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   viagem pelas imagens e palavras do      quotidiano

NDR

Atualizado: 22 de out. de 2023





Ben Webster, saxofonista tenor, era já uma lenda viva do Jazz quando, em 1964, farto do racismo nos Estados Unidos, bem como das zangas com os pares, decidiu viver na Europa. Primeiro, na Escandinávia, depois, em Amesterdão, onde conheceu o cineasta holandês Johan van der Keuken. Do encontro resultou uma pequena obra-prima documental de 30 minutos.


O músico, um grandalhão de modos suaves, falar pausado, dando tempo ao tempo, é alguém atento a coisas que não passariam pela cabeça de mais ninguém como a perícia de um amigo capaz de comer uma galinha, deixando apenas o osso ou tirar as espinhas de um peixe fazendo uso meticuloso de um garfo e de uma faca. São feitos que ele explica com a mesma minúcia, seriedade e leveza com que pega no seu tenor, o acaricia com os olhos e o leva aos lábios para emitir aquele extraordinário som aveludado capaz de nos reconciliar com o mundo. Fala do mesmo modo da senhora Hartlooper, em cuja modesta casa alugou um quarto em Amesterdão e que, segundo ele, é uma segunda mãe.


A senhora Hartlooper acompanha-o a um talk show televisivo, lugar de simulacros onde a celebração ritual da espuma dos dias esconde as feridas, bem como a uma visita ao jardim zoológico, onde, não por acaso, há animais em cativeiro cujas imagens hão-de alternar na montagem com close-ups dele próprio. Apesar da liberdade formal, no filme de Johan van der Keuken também nada está por acaso. Não há nele lugar para informação ao estilo da monografia, na órbita do previsível. Não há nem uma palavra sobre a aprendizagem dos blues com o pianista Pete Johnson ou sobre as lições de saxofone tenor com Budd Johnson. Tão pouco se fala das discussões homéricas com DuKe Ellington quando foi solista da sua orquestra, embora haja reconhecimento da excelência do seu trabalho, ou das memoráveis e, por vezes, tensas, sessões com Oscar Peterson. Há, sim, no início do filme, referência aos numerosos álbuns gravados, bem como à interminável lista de músicos geniais com quem partilhou palco e estúdios, de Lester Young a Billie Holliday, de Art Tatum a Red Callender, de Coleman Hawkins a Ray Brown e Gerry Mullingan. Tudo sem uma palavra, apenas imagem e som, num registo experimental.


Expressão de Ben Webster na sequência de montagem paralela com animais cativos no zoo.

Sobre os Estados Unidos, de onde veio “Big Bem” ou “The Frog” ou “The Brute”, as alcunhas de Ben Webster, há uma única palavra, na qual, pessoas como eu, familiarizadas com a geração beat, poderão entender como declinação de um verso de Howl de Allen Gingsberg, publicado em 1956. A palavra é “America”, repetida duas vezes, “America, America”. O poema começa com este verso, ausente do filme: “I saw the best minds of my generation destroyed by madness”. Mas aquele “America, America”, para iniciados, convoca logo, subliminarmente, o “go fuck yourself” recorrente ao longo de Howl. Não, Ben Webster não estava orgulhoso do seu país.


Tinha 58 anos quando filmou com Johan van der Keuken. Por hábito, andava por todo o lado com uma pequena câmara de 8 mm. Tal como Joris Ivens em Chuva (1929), gostava de filmar a partir da janela do seu quarto. Foi daí que surpreendeu o cineasta holandês e a mulher a entrarem no seu automóvel. Essas imagens, bem com outras de Amesterdão, foram incluídas no documentário. A colaboração, porém, não ficou por aí. Partiu dele a ideia de filmar a oficina dos saxofones da sequência inicial. A paixão pelo instrumento era de tal ordem - na verdade, uma extensão do seu corpo - que continuava a tocar um tenor adquirido em 1938.


Vemo-lo a ensaiar e percebemos o domínio da música, a precisão, o fraseado perfeito, o controle rigoroso, mas bem humorado, sobre os demais elementos do grupo. Num dos ensaios aparece outro grande instrumentista, Don Byas, mestre do swing e do be bop. Mas o que sobressai, sempre, é o sopro do gigante a dar corpo a uma arte inigualável, ainda há pouco compenetrado à volta de uma jogada de bilhar às três tabelas num lugar esconso de Amesterdão, fazendo agora prova de quanta humanidade e transcendência podem existir noite dentro num solo de saxofone tenor.


Johan van der Keuken e Ben Webster

Johan van der Keuken era um mestre da câmara de filmar e um exímio montador de filmes. Como todo o grande documentarista, era, também, um cineasta experimental. Certamente, por isso, encontrou soluções que refletem a improvisação jazzística através de jump cuts, da transgressão das regras do som, de planos improváveis, da criação de metáforas visuais, em suma, fez da narrativa algo de imprevisível, aparentemente em roda livre como se de um elo de surpresas se tratasse, mas, e este mas é mesmo para valer, com tudo muito, muito controlado.


Belo filme este Big Ben: Ben Webster in Europe.


Bem Webster nas ruas de Amesterdão

P.S. Há uma cópia com razoável qualidade no YouTube. Também disponível na plataforma Mubi.


JC


  • Foto do escritor: Jorge Campos
    Jorge Campos
  • 17 de fev. de 2023
  • 13 min de leitura

Atualizado: 22 de out. de 2023


Fonte: Outras Palavras

Caminante, son tus huellas

el camino y nada más;

caminante, no hay camino,

se hace camino al andar.


António Machado



Eduardo Coutinho começou a rodar Cabra marcado para Morrer em 1964. Atraído pela história de João Pedro Teixeira, dirigente da Liga Camponesa da Paraíba assassinado a mando de latifundiários em 1962, Coutinho e a sua equipa cedo viram o trabalho interrompido. Tinham filmado apenas parte do previsto. O golpe de estado militar que depôs o presidente João Goulart, pondo fim à Quarta República (1946-1964), obrigou-os a fugir, literalmente, sendo o equipamento, roteiro, fita magnética e negativos apreendidos. Salvaram-se, no entanto, algumas bobines já enviadas para revelação no Rio de Janeiros. Dezasseis anos depois, com a abertura política do governo chefiado pelo general João Baptista de Figueiredo, o cineasta retomou o projecto e partiu em busca de Elisabeth Teixeira, viúva do líder camponês.


O novo rumo subverteu a ideia original. Por um lado, o filme deixou de ser apenas a luta pela emancipação dos trabalhadores agrícolas num tempo em que a miséria contrastava com a opulência das multinacionais, para, sendo ainda isso, se transformar num exercício sobre a História e a Memória elaborado a partir do percurso existencial dos protagonistas, da ditadura ao presente. Por outro, o método desenvolvido por Coutinho levou-o, em função da dialéctica do processo criativo - tentativa, erro, superação - a reflectir sobre os mecanismos do Cinema, e do Documentário em particular, com as consequências daí decorrentes de ordem ética, estética e até metalinguística. Hoje, Cabra marcado para Morrer é visto como um momento decisivo na obra do cineasta. E, quase quatro décadas após ter sido concluído, continua a alimentar o fogo de múltiplos debates.


