"It would be a theatre without actors. It would be plays without playwrights; it would be reporting without summary and opinion; it would be the ability to look in on people's lives at crucial times from which you could deduce certain things and see a kind of truth that can only be gotten by personal experience."
Robert Drew
Imaginem um miúdo de 22 anos a juntar-se ao corpo de jornalistas e fotógrafos da mais famosa e prestigiada revista ilustrada do seu tempo, a LIFE. Corria o ano de 1946. Olhando para o rapaz, embora bem parecido, não se veria nele nada de especialmente impressivo. Seria mais um igual a tantos outros à procura de emprego no complicado período do pós-guerra. Chamava-se Robert Drew. Certamente, ninguém ousaria antecipar nele um dos mais combativos militantes da história do cinema directo. Sequer perceberia a razão de ser da sua presença nos escritórios da publicação em Nova Iorque. Havia, no entanto, um motivo. Quando chegou à Life, apesar da juventude, Drew era um veterano de guerra. Piloto de combate desde os 19 anos, tripulara um caça P-51 e levara a cabo 30 missões bem sucedidas na Europa.
No dia 31 de janeiro de 1944 o azar bateu-lhe à porta. O seu avião foi abatido próximo de Nápoles. Era a 31ª missão. Conseguiu saltar de pára-quedas acabando por cair no telhado de uma habitação. Os alemães desencadearam de imediato a caça ao homem. Drew ludibriou os perseguidores, fugindo para a montanha onde foi recolhido por um camponês. Escondido durante algumas semanas acabou por tomar conhecimento da existência de dois militares ingleses nas mesmas circunstâncias. Em conjunto, procuraram juntar-se às tropas aliadas. Só o conseguiram ao cabo de mais de três meses de inúmeras peripécias.
De regresso aos Estados Unidos, fez tudo para integrar a unidade de combate formada pelos primeiros caças a jacto. Não o conseguiu. A guerra aproximava-se do fim. Mas foi essa paixão pelos aviões que levou a LIFE a contratá-lo como especialista. Anos mais tarde, o operador de câmara Gregory Shuker, um dos seus colaboradores nos famosos Drew Associates, diria: “Quando jovem Bob ganhou experiência como piloto de caças. E um piloto de caças é diferente de um piloto de bombardeiros. Um piloto de caças voa sozinho. Toma as decisões que entende dever tomar. Ele é um piloto de caças. Quis fazer as coisas à sua maneira.”
Quis fazer as coisas à sua maneira e fez. Levou tempo. Mas Primary (1960), o primeiro filme dos chamados Drew Associates, do qual adiante se falará, não era comparável a nada até então feito nos Estados Unidos. Contudo, sendo a influência de Robert Drew no desenvolvimento do direct cinema consensual, ou quase, a verdade é que raramente se cuida de apresentar os seus argumentos no contexto da defesa da sua ideia original do screen journalism. A título de exemplo, Richard Barsam, embora chamando a atenção para a surpreendente produção de Drew e dos seus associados entre 1960 e 1962, nada menos de 19 documentários sobre temas diversos feitos para o pequeno ecrã, presta atenção sobretudo ao fracasso da tentativa, reiterando pressupostos dados como adquiridos sobre a natureza do medium segundo os quais, para fidelizar audiências, os formatos seriam indispensáveis. Só nos anos 90 o estudo exaustivo de P. J. O’Connel veio permitir uma ideia mais precisa e sistematizada sobre o papel de Robert Drew, os seus objectivos e o seu modo de dar a ver, numa primeira fase, inspirado nas fotografias da LIFE Magazine. A talhe de foice diga-se que o cineasta não se inibiu de manifestar discordâncias pontuais sobre determinados aspectos do livro relacionados com as versões dos seus colaboradores a propósito da aventura do cinema directo.
A LIFE Magazine e os primeiros passos do Screen Journalism
Da Grande Depressão até ao fim da Guerra do Vietname as fotografias relativas a esse período de tempo foram publicadas em diversas revistas ilustradas. A mais famosa de todas terá sido a LIFE, fundada em 1883. Não será exagero dizer que a maioria dos grandes fotojornalistas universalmente reconhecidos - citando de memória Margaret Bourke-White, Robert Capa, Henri Cartier-Bresson, Alfred Eisenstaedt, Gordon Parks, W. Eugene Smith e até o futuro cineasta Stanley Kubrick - passou por ali. Entre 1936 e 1972 estima-se que um em cada quatro americanos via semanalmente as fotografias da LIFE . No início dos anos 50, Robert Drew considerava significativa a diferença entre o que diziam as fotografias da revista e aquilo que depois via na televisão sobre os mesmos temas. Se a narrativa fotográfica era viva, dinâmica e emotiva, na televisão era aborrecida, rotineira, sem a chama da imaginação.
