na relevância do quotidiano.


Enquanto cineastas acreditamos

Que nenhum filme pode ser demasiado pessoal.

A imagem fala por si mesma. O som amplifica e comenta.

A duração é irrelevante. A perfeição não é um fim.

Uma atitude significa um estilo. Um estilo significa uma atitude."


Assinado por Lorenza Mazzetti, Lindsay Anderson, Karel Reisz e Tony Richardson, o manifesto viria a constituir um ponto de viragem no cinema britânico abrindo espaço a uma atenção renovada ao real, mesmo em filmes de registo mais poético, como é caso de Together, uma história sobre dois trabalhadores surdos-mudos das docas de East End, área urbana marginalizada até então praticamente invisível no ecrã. Poderosa alegoria a propósito das franjas privadas de voz, Together encara a deficiência dos dois trabalhadores condenados ao isolamento como a outra face de uma sociedade, afinal, também ela deficiente, posto que maltrata e ignora quem mais precisa. O filme termina com a morte de um dos trabalhadores afogado no Tamisa depois de tentativas desesperadas para chamar a atenção.


John Fletcher e Lorenza Mazzetti Fonte: cronache letterarie

O Dreamland de Lindsay Anderson é um filme feito praticamente sem orçamento. Utilizando uma câmara Bolex de 16mm sem som síncrono, com uma autonomia de apenas 40’’, Anderson, tomando como ponto de partida o parque de diversões de Margate, faz em 12’00’’ uma extraordinária parábola da sociedade capitalista britânica do pós-guerra. O filme principia com uma cena de quatro planos onde se pode ver um homem a puxar o lustro dos cromados de um Rolls Royce, seguindo-se uma panorâmica descritiva da via que conduz à entrada do parque frequentado pelas famílias operárias durante o fim-de-semana. Sucedem-se imagens da chegada de sucessivos autocarros de aluguer sobrelotados.


As diversões são grotescas. Manequins em tamanho natural servem para explicar às crianças as execuções dos “espiões Rosenberg” na cadeira eléctrica e de Joana d’Arc na fogueira da Inquisição. A gargalhada de um boneco de feira é utilizada recorrentemente como contraponto de rostos em grande plano exprimindo uma variedade de emoções - incómodo, perplexidade, desconforto -, mas nenhuma de júbilo, relaxamento ou alegria. A utilização diegética do som, como sucede com o recurso a I Believe, uma canção gospel interpretada por Frankie Laine, funciona como um ponto de interrogação sobre as razões porque se deve acreditar naquilo que, afinal, o parque de Margate propõe como modelo de vida. O mesmo sucede com a música de Juke Box debitando temas soporíferos trauteados por adolescentes sem convicção ou acompanhando os passos perdidos de quantos deambulam sem rumo à procura de uma quimera. O filme termina à noite com a imagem à distância do parque iluminado, na verdade, uma miragem, a terra da ilusão e vacuidade. Realizado em 1953, O Dreamland viria a revelar-se um filme precursor, entre outras razões, porque, apesar da curtíssima duração dos planos, assenta numa perspectiva de observação cujas consequências só teriam expressão cabal a partir da disponibilização de equipamentos posteriormente desenvolvidos.


O Dreamland de Lindsay Anderson que antecipava já o que viria a seguir. No programa de Free Cinema 3, dizia-se: “… with a 16mm camera, and minimal resources, and no payment for your technicians, you cannot achieve very much - in commercial terms.... But you can use your eyes and your ears. You can give indications. You can make poetry." Fonte: Notes on short film

Em Nice Time (1957) de Claude Goretta e Alain Tanner, a atenção ao quotidiano revelada no filme de Anderson ganha outra expressão. Os dois suíços, atraídos pelo sucesso dos programas anteriores, bem como pelo destaque dado pela imprensa especializada, tinham-se instalado em Londres. Com fundos do British Film Institute - de facto, o financiamento era irrisório, umas meras 240 libras - e o apoio do polivalente John Flectcher filmaram 25 noites de sábado em Picadilly Circus. Utilizando uma Bolex de 16 mm, funcionando muitas vezes como câmara oculta, mostraram num filme de 17’00’’, composto por 190 planos, as emoções e desilusões, encontros e desencontros dos frequentadores de Picadilly na sua busca semanal de divertimento e aventura. O tratamento do som adopta os procedimentos semelhantes aos do filme de Anderson. Combina a mistura em estúdio de música, silêncio e som ambiente.


Tal como O Dreamland também Nice Time sugere aquilo a que Jean Vigo chamou o “point de vu documentaire”, em 14 de Junho de 1931, no Vieux Colombier, na apresentação do seu A Propos de Nice: “Ce documentaire social se distingue du documentaire tout court et des actualités de la semaine par le point de vue qu’y défend nettement son auteur. Ce documentaire exige que l’on prenne position, car il met les points sur les i. S’il n’engage pas un artiste, il engage du moins un homme.” Em rigor, essa era também a filosofia dos praticantes do Free Cinema, aliás, admiradores incondicionais do cineasta francês.


Free Cinema: “A perfeição não é um fim”


Em síntese, estes filmes representaram um “desafio à ortodoxia”, para utilizar a expressão contida no manifesto de 1959 assinado por Lindsay Anderson, John Fletcher, Walter Lassally e Karel Reisz que pôs fim ao movimento alegando dificuldades financeiras, mas deixando nas entrelinhas a ideia de missão cumprida. Produzidos à margem do sistema, procurando reflectir sobre o quotidiano da classe trabalhadora, recusando a retórica da propaganda e reivindicando total liberdade de expressão artística, os filmes do Free Cinema afastaram-se de qualquer perspectiva educativa ou jornalística. Prescindindo, na maioria dos casos, da voz off – Everyday Except Christmas (1957) de Lindsay Anderson é a principal excepção – são sempre a preto e branco, utilizam a montagem de imagem e som de forma inovadora e, apesar das limitações dos equipamentos, colocam a ênfase na observação, embora sem prescindir das reconstruções quando a situação o aconselhasse.