Os primeiros 26’’00. Do negro sai uma minúscula luz no meio de uma serra ao cair da noite, a qual se percebe depois ser a janela iluminada de uma casa no negrume e, de seguida, vê-se, no pátio dessa casa perdida na imensidão da paisagem, uma equipa de cinema que monta um dispositivo de projecção. São pouco mais de vinte segundos de imagens encadeadas a partir do ecrã a negro. Passam do plano muito geral, ao plano geral e, finalmente, ao plano médio de conjunto. Nessa curtíssima sequência inicial reside a chave da narrativa. A janela é a tela onde tudo se revela, o Cinema, o lugar onde se constrói o olhar. Esse corpo a corpo com o real exige, porém, o sobressalto colaborativo, a participação do outro, de Elisabeth Teixeira, bem como das pessoas que com ela contracenam. São as engrenagens desse sobressalto que fazem avançar o texto fílmico.


Eduardo Coutinho: “Se eu mostro as circunstâncias de uma filmagem, estou mostrando que as “verdades” são contingentes. A interferência do acaso e da circunstância para mim é fundamental. Aquilo que não entra nos outros filmes, a sobra, é o que me interessa.” Fonte: Gazeta do Povo

Historicidade. A saga de Cabra marcado para Morrer teve início num contexto conturbado. Em 21 de Agosto de 1961, o presidente do Brasil, Jânio Quadros, condecorou Ernesto Che Guevara com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, a mais alta distinção atribuída a cidadãos estrangeiros. O acto suscitou a reacção dos sectores mais conservadores, bem como das Forças Armadas, espelhando a tensão entre os sectores progressistas e uma direita tradicionalmente alinhada com as políticas intervencionistas dos Estados Unidos. Foi um sinal dos tempos, tal como a intensa actividade sindical, o turbilhão do movimento estudantil e a ocupação de terras visando justiça para os trabalhadores organizados nas chamadas Ligas Camponesas. Destas, a primeira nasceu da Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco, em 1955, mais tarde chamada Liga Camponesa de Galiléia. João Pedro Teixeira fundou a Liga Camponesa de Sapé, na Paraíba, a maior do nordeste brasileiro com mais de 7.000 associados.


Ao tempo, Coutinho integrava o colectivo de cinema do Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional de Estudantes (UNE). O CPC procurava organizar intelectuais e artistas para o apoio às causas sociais. Dado o interesse suscitado pela questão agrária, a 15 de abril de 1962, Coutinho foi a Sapé filmar o comício de protesto pelo assassinato de João Pedro Teixeira. Conheceu então a sua viúva, Elisabeth, bem como seis dos seus onze filhos. Do encontro resultou a ideia de fazer um filme. Os camponeses de Sapé representar-se-iam a si próprios, cabendo a um outro, vindo de fora, de nome João Mariano, interpretar o papel do líder assassinado.


O líder camponês João Pedro Teixeira rodeado da família. Fonte: Brasil de Fato

Em Cabra, logo após os planos introdutórios, o cineasta explica a razão pela qual o filme só teria início dois anos mais tarde e não em Sapé, mas no engenho de Galiléia. É uma sequência de contextualização de 7’ 30’’, que abre com a famosa Canção do Subdesenvolvimento, indispensável ao mapear da acção. Coutinho define os contornos da época, avança hipóteses narrativas, evoca a intervenção militar que obrigou à suspensão da rodagem e elucida o propósito de retomar o filme duas décadas mais tarde. A significação, aqui, resulta essencialmente de um texto em voz off complementado com imagens a preto e branco das bobines recuperadas. Trata-se de um procedimento habitual no jornalismo televisivo com o qual o cineasta estava familiarizado devido ao seu trabalho no Globo Repórter. Aliás, pode desde já adiantar-se, a estrutura do documentário resiste à análise sintagmática na medida em que não encaixa na organização convencional em cenas e sequências para efeito de construção dramática da narrativa. Cabra é um filme de vozes.


Ponto de viragem. Uma carrinha avança na noite em direcção a Galiléia. Transporta a equipa que vai mostrar quer as imagens do comício de protesto de 1962, quer as de 1964 da primeira versão de Cabra. São imagens em bruto, sem edição, vários takes da mesma cena, claquetes. Tudo somado, dali até poderia ter saído um filme, mas não saiu. Há-de sair, lá mais para diante, mas não mais o previsto. Do elenco inicial, sabemos agora, restam poucos. Os presentes não sabem do paradeiro da maioria dos outros. Nem sequer de Elisabeth Teixeira. Comentam o que vêem, reconhecem este e aquele, entusiasmam-se. O operador de câmera filma as reacções, faz grandes planos de rostos. O operador de som capta reacções, comentários, interjeições.


Com estes materiais Coutinho orquestra um diálogo entre passado e presente. É tanto um exercício de memória quanto os primeiros passos de um percurso. Aqueles homens já não são o que eram. Carregam o peso do tempo, durante o qual o sonho se foi diluindo na sombra dos anos de chumbo. As imagens de 16mm de 1962/64 a preto e branco contrastam com a policromia da actualidade de 1982. A preto e branco remetem para uma visão do mundo pré-estabelecida, delimitando as situações e condicionando os protagonistas. Recuperam um olhar de fora para dentro, intelectualizado. Em 1982, tendo mudado quer a tecnologia quer o modo de ler o mundo, a policromia como que anuncia um processo que sendo de renovação é, também, de revelação. Tal como no verso do castelhano António Machado quando diz: “se hace camino al andar”. O filme já não depende de um guião pré-estabelecido mas do desempenho dos protagonistas, livres de dizerem, de caminhar. Inverte-se, portanto, a ordem do olhar que é agora de dentro para fora. Rugoso e bruto.


Dezassete anos depois, camponeses de Galiléia juntam-se para assistir à projecção de imagens da primeira versão de Cabra Marcado para Morrer. Fonte: Festival de Cannes

Cabra não cai na tentação de estetizar a miséria, os protagonistas. É um filme feito de materiais pobres porque pobres são aqueles que o habitam. A logística é a de uma pequena equipa de reportagem. Equipamentos leves, grande mobilidade, som síncrono. Coutinho faz perguntas. Investiga. Viaja. Sobretudo, conversa. Descobre o filho mais velho de Elisabeth Teixeira, Abraão, no sertão da Paraíba e através dele fica a saber que ela vive, ainda na clandestinidade, num lugar remoto do Rio Grande do Norte onde nem sequer chegou a televisão. Por razões de segurança, Elisabeth mudou de nome. É agora Marta. Vive com o único filho que levou consigo na fuga, Carlos.