O fotojornalismo da LIFE, com efeito, ia ao encontro da vida, procurava a espontaneidade no sentido do momento decisivo, ou seja, quando alguma coisa de facto acontecia devia ficar registada na película. Em Cinéma-Vérité: Defining the Moment (1999) de Peter Wintonick, Cartier-Bresson explica esse momento único do disparo da câmara comparando-o ao orgasmo sexual, algo cuja significação plena cresce até ficar condensada num instante. Na televisão, o paradigma do documentário era o de See It Now do jornalista da CBS Edward R. Murrow, assente no primado da palavra, com textos explicativos e amplo recurso a entrevistas (ver neste blogue See It Now I e seguintes no segmento de media). Segundo Drew: “Não se consegue perceber o que se passa no mundo através desse tipo de documentário, ainda que seja ilustrado e comentado. Salvo em algumas raras excepções não nos permite ver por nós próprios.” Por outras palavras, o espectador ficava condicionado a aceitar o ponto de vista explicitado. No sentido de contrariar essa tendência, começou então a pensar num tipo de jornalismo capaz de transportar para o ecrã a espontaneidade e a capacidade de observação das fotografias da revista.
De parceria com um colega, Alan Grant, e com o apoio de um responsável da NBC, Bud Barry, Robert Drew propôs-se fazer um programa piloto no qual tentaria pôr em prática as suas ideias. Surgiu, assim, Key Picture, um magazine de televisão de quarenta minutos com cinco estórias. Os resultados, porém, ficaram muito aquém do esperado. As imagens pouco tinham de espontâneo, a montagem era previsível e a narração continuava presente. Pouco sobrava para o olhar. Drew fizera, afinal, uma espécie de See It Now para pior, tanto mais que faltava alguém com a presença totémica de Murrow para articular o discurso. No entanto, segundo O’Connel, algo de positivo emergiu: “As lições de Key Picture eram claras; o jornalismo de observação requeria o desenvolvimento de equipamentos e métodos radicalmente diferentes dos utilizados por forma a poder ser concretizado. Drew não sabia exactamente do que necessitava, mas sabia que seria um longo e dispendioso processo.”
Rejeitado pela NBC, Key Picture foi apresentado à Time Inc., empresa proprietária da LIFE e produtora de March of Time, acompanhado de um memorando dizendo basicamente o seguinte: a televisão iria roubar tempo à leitura das revistas e, portanto, afectar as suas receitas publicitárias; a LIFE tinha mais em comum com o jornalismo televisivo do que este com o entretenimento; o entretenimento na televisão era de tal forma invasivo que as suas “fantasias soporíferas” ocupavam o espaço que devia ser reservado à actualidade; assim sendo, a Time Inc. devia lançar uma ofensiva contra o entretenimento e apoiar o jornalismo televisivo “através da produção de um programa semanal de primeira qualidade capaz de atrair uma audiência de massas.” A longo prazo, advertia Drew premonitoriamente, o debate não seria entre imprensa e televisão, mas entre jornalismo e entretenimento. A sua proposta chegou a ser ponderada, mas sem resultados práticos.
Entretanto, uma bolsa da Fundação Nieman permitiu-lhe passar uma temporada na Universidade de Harvard onde fez um curso avançado para jornalistas profissionais. Aí, familiarizou-se com o pensamento de dois pessimistas em relação ao futuro da democracia, Henry Adams e Walter Lippmann, reflectiu sobre as teses optimistas de John Grierson a propósito dos efeitos do filme documentário no plano da cidadania e entusiasmou-se com The Philosophy of Loyalty de Josiah Royce, discípulo de William James, para quem o indivíduo devia dedicar lealdade incondicional a causas socialmente úteis. Drew viu na obra de Royce um estímulo à sua ideia de revolucionar o jornalismo de televisão. Essa revolução, porém, não passaria pelas notícias (hard news). O seu interesse concentrou-se no documentário, como reafirmaria muito mais tarde, no ano 2000, durante um seminário no Sun Valley Center of Arts que juntou pioneiros do cinema directo como Albert Maysles, Richard Leacock e D.A. Pennebaker.
