Um Fascinante Jogo de Máscaras
Sorge, de um fôlego: combate pelo exército imperial alemão na I Guerra Mundial, fica gravemente ferido, é condecorado com uma Cruz de Guerra, torna-se marxista e adere ao Partido Comunista na Alemanha, faz um doutoramento em Ciência Política, entra para o Comintern, é enviado para instigar a Revolução em diversos países, consegue infiltrar-se e obter o cartão de membro do partido nazi em Berlim, vai viver para Moscovo, é enviado pela União Soviética para Xangai onde cria uma tremenda rede de espionagem, segue depois para o Japão, fazendo-se passar por especialista dos assuntos da região, torna-se íntimo do embaixador do III Reich em Tóquio - e amante da sua mulher - tem acesso a informação ultra secreta que durante anos transmite ao Centro, avisa Estaline da Operação Barbarossa, nome de código da invasão da URSS pela Wehrmacht e seus aliados do Eixo, em suma, um tipo com uma vida tão assombrosa tinha de ficar para a História como o mais formidável espião de todos os tempos. Richard Sorge ou Ramsey, o mais conhecido dos seus nomes de código, tinha, obviamente, características pessoais singularíssimas: bebedor incorrigível, amante insaciável, viciado na velocidade das suas motos e automóveis, orador brilhante, intelectual de altíssima craveira, jornalista respeitado, indefectível comunista: sentia-se na vertigem do perigo como peixe na água. de tal modo que no jogo do gato e do rato iniciado com os processos de Moscovo, na sequência dos quais foram executados sucessivamente seis diretores do seu Comando - os seus superiores - Sorge conseguiu escapar à purga. não escapou foi à polícia japonesa. preso no final de 1941, seria enforcado em 1944. pensou até ao fim que a URRS acabaria por resgatá-lo. nunca soube, embora suspeitasse, que Estaline o considerava um agente duplo, mandando para o cesto do lixo as suas informações. subiu ao patíbulo com vivas à Revolução. foi reabilitado após o XX Congresso do PCUS e considerado herói da União Soviética. a história de Sorge tem sido contada de muitas maneiras ao longo dos anos. em ensaios, no cinema, na literatura. este livro de Owem Matthews, porém, recolhe informações só há pouco tornadas públicas, designadamente dos arquivos da polícia secreta russa. por vezes, apresenta dados contraditórios. eu diria que, tratando-se de espionagem, isso é natural. vale a pena lê-lo pelo que revela sobre os meandros da política, sobretudo agora quando a invasão da Ucrânia é representada de modo simplificadamente maniqueísta. já agora, este leitor leu muito sobre espiões. adora o tema. o que de mais fascinante encontrou neste livro foi o jogo de máscaras, sempre uma chave para ler a guerra e o mundo.