O primeiro encontro da equipa com a viúva do líder camponês assassinado é algo constrangedor. Presente, Abraão impõe regras. Segundo ele, todos os regimes políticos são maus, posto que nenhum cuida da imensa maioria, os mais frágeis. Quer a garantia dessas palavras ficarem registadas. A mãe corrobora. Coutinho dá então a ver a Elisabeth as imagens já mostradas em Galiléia, bem como as oito fotografias de cena que sobraram da primeira versão de Cabra. Deixando trair a curiosidade, Elisabeth comenta, agradada, Mas a sua fala é ainda condicionada por Abraão. Este, consciente da presença da câmara, actua em overacting.


Desenvolvimento. Vê-se a equipa de filmar a caminho da casa de Elisabeth para um segundo encontro. Sem o constrangimento da presença de Abrão, ela fala livremente. Recupera a história da sua relação com João Pedro, a memória das lutas camponesas, a morte do marido às mãos dos assassinos do latifúndio, a farsa do julgamento dos criminosos, a entrada na clandestinidade. A palavra solta-se. Espontânea, ganha uma força avassaladora. Coutinho explora contextos, cruza testemunhos. Aos 39’ 00’’ insere uma cena completa de 14 planos da primeira versão de Cabra.


Cena da primeira versão de Cabra marcado para morrer quando o líder camponês e seus companheiros confrontam o capataz da fazenda, Fonte: Estado de Minas

Os camponeses e o seu líder, interpretado por João Mariano, confrontam o feitor da propriedade. Não podem pagar as rendas. Reivindicam melhores condições. Em resposta, são ameaçados. A cena faz lembrar a estética neo-realista, com diálogos improvisados por actores não profissionais e ângulos de câmara que favorecem o ponto de vista ideológico. Há uma luta pela justiça, exploradores e explorados. Prevalece um esqueleto de retórica marxista. Contudo, estes 14 planos são indispensáveis. Por um lado, dão o contexto da época. Por outro, clarificam as diferenças entre as duas abordagens do filme.


Coutinho estabelece, portanto, um trânsito de ida e volta entre passado e presente. Recupera materiais de arquivo e recortes de jornais, nos quais fica patente a obtusa brutalidade da ditadura. Por exemplo, uma notícia a propósito da intervenção militar que levou à interrupção das filmagens, em 1964, tem o título “Material subversivo apreendido”. Reza assim: “Armas Privativas das Forças Armadas, filmes para a formação agitadora dos camponeses, holofotes para projeções noturnas (o treinamento era intensivo e diuturno) foram apreendidos no engenho Galiléia.” Noutro recorte, titulado Foco de Subversão, lê-se: “Foi talvez em Galiléia que o Exército apreendeu materiais mais valiosos do maior foco de subversão comunista no interior de Pernambuco, abandonado pelos líderes vermelhos ao lado de mulheres e de crianças”. De acordo com a mesma notícia, o material estava a ser utilizado por “esquerdistas internacionais para fazer um filme, Marcados para Morrer, que ensinava como os camponeses deviam agir de sangue frio, sem remorso ou sentimento de culpa, quando fosse preciso dizimar pelo fuzilamento, decapitação ou outras forma de eliminação, os “reacionários” presos em campanha ou levados ao “Galiléia” no interior do estado.”


A partir dos 60’ 00’’. As entrevistas são agora com quem viveu esses dias. É relatada a chegada da tropa, os esforços para esconder a câmara de filmar, o procedimento dos militares que inclusivamente estão convencidos da presença de cubanos na região. Coutinho reporta a sua própria fuga na companhia de alguns companheiros da equipa de cinema, bem como de Elisabeth Teixeira. Todos eles se encontravam em casa de Zé Daniel - no primeiro Cabra esta casa fazia de morada do João Pedro Teixeira - quando foram avisados do perigo que corriam. Zé Daniel ficou. Seria ele a levar a tropa ao local onde se encontrava escondida a câmara, um percurso até junto de uma pequena gruta que Coutinho voltou a fazer para incluir na versão final do filme. O filho de Zé Daniel, João José, à época com 20 anos, conta que os militares reviraram tudo, levaram o que puderam, mas deixaram dois livros. Um chamava-se A Iluminação no Cinema, o outro era Kaputt de Curzio Malaparte, ambos guardados por João José. O capitão do exército, segundo ele, argumentara que tinha de levar Kaputt posto tratar-se de literatura comunista lida pelos cubanos. João José disse-lhe que o livro era dele, não deixaria que lho tirassem. Leu-o, voltou a lê-lo muitas vezes. Guardou-o durante 17 anos numa mala.


Pensando bem, esta sequência de testemunhos, porventura resultante do acaso, acaba por ser reveladora: uma câmara de filmar escondida, um livro sobre a iluminação no cinema, Kaputt. A câmara de filmar não é apenas um valor material. Pelo contrário, transporta consigo esse tremendo poder simbólico de desvendar para além da aparência. A iluminação não é só uma questão técnica, aponta para aquilo que é do domínio do olhar e o olhar é sempre interpretar. O livro de Curzio Malaparte, embora remeta para a II Guerra Mundial, é, na verdade, um texto prodigioso no qual cabe tudo quanto a humanidade é capaz de fazer de pior. Também serve à ditadura militar (sobre Kaputt ver neste blogue Kapuutt, um livro colossal: é assim a guerra).


Cena da primeira versão de Cabra, repressão. Fonte: Bemdito

O filme é já um mosaico. Feito de sucessivas camadas e outros tantos sobressaltos, à medida que vai juntando peças de modo a reconstituir episódios da história agrária do Brasil, revela percursos individuais que tanto valorizam a luta camponesa quanto dela se distanciam. É o caso de João Mariano. Ele aceitou o papel de João Pedro Teixeira porque, na altura, estava desempregado. Ele não quer, nem nunca quis, saber de revoluções. Vive para a religião. Aliás, o papel de líder camponês valeu-lhe uma reprimenda da sua igreja que, segundo ele, lhe trouxe grande incómodo. Pelo contrário, João Virgínio, que esteve preso e foi torturado, não se arrepende de nada. Voltaria a fazer o mesmo. Tal como Elisabeth Teixeira, ela que, durante 16 anos, se dedicou a alfabetizar crianças e lavar roupa nas águas do rio de um lugarejo paupérrimo, sem saber sequer do paradeiro da maioria dos filhos. Confrontado com essa realidade, Coutinho terá percebido que a sua narrativa só ficaria concluída quando os localizasse, de modo a restabelecer os laços familiares.


Epílogo, a vida dos documentários. A equipa de cinema visita pela terceira e última vez Elisabeth Teixeira. Vai despedir-se. Elisabeth como que renasceu para uma nova vida, tal como a memória das lutas camponesas. No último plano, falando livremente, volta a desempenhar o papel de herdeira do legado de João Pedro. Após um interregno de dezasseis anos, ei-la decidida a retomar o combate. Ganhou estatuto patrimonial, transcendendo a sua circunstância. Simboliza o grito da justiça, a emancipação da mulher. Cabra restituiu-lhe a dignidade. Outros, seguiram outros caminhos. Alguns, sucumbiram. A vida é mesmo assim e foi a vida que Coutinho perseguiu, não a retórica.