Drew reiterou nessa altura ter sido em Harvard que estruturou o seu pensamento. De manhã assistia às aulas e debates. À noite via televisão. Constatou que os documentários de televisão eram semelhantes às suas aulas da manhã posto que obedeciam à lógica didáctica que impregnava a narração oral. Retirando o som a See It Now verificou que a significação se desintegrava. Viu filmes produzidos por John Grierson. Considerou-os, de um modo geral, excessivamente expositivos e institucionais, embora a ideia de contribuir para o melhor esclarecimento dos cidadãos continuasse pertinente. Por outro lado, encontrou nos filmes de Robert Flaherty afinidades com a narrativa do jornalismo de imagens da Life. Flaherty retirara a câmara dos estúdios, filmava no exterior e construía dramaticamente as narrativas. “Drama” seria, aliás, a palavra-chave da revolução pretendida por Drew:
“… o meu ponto de vista teórico levou-me a concluir que tínhamos um meio de difusão (a televisão), tínhamos poder e drama na vida real onde quer que houvesse pessoas a viver ou a morrer ou a trabalhar duramente ou a apaixonarem-se ou fosse o que fosse, e tudo o que precisávamos de fazer era dar ao jornalista, tal como eu o entendia, histórias autênticas da vida real, editá-las de modo a que se contassem a si mesmas, com um mínimo de narração. Assim, teríamos, por um lado, o drama, porque estaríamos a tratar do real e não do ficcional e, por outro lado, uma nova forma de jornalismo porque obedeceria a uma lógica dramática e não a uma lógica verbal e esquemática.”
O ponto de vista de Drew dificilmente seria aceite pela maioria dos jornalistas, cujos critérios passavam fundamentalmente pela objectividade e pelo equilíbrio. Tão pouco poderia ser aceite pelos operadores de televisão que temiam derivas subjectivas fora do controle exigido pela lógica de broadcasting, na qual a fórmula repetitiva prevalecia sobre os conteúdos de mais ampla imaginação. Ao longo dos anos, muitos interrogaram Drew porque razão insistia em chamar jornalismo ao que propunha, porque razão não lhe chamava simplesmente “drama”. A sua resposta foi sempre a mesma: era preciso mudar o jornalismo de televisão.
Devido às suas convenções, o documentário jornalístico de televisão, recorrendo às categorias de Plantinga, aproxima-se da voz formal, essencialmente afirmativa e assertiva, mesmo quando procede ao exercício do contraditório. Tende, por isso, a não deixar amplitude de interpretação ao destinatário. As coisas são como são apresentadas. A proposta de Drew está mais próxima da voz aberta, “epistemologicamente hesitante”, na medida em que em vez de explicar procura observar, explorar, abrir espaço a múltiplas hipóteses de interpretação mais de acordo com a complexidade do real. É o que se passa, por exemplo, nos filmes de Frederick Wiseman, bem como noutros documentários de observação. Na maioria dos casos, não há neles certezas, mas pistas, quando muito sugestões. Em princípio, caberá ao receptor decidir. Por analogia, forçando um pouco a nota, poder-se-ia dizer que aquilo que distingue as duas vozes é, de algum modo, o que permite distinguir o cinema de autor do cinema clássico americano. O primeiro é centrado nas personagens e nas suas inquietações, hesitações e derivas, aproxima-se do ensaio. O segundo obedece à ordem do argumento sendo, por isso, por norma, mais previsível.
No caso do screen journalism de Robert Drew, porém, é necessário resistir a uma colagem apressada de etiquetas. Se os seus filmes passam pela observação nem por isso dispensam procedimentos, na montagem, semelhantes aos da construção da narrativa clássica. Dito de outra maneira, tratando-se de cinema de observação dispensam o argumento, mas exigem “drama”, logo, não enjeitando a possibilidade de encontrar na montagem a estrutura em três actos – introdução, problema, solução – com pontos de viragem, por forma a fazer avançar a história. Por outro lado, descontando Flaherty, as referências de Drew passam, sobretudo por programas de televisão como Omnibus e The Search, tal como por nomes como os de Bill McClure, Arthur Zegart, Fons Ianelli e Richard Leacock. Com excepção de Leacock os demais pouco ou nada dirão, hoje, a pessoas sem um conhecimento razoável da História da Televisão americana.