Nice Time (1957) de Claude Goretta e Alain Tanner. Do programa de Free Cinema 3: "British cinema [is] still obstinately class-bound; still rejecting the stimulus of contemporary life, as well as the responsibility to criticise; still reflecting a metropolitan, Southern English culture which excludes the rich diversity of tradition and personality which is the whole of Britain." Fonte: CINEMATRICES

Finalmente, Everyday Except Christmas, a par de We are the Lambeth Boys (1959) de Karel Reisz, sendo dos filmes mais ambiciosos em termos de orçamento, merece atenção por outros motivos. Karel Reisz acabara de ser contratado para o departamento de promoção da Ford, mas impusera como condição poder produzir uma série de documentários sem intuitos publicitários que deveriam dar continuidade ao Free Cinema. O de Anderson foi o primeiro. Filme de encomenda, presta homenagem aos trabalhadores do mercado de Covent Garden e nele, pela primeira vez, alguns diálogos são síncronos. Por outro lado, o director de fotografia Walter Lassaly, utilizando uma nova película de alta sensiblidade, conjugou imagens de intenso recorte poético com planos de observação extremamente reveladores do dia a dia do mercado. Inicialmente, pensado sem voz off, o filme acabou por incluí-la por pressão do patrocinador. Se Lindsay Anderson fez uma pequena concessão, a verdade é que mesmo assim conseguiu reforçar o ponto de vista artístico através do uso que fez da palavra. Everyday Except Christmas foi premiado em Veneza com o Grande Prémio para o documentário.


De todos os movimentos contemporâneos associados a formas de cinema de observação na fase de consolidação da televisão, o Free Cinema terá sido aquele que dela mais se distanciou. Na maioria dos seus documentários predomina o modo reflexivo, na terminologia de Nichols, associado a práticas observacionais e a cambiantes poéticas inspiradas muitas vezes nos filmes de Humphrey Jennings. Para tanto terão contribuído quer razões de natureza cultural, artística e ideológica, quer de ordem tecnológica, pesando, neste caso, as limitações dos equipamentos, designadamente a inexistência de som síncrono. Na fase final, contudo, surgiram filmes nos quais são reconhecíveis procedimentos televisivos. É o caso, por exemplo, de March to Aldermaston (1959) com realização colectiva de um comité de voluntários composto por realizadores e técnicos de cinema e da televisão.


March to Aldermaston documenta a marcha de protesto de quatro dias, durante a Páscoa de 1958, entre Londres e a fábrica de armas nucleares do mesmo nome. Organizada pela Campanha Pelo Desarmamento Nuclear e contando, entre outros, como o apoio da New Left Review, a marcha foi coberta por uma grande variedade de operadores de cinema e de televisão utilizando câmaras muito diferentes. O resultado é um misto da espontaneidade e capacidade de lidar com as pessoas de forma poética e humanista própria do Free Cinema com a visão proporcionada pela reportagem televisiva que recorre a entrevistas e procede fundamentalmente de modo expositivo. Nem sempre a combinação funciona. O texto simplista e retórico dito por Richard Burton também não ajuda.


We are the Lambeth Boys (1959) de Karel Reisz, uma das melhores obras do Free Cinema. Rodado durante seis semanas no verão de 1958 segue um grupo de adolescentes de South London, uma área periférica da cidade, no trabalho e no lazer, desmistificando a ideia estereotipada do Teddy Boy violento e marginal. Neste caso, o filme usa abundantemente o som síncrono o que confere maior realismo às cenas. Fonte: IMDb

Após o sexto programa do Free Cinema em março de 1959, Anderson, Reisz e Richardson deram a tarefa por terminada. Em breve, todos eles iram dirigir longas metragens que se tornariam marcos do cinema britânico. Lindsay Anderson fez This Sporting Life (1963), Karel Reisz aventurou-se com Saturday Night and Sunday Morning (1960) e Tony Richardson com A Taste of Honey (1961) reincidindo pouco depois com The Loneliness of the Long Distance Runner (1962). Estava aberta a porta à 'British new wave’, um cinema social de cariz realista cujos filmes ainda hoje não deixam de espantar.









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Jorge Campos

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        "O mundo, mais do que a coisa em si, é a imagem que fazemos dele. A imagem é uma máscara. A máscara, construção. Nessa medida, ensinar é também desconstruir. E aprender."  

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Textos avulsos de teor literário nunca publicados. Recuperados de arquivos há muito esquecidos. Nunca houve intenção de os dar à estampa e, o mais das vezes, são o reflexo de estados de espírito, cumplicidades ou desafios que por diversas vias me foram feitos.

Imagens do Real Imaginado (IRI) do Instituto Politécnico do Porto foi o ponto de partida para o primeiro Mestrado em Fotografia e Cinema Documental criado em Portugal. Teve início em 2006. A temática foi O Mundo. Inspirado no exemplo da Odisseia nas Imagens do Porto 2001-Capital Europeia da Cultura estabeleceu numerosas parcerias, designadamente com os departamentos culturais das embaixadas francesa e alemã, festivais e diversas universidades estrangeiras. Fiz o IRI durante 10 anos contando sempre com a colaboração de excelentes colegas. Neste segmento da Programação cabe outro tipo de iniciativas, referências aos meus filmes, conferências e outras participações. Sem preocupações cronológicas. A Odisseia na Imagens, pela sua dimensão, tem uma caixa autónoma.

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