Nos anos 80, na sequência do afrouxamento do regime militar e progressiva abertura política, outros cineastas dedicaram a sua atenção à História recente do Brasil. Sílvio Tendler, por exemplo, fez Os anos JK - uma trajetória política (1980) e reincidiu com Jango (1984). Nelson Pereira dos Santos, um dos arautos do Cinema Novo, filmou Memórias do Cárcere (1984) a partir da obra homónima do escritor Graciliano Ramos, simpatizante comunista. Leon Hirszman, Oswaldo Caldeira e Alberto Pereira, para citar mais alguns, também fizeram incursões nesse domínio, como bem lembra o ensaísta Alcides Freire Ramos. Mas há uma diferença substancial entre os filmes destes autores e o filme de Coutinho. Nos primeiros, à semelhança do que acontecia na primeira versão de Cabra, há uma tentativa de resgatar a História em função de um ponto de vista ideológico. Além disso, as narrativas são construídas em torno de figuras de grande notoriedade como Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros ou João Goulart que ocuparam a Presidência da República. Coutinho, pelo contrário, dá-nos uma outra história através de uma galeria de protagonistas retirados do anonimato, cujas raízes mergulham no quotidiano do povo.


João Virgínio e a experiência nas prisões da ditadura militar brasileira: "Nada como um dia após o outro, com uma noite no meio e a graça de Deus pingando de hora em hora,” Fonte: Cineset

O seu método procede de uma espécie de exegese que lhe permite operar a metamorfose dos protagonistas de acontecimentos da vida real em personagens do real imaginado que, ao fim e ao cabo, é o que ilumina o documentário. Esse trabalho de depuração, a fazer lembrar o aforismo de Carlos Drummond de Andrade, escrever é cortar palavras, encontra paralelo em diversas obras de referência do cinema documental. Por exemplo, quando, perto do final, Elisabeth se emociona com imagens do primeiro Cabra e chora de uma forma contida, vem à lembrança o esquimó de Nanook (1922), de Flaherty, em grande plano, a olhar timidamente a câmara, ou os rostos dos elementos da tribo parisiense de Jean Rouch e Edgar Morin em Chronique d’un Été (1961). Em todos os casos há uma busca de sentido para a vida. Sendo filmes diferentes, têm um denominador comum. Neles, o contrato de natureza ética - que é um contrato de confiança recíproca - é indissociável da dimensão participativa, determinante da arquitectura das obras.


Em Nanook, Flaherty dá aos esquimós a possibilidade de validação das imagens em função da memória do modo de vida do povo Innuit. O protagonista reinventa-se no século XIX. Caça com um arpão quando já havia carabinas, desloca-se numa piroga quando já havia lanchas a motor, constrói um igloo quando já ninguém os fazia. Desempenha um papel. Torna-se personagem por acção da alquimia da câmara de filmar no âmbito do contrato estabelecido com o cineasta. Algo de semelhante sucede em Chronique d’un Été. Neste caso, todos os protagonistas estão conscientes de estarem a participar numa experiência cinematográfica. Por vezes, parece instalar-se o psicodrama, com os seus sobressaltos e momentos de catarse. O final do filme deixa tudo em aberto. Mesmo assim, o método conduz à revelação,


Também a força telúrica de Cabra - como, de resto, da maior parte da obra subsequente de Coutinho - resulta de um processo colaborativo indissociável do seu método. Prevalece a palavra, a paisagem do rosto a ela associada, Se o filme se faz a si próprio, isso deve-se à interação com os protagonistas. Com avanços e recuos, o filme acontece porque as formas se tornam exigentes, tanto mais exigentes quanto mais justas forem as opções estéticas sugeridas pelas engrenagens do cinema. Daí que o método de Coutinho seja igualmente um modo de reflexão, um exercício de metalinguagem, mesmo que ele não o admita. Em Pour la suite du monde (1963), Pierre Perrault e Michel Brault enfatizam o modo participativo inscrevendo no genérico “un film interpreté et vécu par…”, seguindo-se os nomes dos habitantes de Isle-aux Coudres, no Canadá, que participaram na reconstituição da pesca da baleia beluga, suspensa desde 1924. Perrault e, sobretudo Brault, são homens do cinema directo. Coutinho, noutro registo, também poderia ter encarado Cabra como “um filme interpretado e vivido” por Elisabeth Teixeira, João Mariano, João Virgínio e os demais. Seguramente, encarou. Quer Pour la suite quer Cabra, no plano da linguagem, são grandes aventuras.


Eduardo Coutinho e Elisabeth Teixeira Fonte: Wikipédia

Coutinho, o movimento do mundo. Eduardo Coutinho teve o primeiro contato com o Cinema em 1954. Foi com uma bolsa para o Institut des Hautes Études Cinématographiques (IDHEC) de Paris, voltou ao Brasil onde acompanhou a caravana da UNE volante, da União Nacional dos Estudantes, fez crítica de cinema para ganhar a vida, pelo mesmo motivo enveredou pelo jornalismo de televisão - ao contrário de outros nunca enjeitou essa experiência, pelo contrário -, escreveu argumentos e fez filmes. Cabra marcado para morrer foi lançado em 1984 e ganhou doze prémios internacionais, entre os quais o prémio de melhor documentário do Festival de Berlim de 1985.


Se neste filme ainda há ecos do Globo Repórter, o cinema de Coutinho, a partir dele, será cada vez mais um cinema de vozes, um cinema de entrevistas em que a proxémica - a distância entrevistador vs entrevistado - é decisiva. Não se trata da distância pública, tão pouco da distância intima. Trata-se da distância necessária à alteridade, ou seja, aquela que, como diz Consuelo Lins, faz dos entrevistados “outros” de Coutinho no que respeita à classe, sexo e idade. É uma estratégia, segundo ela, para “se colocar no lugar do outro em pensamento, sem anular a diferença entre os que estão dos dois lados da câmera”.


Eduardo Coutinho: “o corpo fala e a fala que tá ligada ao corpo, quando é visceral é por que há uma relação erótica.” Fonte: El País

Aquilo que no futuro serão extraordinárias polifonias, por exemplo, Edifício Master (2002), Jogo de Cena (2007) ou As Canções (2011), tem em Cabra, no essencial, a sua matriz. As diferentes vozes resgatam o passado para desenhar um retrato sociológico marcado por profundas desigualdades. Cabra marcado para Morrer é, em suma, um puzzle complexo cujas peças são memórias emergentes na corrente da História do Brasil. Coutinho sabe que a memória é uma coisa inventada, que as pessoas contam as suas histórias para dar sentido à sua vida. Todo o ser humano sente necessidade de ser legitimado e Coutinho sabe-o melhor do que ninguém. Por isso, entra no jogo. Mas de uma forma tão sensível, atenta e profunda, que a voz ao outro se faz ouvir sem manipulação. Ao fim e ao cabo, o cinema é fazer algo de diferente sobre alguma coisa, o cinema capta o movimento do mundo, Coutinho dixit.