McClure era um dos poucos operadores de See It Now, segundo Drew, que conseguia dar vida e espontaneidade às imagens tornando a narração desnecessária. Zegart costumava acumular as funções de argumentista, realizador e produtor executivo, e era um dos habituais de The Search. Apesar das limitações dos equipamentos – estava-se em meados dos anos 50 – conseguia, ao contrário da maioria dos repórteres televisivos do seu tempo, caracterizar as personagens conferindo-lhes espessura psicológica e dramática. Drew recorda particularmente um filme realizado na prisão de San Quentin, no qual Zegart dava a conhecer de forma subtil o modo de relacionamento dos presidiários. Ianelli trabalhava para Omnibus e colaborara com Morris Engel, o primeiro cineasta a utilizar uma câmara portátil de 35mm com som síncrono. Ianelli desenvolvera uma câmara mais pequena de 16mm também com som síncrono, tendo feito dois filmes, um numa urgência hospitalar, outro sobre um pugilista que decidira retirar-se. Em qualquer dos casos, Drew diz ter ficado impressionado com o realismo das cenas. Apontava-lhes, porém, uma falha narrativa devido à ausência de plot points. Finalmente, Leacock chegou ao conhecimento de Drew através de Toby and the Tall Corn, um filme também exibido em Omnibus.
Leacocok trabalhara como operador de câmara em Louisiana Story (1948) de Robert Flaherty, cujo método o terá levado a compreender a importância do olhar. Quando rodavam Louisina Story – um filme que levou anos a concluir com uma relação de 25:1 entre a metragem de película utilizada e o material aproveitado na versão final – Leacock tinha dificuldade em perceber a razão pela qual Flaherty passava horas, dias e até semanas observando o material filmado daí resultando, muitas vezes, a repetição de cenas aparentemente exemplares. Quando, porém, as cenas eram repetidas, os resultados, de um modo geral, davam razão a Flaherty, como no caso da sequência da perfuração em busca de petróleo, inicialmente filmada de dia e, posteriormente, repetida à noite de modo a eliminar tudo aquilo que não fosse essencial à compreensão. Posteriormente, Leacock colaborou como operador de câmara free-lance com Louis de Rochemont, as Nações Unidas, a CBS e algumas agências governamentais, tendo igualmente participado em documentários de Leo Hurwitz, Willard Van Dyke e Irving Jacoby. No entanto, segundo ele próprio relata, essas experiências nunca foram inteiramente satisfatórias. Os motivos dessa insatisfação radicavam essencialmente na dificuldade de manuseamento dos equipamentos existentes.
Tecnologia, linguagem: 16mm, sync sound
O mencionado Toby and the Tall Corn – um filme de observação mostrando o processo de montagem de uma tenda de divertimentos, a chegada do público que a vai enchendo e a sua reacção às atracções – era já uma consequência das tentativas de Leacock de libertar a câmara. O encontro de Drew e Leacock foi, portanto, um encontro de pessoas com preocupações comuns, embora com opiniões diferentes quanto à terminologia do que estavam em vias de concretizar. Drew vinha do campo do jornalismo. Leacock, apesar da sua recorrente colaboração com a televisão, sempre se identificou como cineasta. Ambos se empenharam em desenvolver uma nova geração de equipamentos, sobretudo o primeiro, cuja posição na Time, Inc. lhe permitiu obter um financiamento de meio milhão de dólares para esse efeito. Em todo o caso, importa lembrar que também no Canadá, França e Reino Unido havia trabalho no mesmo sentido.
Retrospectivamente, facilmente se constata, desde o primórdio das imagens em movimento, a estreita relação estreita entre tecnologia e linguagem. Não será difícil admitir, por exemplo, a diferença entre o Kinetógrafo de Edison e o cinematógrafo dos Lumière e as consequências daí decorrentes. O primeiro era um equipamento de grandes dimensões, pesado e operado através da electricidade. Estava, por isso, confinado ao estúdio onde Edison podia filmar números de circo ou de vaudeville numa perspectiva teatral. O filme de enredo americano terá encontrado aí o seu ponto de partida. O cinematógrafo, muito mais leve, saiu à rua e permitiu ir ao encontro do quotidiano e, portanto, do documental.
No final dos anos 20, quando o filme documentário ganhou identidade e autonomia, as câmaras, embora pudessem deslocar-se, pediam ainda o apoio do tripé. A sensibilidade do filme a preto e branco exigia iluminação artificial numa variedade de circunstâncias. Estes constrangimentos de ordem técnica influenciaram, por exemplo, o cinema de Robert Flaherty, cujo método, entretanto, se revelou o mais adequado para tirar partido dos meios disponíveis. Em Man of Aran (1934) adaptou teleobjectivas especiais de modo a filmar dramaticamente a luta do homem com o mar.