Cenas de Cabra marcado para morrer, vozes anónimas do Brasil profundo. Fonte: Cineset


junho 2022


P.S. Este texto, com algumas alterações, foi originalmente escrito para o MDOC, o festival de cinema documental de Melgaço, e publicado no respectivo catálogo.




  • Foto do escritor: Jorge Campos
    Jorge Campos
  • 29 de jan. de 2023
  • 13 min de leitura

Atualizado: 22 de out. de 2023


Robert Drew Fonte: Drew Associates

"It would be a theatre without actors. It would be plays without playwrights; it would be reporting without summary and opinion; it would be the ability to look in on people's lives at crucial times from which you could deduce certain things and see a kind of truth that can only be gotten by personal experience."

Robert Drew


Imaginem um miúdo de 22 anos a juntar-se ao corpo de jornalistas e fotógrafos da mais famosa e prestigiada revista ilustrada do seu tempo, a LIFE. Corria o ano de 1946. Olhando para o rapaz, embora bem parecido, não se veria nele nada de especialmente impressivo. Seria mais um igual a tantos outros à procura de emprego no complicado período do pós-guerra. Chamava-se Robert Drew. Certamente, ninguém ousaria antecipar nele um dos mais combativos militantes da história do cinema directo. Sequer perceberia a razão de ser da sua presença nos escritórios da publicação em Nova Iorque. Havia, no entanto, um motivo. Quando chegou à Life, apesar da juventude, Drew era um veterano de guerra. Piloto de combate desde os 19 anos, tripulara um caça P-51 e levara a cabo 30 missões bem sucedidas na Europa.


No dia 31 de janeiro de 1944 o azar bateu-lhe à porta. O seu avião foi abatido próximo de Nápoles. Era a 31ª missão. Conseguiu saltar de pára-quedas acabando por cair no telhado de uma habitação. Os alemães desencadearam de imediato a caça ao homem. Drew ludibriou os perseguidores, fugindo para a montanha onde foi recolhido por um camponês. Escondido durante algumas semanas acabou por tomar conhecimento da existência de dois militares ingleses nas mesmas circunstâncias. Em conjunto, procuraram juntar-se às tropas aliadas. Só o conseguiram ao cabo de mais de três meses de inúmeras peripécias.


De regresso aos Estados Unidos, fez tudo para integrar a unidade de combate formada pelos primeiros caças a jacto. Não o conseguiu. A guerra aproximava-se do fim. Mas foi essa paixão pelos aviões que levou a LIFE a contratá-lo como especialista. Anos mais tarde, o operador de câmara Gregory Shuker, um dos seus colaboradores nos famosos Drew Associates, diria: “Quando jovem Bob ganhou experiência como piloto de caças. E um piloto de caças é diferente de um piloto de bombardeiros. Um piloto de caças voa sozinho. Toma as decisões que entende dever tomar. Ele é um piloto de caças. Quis fazer as coisas à sua maneira.”


A aventura do piloto ainda adolescente Robert Drew é contada em From Two Men and a War, um documentário de 2004, no qual Drew prescinde em grande parte do estilo vérité e recupera memórias e cartas do amigo e prémio Pulitzer de jornalismo Ernie Pyle, com quem durante a guerra, em 1943, chegou a partilhar o mesmo quarto. Pyle escreveu sobre os feitos do jovem Drew, cujo avião estava equipado com uma máquina de filmar. Com ela foi possível obter não só magníficas imagens de combate, mas também imagens em terra, designadamente do próprio Pyle, morto dois anos mais tarde no Pacífico por um sniper japonês. No filme, Cliff Robertson dá voz aos textos de Pyle. Na imagem, Drew e Pyle. Fonte: International Documentary Association

Quis fazer as coisas à sua maneira e fez. Levou tempo. Mas Primary (1960), o primeiro filme dos chamados Drew Associates, do qual adiante se falará, não era comparável a nada até então feito nos Estados Unidos. Contudo, sendo a influência de Robert Drew no desenvolvimento do direct cinema consensual, ou quase, a verdade é que raramente se cuida de apresentar os seus argumentos no contexto da defesa da sua ideia original do screen journalism. A título de exemplo, Richard Barsam, embora chamando a atenção para a surpreendente produção de Drew e dos seus associados entre 1960 e 1962, nada menos de 19 documentários sobre temas diversos feitos para o pequeno ecrã, presta atenção sobretudo ao fracasso da tentativa, reiterando pressupostos dados como adquiridos sobre a natureza do medium segundo os quais, para fidelizar audiências, os formatos seriam indispensáveis. Só nos anos 90 o estudo exaustivo de P. J. O’Connel veio permitir uma ideia mais precisa e sistematizada sobre o papel de Robert Drew, os seus objectivos e o seu modo de dar a ver, numa primeira fase, inspirado nas fotografias da LIFE Magazine. A talhe de foice diga-se que o cineasta não se inibiu de manifestar discordâncias pontuais sobre determinados aspectos do livro relacionados com as versões dos seus colaboradores a propósito da aventura do cinema directo.

Por antecipação deve dizer-se que, paradoxalmente, Primary (1960) abriu o caminho a um novo tipo de documentário sem ter sido sequer exibido na televisão. Aliás, de início, passou praticamente despercebido. O filme – o primeiro exemplo americano de direct cinema – é um registo em modo de observação das eleições primárias do Partido Democrata no estado do Wisconsin durante as quais estiveram frente a frente os senadores John Kennedy e Hubert Humphrey. Drew não andava à procura de um cinema novo. Estava convencido, isso sim, da possibilidade de criar um novo tipo de documentário jornalístico capaz de atrair grandes audiências. Kennedy, terá ficado convencido da importância dos documentários para a sua política da Nova Fronteira e reincidiu na experiência em Crisis: Behind a Presidential Commitment (1963). Fonte: TCM

A LIFE Magazine e os primeiros passos do Screen Journalism


Da Grande Depressão até ao fim da Guerra do Vietname as fotografias relativas a esse período de tempo foram publicadas em diversas revistas ilustradas. A mais famosa de todas terá sido a LIFE, fundada em 1883. Não será exagero dizer que a maioria dos grandes fotojornalistas universalmente reconhecidos - citando de memória Margaret Bourke-White, Robert Capa, Henri Cartier-Bresson, Alfred Eisenstaedt, Gordon Parks, W. Eugene Smith e até o futuro cineasta Stanley Kubrick - passou por ali. Entre 1936 e 1972 estima-se que um em cada quatro americanos via semanalmente as fotografias da LIFE . No início dos anos 50, Robert Drew considerava significativa a diferença entre o que diziam as fotografias da revista e aquilo que depois via na televisão sobre os mesmos temas. Se a narrativa fotográfica era viva, dinâmica e emotiva, na televisão era aborrecida, rotineira, sem a chama da imaginação.


O fotojornalismo da LIFE, com efeito, ia ao encontro da vida, procurava a espontaneidade no sentido do momento decisivo, ou seja, quando alguma coisa de facto acontecia devia ficar registada na película. Em Cinéma-Vérité: Defining the Moment (1999) de Peter Wintonick, Cartier-Bresson explica esse momento único do disparo da câmara comparando-o ao orgasmo sexual, algo cuja significação plena cresce até ficar condensada num instante. Na televisão, o paradigma do documentário era o de See It Now do jornalista da CBS Edward R. Murrow, assente no primado da palavra, com textos explicativos e amplo recurso a entrevistas (ver neste blogue See It Now I e seguintes no segmento de media). Segundo Drew: “Não se consegue perceber o que se passa no mundo através desse tipo de documentário, ainda que seja ilustrado e comentado. Salvo em algumas raras excepções não nos permite ver por nós próprios.” Por outras palavras, o espectador ficava condicionado a aceitar o ponto de vista explicitado. No sentido de contrariar essa tendência, começou então a pensar num tipo de jornalismo capaz de transportar para o ecrã a espontaneidade e a capacidade de observação das fotografias da revista.


Capas da LIFE Fonte: Old Life Magazines

De parceria com um colega, Alan Grant, e com o apoio de um responsável da NBC, Bud Barry, Robert Drew propôs-se fazer um programa piloto no qual tentaria pôr em prática as suas ideias. Surgiu, assim, Key Picture, um magazine de televisão de quarenta minutos com cinco estórias. Os resultados, porém, ficaram muito aquém do esperado. As imagens pouco tinham de espontâneo, a montagem era previsível e a narração continuava presente. Pouco sobrava para o olhar. Drew fizera, afinal, uma espécie de See It Now para pior, tanto mais que faltava alguém com a presença totémica de Murrow para articular o discurso. No entanto, segundo O’Connel, algo de positivo emergiu: “As lições de Key Picture eram claras; o jornalismo de observação requeria o desenvolvimento de equipamentos e métodos radicalmente diferentes dos utilizados por forma a poder ser concretizado. Drew não sabia exactamente do que necessitava, mas sabia que seria um longo e dispendioso processo.”


Rejeitado pela NBC, Key Picture foi apresentado à Time Inc., empresa proprietária da LIFE e produtora de March of Time, acompanhado de um memorando dizendo basicamente o seguinte: a televisão iria roubar tempo à leitura das revistas e, portanto, afectar as suas receitas publicitárias; a LIFE tinha mais em comum com o jornalismo televisivo do que este com o entretenimento; o entretenimento na televisão era de tal forma invasivo que as suas “fantasias soporíferas” ocupavam o espaço que devia ser reservado à actualidade; assim sendo, a Time Inc. devia lançar uma ofensiva contra o entretenimento e apoiar o jornalismo televisivo “através da produção de um programa semanal de primeira qualidade capaz de atrair uma audiência de massas.” A longo prazo, advertia Drew premonitoriamente, o debate não seria entre imprensa e televisão, mas entre jornalismo e entretenimento. A sua proposta chegou a ser ponderada, mas sem resultados práticos.


Entretanto, uma bolsa da Fundação Nieman permitiu-lhe passar uma temporada na Universidade de Harvard onde fez um curso avançado para jornalistas profissionais. Aí, familiarizou-se com o pensamento de dois pessimistas em relação ao futuro da democracia, Henry Adams e Walter Lippmann, reflectiu sobre as teses optimistas de John Grierson a propósito dos efeitos do filme documentário no plano da cidadania e entusiasmou-se com The Philosophy of Loyalty de Josiah Royce, discípulo de William James, para quem o indivíduo devia dedicar lealdade incondicional a causas socialmente úteis. Drew viu na obra de Royce um estímulo à sua ideia de revolucionar o jornalismo de televisão. Essa revolução, porém, não passaria pelas notícias (hard news). O seu interesse concentrou-se no documentário, como reafirmaria muito mais tarde, no ano 2000, durante um seminário no Sun Valley Center of Arts que juntou pioneiros do cinema directo como Albert Maysles, Richard Leacock e D.A. Pennebaker.


Os lendários irmãos Maysles, Albert e David, parceiros de uma vida, autores de alguns dos melhores documentários americanos de cinema directo. Diria Albert Maysles: People are people. We're out to discover what is going on behind the scenes and get as close as we can to what is happening. Fonte: The New York Times

Drew reiterou nessa altura ter sido em Harvard que estruturou o seu pensamento. De manhã assistia às aulas e debates. À noite via televisão. Constatou que os documentários de televisão eram semelhantes às suas aulas da manhã posto que obedeciam à lógica didáctica que impregnava a narração oral. Retirando o som a See It Now verificou que a significação se desintegrava. Viu filmes produzidos por John Grierson. Considerou-os, de um modo geral, excessivamente expositivos e institucionais, embora a ideia de contribuir para o melhor esclarecimento dos cidadãos continuasse pertinente. Por outro lado, encontrou nos filmes de Robert Flaherty afinidades com a narrativa do jornalismo de imagens da Life. Flaherty retirara a câmara dos estúdios, filmava no exterior e construía dramaticamente as narrativas. “Drama” seria, aliás, a palavra-chave da revolução pretendida por Drew:


“… o meu ponto de vista teórico levou-me a concluir que tínhamos um meio de difusão (a televisão), tínhamos poder e drama na vida real onde quer que houvesse pessoas a viver ou a morrer ou a trabalhar duramente ou a apaixonarem-se ou fosse o que fosse, e tudo o que precisávamos de fazer era dar ao jornalista, tal como eu o entendia, histórias autênticas da vida real, editá-las de modo a que se contassem a si mesmas, com um mínimo de narração. Assim, teríamos, por um lado, o drama, porque estaríamos a tratar do real e não do ficcional e, por outro lado, uma nova forma de jornalismo porque obedeceria a uma lógica dramática e não a uma lógica verbal e esquemática.”


O ponto de vista de Drew dificilmente seria aceite pela maioria dos jornalistas, cujos critérios passavam fundamentalmente pela objectividade e pelo equilíbrio. Tão pouco poderia ser aceite pelos operadores de televisão que temiam derivas subjectivas fora do controle exigido pela lógica de broadcasting, na qual a fórmula repetitiva prevalecia sobre os conteúdos de mais ampla imaginação. Ao longo dos anos, muitos interrogaram Drew porque razão insistia em chamar jornalismo ao que propunha, porque razão não lhe chamava simplesmente “drama”. A sua resposta foi sempre a mesma: era preciso mudar o jornalismo de televisão.


D. A. Pennebaker filma Bob Dylan em Dont Look Back (1967) uma das obras de referência do cinema directo Fonte: DN

Devido às suas convenções, o documentário jornalístico de televisão, recorrendo às categorias de Plantinga, aproxima-se da voz formal, essencialmente afirmativa e assertiva, mesmo quando procede ao exercício do contraditório. Tende, por isso, a não deixar amplitude de interpretação ao destinatário. As coisas são como são apresentadas. A proposta de Drew está mais próxima da voz aberta, “epistemologicamente hesitante”, na medida em que em vez de explicar procura observar, explorar, abrir espaço a múltiplas hipóteses de interpretação mais de acordo com a complexidade do real. É o que se passa, por exemplo, nos filmes de Frederick Wiseman, bem como noutros documentários de observação. Na maioria dos casos, não há neles certezas, mas pistas, quando muito sugestões. Em princípio, caberá ao receptor decidir. Por analogia, forçando um pouco a nota, poder-se-ia dizer que aquilo que distingue as duas vozes é, de algum modo, o que permite distinguir o cinema de autor do cinema clássico americano. O primeiro é centrado nas personagens e nas suas inquietações, hesitações e derivas, aproxima-se do ensaio. O segundo obedece à ordem do argumento sendo, por isso, por norma, mais previsível.