Com o advento do filme sonoro, nos anos 30, o cinema teve de encerrar-se no estúdio dada a dificuldade de deslocação para o exterior dos equipamentos de som. A sua dimensão, o número de pessoas que ocupavam, a juntar aos custos, desencorajavam saídas para o exterior. Daí a sonorização de documentários, na maioria dos casos, ser feita posteriormente. Isso explica, também, o predomínio da voz off, do texto expositivo e da voz formal.
No pós-guerra e nos anos 50, na Europa, a tentativa de fazer um cinema documental inovador em França e no Reino Unido foi inicialmente levada a cabo sem som síncrono. Foi assim com filmes como Nuit et Brouillard (1956), Toute La Mémoire du Monde (1956) e Guernica (1950) de Alain Resnais, Les Statues Meurent Aussi (1953) de Chris Marker e Alain Resnais, O Dreamland (1953) de Lindsay Anderson e Momma Don’t Allow (1956) de Karel Reisz e Tony Richardson. Seria necessário esperar ainda algum tempo pelos primeiros documentários em 16mm e som síncrono.
As câmaras de 16mm, no entanto, são mais antigas do que, por vezes, se pensa. As primeiras foram produzidas pela Estman Kodak, em 1923. Ao longo dos anos sofreram múltiplas adaptações, tendo sido utilizadas, nomeadamente por Leni Riefenstahl em Olimpíada. Mas, só no final dos anos 5O, início dos anos 60, permitiram aos operadores uma mobilidade sem precedentes. As mais conhecidas viriam a ser a francesa Éclair, uma invenção de André Coutant de 1961 e a alemã Arriflex. Ambas tinham sido desenhadas para o apoio do ombro do operador e, em qualquer dos casos, ficara resolvido o problema do ruído dos motores. Dispunham de lentes zoom podendo, por isso, mudar a escala dos planos sem interromper a filmagem e estavam ligadas a gravadores de som dos quais o mais conhecido, denominado Nagra, foi desenvolvido pelo suíço Stefan Kudelski, em 1958. Tinham igualmente grande autonomia de película, ela própria tendo evoluído no sentido de poder ser utilizada com um mínimo de iluminação artificial, podendo mesmo dispensá-la em determinadas situações. A constante actualização dos equipamentos permitiu, naturalmente, a pluralidade de discursos e narrativas.
Lindsay Anderson e Karel Reisz, prosseguindo numa via que vinha dos meados dos anos 50, libertaram a câmara de filmar e romperam com os métodos do documentário inspirado em Grierson; posteriormente, Robert Drew e Richard Leacock – na verdade, mais o primeiro que o segundo – encararam a possibilidade de converter o filme documentário em documentário jornalístico de televisão com base no cinema de observação; os irmãos David e Albert Maysles partindo igualmente da observação evoluíram para uma perspectiva estética alheia aos critérios jornalísticos; D.A. Pennebaker, ao centrar a sua atenção nos ícones emergentes das novas tribos juvenis, como Bob Dylan, adoptou o estilo fly on the wall e deu expressão às manifestações da contra-cultura dos anos 60; Jean Rouch e Michel Brault admitiram ter condições para exercitar através do cinema um modo participativo de relacionamento com o mundo. Roman Kroiter e Wolf Koenig seriam pioneiros na Unidade B do National Film Board do Canadá das primeiras experiências de cinema directo para televisão na série documental Candid Eye (ver neste blogue Candid Eye: Vérité ou mostrar a vida como ela acontece).
Primeira conclusão. No próximo artigo, faremos a avaliação da influência que estes nomes terão tido, ou não, no screen journalism de Robert Drew. De momento diremos que se o trabalho de Edward R. Murrow em See I Now representa a matriz daquilo que, de um modo mais ou menos fiel à sua fórmula, viria a ser o documentário jornalístico de televisão, Robert Drew é o intérprete da tentativa de justamente contrariar a fórmula de Murrow propondo a sua substituição por um documentário que devolvesse o primado à imagem na enunciação jornalística. Tendo ou não consciência disso, Drew aproximava-se daquilo que os canadianos de língua inglesa do National Film Board vinham fazendo desde 1958, nomeadamente na série documental para televisão Candid Eye. Pela mesma altura, é bom lembrá-lo, quer no cinema quer na televisão, multiplicavam-se as tentativas de recuperar a espontaneidade do real através da observação. Tal como Murrow, mas por outras razões, Drew viria a ser um perdedor, não conseguindo que o seu método se impusesse. Para já, fica esta ideia; as câmaras de 16mm com som síncrono proporcionaram uma abordagem do cinema documental no limiar daquilo a que poderia chamar-se uma utopia do real. Roberto Drew teve um papel central nessa revolução.
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