No caso do screen journalism de Robert Drew, porém, é necessário resistir a uma colagem apressada de etiquetas. Se os seus filmes passam pela observação nem por isso dispensam procedimentos, na montagem, semelhantes aos da construção da narrativa clássica. Dito de outra maneira, tratando-se de cinema de observação dispensam o argumento, mas exigem “drama”, logo, não enjeitando a possibilidade de encontrar na montagem a estrutura em três actos – introdução, problema, solução – com pontos de viragem, por forma a fazer avançar a história. Por outro lado, descontando Flaherty, as referências de Drew passam, sobretudo por programas de televisão como Omnibus e The Search, tal como por nomes como os de Bill McClure, Arthur Zegart, Fons Ianelli e Richard Leacock. Com excepção de Leacock os demais pouco ou nada dirão, hoje, a pessoas sem um conhecimento razoável da História da Televisão americana.


McClure era um dos poucos operadores de See It Now, segundo Drew, que conseguia dar vida e espontaneidade às imagens tornando a narração desnecessária. Zegart costumava acumular as funções de argumentista, realizador e produtor executivo, e era um dos habituais de The Search. Apesar das limitações dos equipamentos – estava-se em meados dos anos 50 – conseguia, ao contrário da maioria dos repórteres televisivos do seu tempo, caracterizar as personagens conferindo-lhes espessura psicológica e dramática. Drew recorda particularmente um filme realizado na prisão de San Quentin, no qual Zegart dava a conhecer de forma subtil o modo de relacionamento dos presidiários. Ianelli trabalhava para Omnibus e colaborara com Morris Engel, o primeiro cineasta a utilizar uma câmara portátil de 35mm com som síncrono. Ianelli desenvolvera uma câmara mais pequena de 16mm também com som síncrono, tendo feito dois filmes, um numa urgência hospitalar, outro sobre um pugilista que decidira retirar-se. Em qualquer dos casos, Drew diz ter ficado impressionado com o realismo das cenas. Apontava-lhes, porém, uma falha narrativa devido à ausência de plot points. Finalmente, Leacock chegou ao conhecimento de Drew através de Toby and the Tall Corn, um filme também exibido em Omnibus.


Richard Leacock a filmar Louisiana Story, 1948, com Robert e Francis Flaherty. Leacock utilizou em grande parte do filme uma câmara Arriflex 35 II. Fonte: Hulton Archive/Getty

Leacocok trabalhara como operador de câmara em Louisiana Story (1948) de Robert Flaherty, cujo método o terá levado a compreender a importância do olhar. Quando rodavam Louisina Story – um filme que levou anos a concluir com uma relação de 25:1 entre a metragem de película utilizada e o material aproveitado na versão final – Leacock tinha dificuldade em perceber a razão pela qual Flaherty passava horas, dias e até semanas observando o material filmado daí resultando, muitas vezes, a repetição de cenas aparentemente exemplares. Quando, porém, as cenas eram repetidas, os resultados, de um modo geral, davam razão a Flaherty, como no caso da sequência da perfuração em busca de petróleo, inicialmente filmada de dia e, posteriormente, repetida à noite de modo a eliminar tudo aquilo que não fosse essencial à compreensão. Posteriormente, Leacock colaborou como operador de câmara free-lance com Louis de Rochemont, as Nações Unidas, a CBS e algumas agências governamentais, tendo igualmente participado em documentários de Leo Hurwitz, Willard Van Dyke e Irving Jacoby. No entanto, segundo ele próprio relata, essas experiências nunca foram inteiramente satisfatórias. Os motivos dessa insatisfação radicavam essencialmente na dificuldade de manuseamento dos equipamentos existentes.


Poster de Louisiana Story (1948) de Robert Flaherty Fonte: Wikimedia Commons

Tecnologia, linguagem: 16mm, sync sound


O mencionado Toby and the Tall Corn – um filme de observação mostrando o processo de montagem de uma tenda de divertimentos, a chegada do público que a vai enchendo e a sua reacção às atracções – era já uma consequência das tentativas de Leacock de libertar a câmara. O encontro de Drew e Leacock foi, portanto, um encontro de pessoas com preocupações comuns, embora com opiniões diferentes quanto à terminologia do que estavam em vias de concretizar. Drew vinha do campo do jornalismo. Leacock, apesar da sua recorrente colaboração com a televisão, sempre se identificou como cineasta. Ambos se empenharam em desenvolver uma nova geração de equipamentos, sobretudo o primeiro, cuja posição na Time, Inc. lhe permitiu obter um financiamento de meio milhão de dólares para esse efeito. Em todo o caso, importa lembrar que também no Canadá, França e Reino Unido havia trabalho no mesmo sentido.


Retrospectivamente, facilmente se constata, desde o primórdio das imagens em movimento, a estreita relação estreita entre tecnologia e linguagem. Não será difícil admitir, por exemplo, a diferença entre o Kinetógrafo de Edison e o cinematógrafo dos Lumière e as consequências daí decorrentes. O primeiro era um equipamento de grandes dimensões, pesado e operado através da electricidade. Estava, por isso, confinado ao estúdio onde Edison podia filmar números de circo ou de vaudeville numa perspectiva teatral. O filme de enredo americano terá encontrado aí o seu ponto de partida. O cinematógrafo, muito mais leve, saiu à rua e permitiu ir ao encontro do quotidiano e, portanto, do documental.


No final dos anos 20, quando o filme documentário ganhou identidade e autonomia, as câmaras, embora pudessem deslocar-se, pediam ainda o apoio do tripé. A sensibilidade do filme a preto e branco exigia iluminação artificial numa variedade de circunstâncias. Estes constrangimentos de ordem técnica influenciaram, por exemplo, o cinema de Robert Flaherty, cujo método, entretanto, se revelou o mais adequado para tirar partido dos meios disponíveis. Em Man of Aran (1934) adaptou teleobjectivas especiais de modo a filmar dramaticamente a luta do homem com o mar.


Com o advento do filme sonoro, nos anos 30, o cinema teve de encerrar-se no estúdio dada a dificuldade de deslocação para o exterior dos equipamentos de som. A sua dimensão, o número de pessoas que ocupavam, a juntar aos custos, desencorajavam saídas para o exterior. Daí a sonorização de documentários, na maioria dos casos, ser feita posteriormente. Isso explica, também, o predomínio da voz off, do texto expositivo e da voz formal.


No pós-guerra e nos anos 50, na Europa, a tentativa de fazer um cinema documental inovador em França e no Reino Unido foi inicialmente levada a cabo sem som síncrono. Foi assim com filmes como Nuit et Brouillard (1956), Toute La Mémoire du Monde (1956) e Guernica (1950) de Alain Resnais, Les Statues Meurent Aussi (1953) de Chris Marker e Alain Resnais, O Dreamland (1953) de Lindsay Anderson e Momma Don’t Allow (1956) de Karel Reisz e Tony Richardson. Seria necessário esperar ainda algum tempo pelos primeiros documentários em 16mm e som síncrono.


O suíço de origem polaca Stefan Kudelski, inventor da Nagra, que revolucionou a captação de som no cinema Fonte: The Independent

As câmaras de 16mm, no entanto, são mais antigas do que, por vezes, se pensa. As primeiras foram produzidas pela Estman Kodak, em 1923. Ao longo dos anos sofreram múltiplas adaptações, tendo sido utilizadas, nomeadamente por Leni Riefenstahl em Olimpíada. Mas, só no final dos anos 5O, início dos anos 60, permitiram aos operadores uma mobilidade sem precedentes. As mais conhecidas viriam a ser a francesa Éclair, uma invenção de André Coutant de 1961 e a alemã Arriflex. Ambas tinham sido desenhadas para o apoio do ombro do operador e, em qualquer dos casos, ficara resolvido o problema do ruído dos motores. Dispunham de lentes zoom podendo, por isso, mudar a escala dos planos sem interromper a filmagem e estavam ligadas a gravadores de som dos quais o mais conhecido, denominado Nagra, foi desenvolvido pelo suíço Stefan Kudelski, em 1958. Tinham igualmente grande autonomia de película, ela própria tendo evoluído no sentido de poder ser utilizada com um mínimo de iluminação artificial, podendo mesmo dispensá-la em determinadas situações. A constante actualização dos equipamentos permitiu, naturalmente, a pluralidade de discursos e narrativas.


André Coutant, o engenheiro inventor de uma enorme gama de máquinas de filmar entre as quais a famosa Éclair 16, em 1963, portátil e silenciosa, permitindo grande mobilidade e a captação de som directo. Fonte: Afcinema

Lindsay Anderson e Karel Reisz, prosseguindo numa via que vinha dos meados dos anos 50, libertaram a câmara de filmar e romperam com os métodos do documentário inspirado em Grierson; posteriormente, Robert Drew e Richard Leacock – na verdade, mais o primeiro que o segundo – encararam a possibilidade de converter o filme documentário em documentário jornalístico de televisão com base no cinema de observação; os irmãos David e Albert Maysles partindo igualmente da observação evoluíram para uma perspectiva estética alheia aos critérios jornalísticos; D.A. Pennebaker, ao centrar a sua atenção nos ícones emergentes das novas tribos juvenis, como Bob Dylan, adoptou o estilo fly on the wall e deu expressão às manifestações da contra-cultura dos anos 60; Jean Rouch e Michel Brault admitiram ter condições para exercitar através do cinema um modo participativo de relacionamento com o mundo. Roman Kroiter e Wolf Koenig seriam pioneiros na Unidade B do National Film Board do Canadá das primeiras experiências de cinema directo para televisão na série documental Candid Eye (ver neste blogue Candid Eye: Vérité ou mostrar a vida como ela acontece).


Primeira conclusão. No próximo artigo, faremos a avaliação da influência que estes nomes terão tido, ou não, no screen journalism de Robert Drew. De momento diremos que se o trabalho de Edward R. Murrow em See I Now representa a matriz daquilo que, de um modo mais ou menos fiel à sua fórmula, viria a ser o documentário jornalístico de televisão, Robert Drew é o intérprete da tentativa de justamente contrariar a fórmula de Murrow propondo a sua substituição por um documentário que devolvesse o primado à imagem na enunciação jornalística. Tendo ou não consciência disso, Drew aproximava-se daquilo que os canadianos de língua inglesa do National Film Board vinham fazendo desde 1958, nomeadamente na série documental para televisão Candid Eye. Pela mesma altura, é bom lembrá-lo, quer no cinema quer na televisão, multiplicavam-se as tentativas de recuperar a espontaneidade do real através da observação. Tal como Murrow, mas por outras razões, Drew viria a ser um perdedor, não conseguindo que o seu método se impusesse. Para já, fica esta ideia; as câmaras de 16mm com som síncrono proporcionaram uma abordagem do cinema documental no limiar daquilo a que poderia chamar-se uma utopia do real. Roberto Drew teve um papel central nessa revolução.




O seriado documental Candid Eye do NFB esteve em antena em 1958 e 1959. Entre os seus principais colaboradores contavam-se, além de Kroiter e Koenig, Colin Low, Terence Macartney-Filgate e Tom Daly. Lonely Boy segue o dia a dia do ídolo juvenil Paul Anka através de uma observação atenta a detalhes. Na foto vê-se Anka quando cantava Put your Hand on my Shoulder num concerto em Nova Iorque. A sequência começa com uma série de close-ups de teenagers do sexo feminino. Um dos agentes da polícia encarregado da segurança do palco assiste perplexo. Surge um grande plano de uma jovem com o rosto marejado de lágrimas ao qual se segue, não a imagem do cantor em palco, como seria previsível, mas um plano de pormenor da sua mão esquerda onde a câmara se imobiliza durante alguns segundos. A imagem é tanto mais poderosa quanto a banda som mistura a melodia da canção com a estridência das adolescentes. A câmara sobe depois lentamente até se imobilizar em grande plano no rosto de Anka. A expressão Candid Eye acabou por ser informalmente adoptada como equivalente para o cinema directo feito pela unidade de língua inglesa do National Film Board do Canadá. Fonte: Offscreen

Ver cena aqui



Continua









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Jorge Campos

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        "O mundo, mais do que a coisa em si, é a imagem que fazemos dele. A imagem é uma máscara. A máscara, construção. Nessa medida, ensinar é também desconstruir. E aprender."  

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Textos avulsos de teor literário nunca publicados. Recuperados de arquivos há muito esquecidos. Nunca houve intenção de os dar à estampa e, o mais das vezes, são o reflexo de estados de espírito, cumplicidades ou desafios que por diversas vias me foram feitos.

Imagens do Real Imaginado (IRI) do Instituto Politécnico do Porto foi o ponto de partida para o primeiro Mestrado em Fotografia e Cinema Documental criado em Portugal. Teve início em 2006. A temática foi O Mundo. Inspirado no exemplo da Odisseia nas Imagens do Porto 2001-Capital Europeia da Cultura estabeleceu numerosas parcerias, designadamente com os departamentos culturais das embaixadas francesa e alemã, festivais e diversas universidades estrangeiras. Fiz o IRI durante 10 anos contando sempre com a colaboração de excelentes colegas. Neste segmento da Programação cabe outro tipo de iniciativas, referências aos meus filmes, conferências e outras participações. Sem preocupações cronológicas. A Odisseia na Imagens, pela sua dimensão, tem uma caixa autónoma.

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