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   viagem pelas imagens e palavras do      quotidiano

NDR

  • Foto do escritor: Jorge Campos
    Jorge Campos
  • 6 de abr.
  • 14 min de leitura

 

Este texto foi escrito para a edição em português e inglês do livro comemorativo dos 10 anos do Ciclo de Fotografia e Cinema Documental Imagens do Real Imaginário (IRI). Publicado em 2013 pelo Instituto Politécnico do Porto, o livro tem excelentes contribuições de colegas e um design extarordinário de Vitor Quelhas. Sendo pouco habitual encontrar um trabalho desta envergadura no contexto escolar, teve grande impacto e esgotou rapidamente. Esta é a versão portuguesa do texto – a inglesa já foi publicada - no qual faço um resumo da primeira década do Ciclo. As fotografias são de estudantes dos cursos de Cinema e Fotografia, designadamente, Marta Ferreira, Luís Kasprzykowski, Pedro Nuno Pacheco e Tiago Santos. Algumas das edições do IRI estão amplamente documentadas no segmento Programação de narrativasdoreal.com. Outras, não houve como recuperá-las, embora ainda tenha alguns documentos nos meus arquivos, designadamente a reflexão que fiz sobre a ligação das escolas de Artes ao meio em que estão inseridas, bem como, complementarmente, sobre o indispensável foco na internacionalização. Embora já retirado há alguns anos, foi com prazer que em 2024 participei na XX edição do IRI.

 


Vida (1993) de Artvazd Pelechian, cineasta cujos filmes foram recorrentes em Imagens do Real Imaginado.
Vida (1993) de Artvazd Pelechian, cineasta cujos filmes foram recorrentes em Imagens do Real Imaginado.

Quando no IRI se falou de Raymond Depardon
Quando no IRI se falou de Raymond Depardon
Quando o IRI estreou Santa Liberdade (2004) de Margarida Ledo Andión
Quando o IRI estreou Santa Liberdade (2004) de Margarida Ledo Andión

Ao fazer o levantamento dos 10 anos deste ciclo de Fotografia e Cinema Documental, ao qual foi dado, via Chris Marker, o nome de Imagens do Real Imaginado (IRI), pude aperceber-me, não sem surpresa, da amplitude do percurso, por vezes improvável, que nos trouxe até aqui. É verdade, como costuma dizer-se, que a necessidade aguça o engenho. Mas não foi só isso. Foi, também, a percepção de um mundo em mudança acelerada, cujas representações, em consequência de tecnologias que densificam as possibilidades da significação, tanto valorizam a especificidade de cada uma das artes, quanto postulam a apropriação de umas pelas outras. Foi ainda, e sobretudo, a convicção da necessidade do ensino superior artístico acompanhar os sinais do tempo e, nessa medida, ousar incursões em caminhos novos num processo ininterrupto de fazer, questionar, desfazer e voltar a fazer, perseguindo a ideia de acrescentar conhecimento ao conhecimento através da imaginação criadora e, desse modo, melhorar a nossa relação com o mundo.

 

Há 10 anos, quando demos os primeiros passos desta aventura, definimos como prioridades: reforçar a ligação da escola à comunidade e ao meio profissional; estabelecer parcerias; fomentar a internacionalização; criar uma plataforma capaz de apoiar e promover a massa crítica indispensável ao aparecimento de novos cursos, nomeadamente um Mestrado em Comunicação Audiovisual, num contexto profissionalizante, centrado na teoria e prática da Fotografia e do Cinema. Tudo isso foi feito. Todavia, não o foi bastante. Pela simples razão de que quanto mais se faz tanto mais e melhor se quer e pode fazer. Sim, tem tudo a ver com essa utopia de que fala Eduardo Galeano:

 

“Me acerco dos pasos, ella se aleja dos pasos. Camino diez pasos y el horizonte se corre diez pasos más allá. Por mucho que yo camine, nunca la alcanzaré. Para que sirve la utopia? Para eso sirve: para caminar.”


Jorge Campos - Professor, Cineasta e Curador.
Jorge Campos - Professor, Cineasta e Curador.
Olívia da Silva - Professora e Curadora (Fotografia).
Olívia da Silva - Professora e Curadora (Fotografia).

José Quinta Ferreira - Professor and Producer.
José Quinta Ferreira - Professor and Producer.

Huw Davis e Cesário Alves, Professor e Fotógrafo.
Huw Davis e Cesário Alves, Professor e Fotógrafo.


Mastercass de Huw Davis sobre a relação da imagem fixa com a imagem em movimento, umas questões centrais num ciclo que durante dez anos foi de Fotografia e Cinema Documental.
Mastercass de Huw Davis sobre a relação da imagem fixa com a imagem em movimento, umas questões centrais num ciclo que durante dez anos foi de Fotografia e Cinema Documental.

Por isso, caminhamos. Caminhamos com o sentido de pertença a uma escola que sendo de uma cidade cabe no mundo. E caminhamos em boa companhia. Ao longo do percurso, nunca os artistas, agentes culturais e escolas parceiras deixaram de estar presentes neste Ciclo, contribuindo com as suas utopias para a nossa própria utopia. Na verdade, crescemos uns com os outros, pensamos uns com os outros, resistimos uns com os outros e, desse modo, tecemos uma rede de cumplicidades sem a qual o IRI simplesmente não seria possível ou, sendo, seria substancialmente diferente daquilo em que se transformou: um fórum de reflexão – portanto, de revelação – que assume o real como ponto de partida para interpelar o mundo de todas as imagens. Do Cinema, da Fotografia, das Artes Digitais.

 

Uma ferramenta, portanto, para anotar, actualizar, descodificar e recriar os sinais do tempo, muitas vezes recuperando a memória de outros caminhos, outras vezes ousando caminhos novos, atenta, sempre, à centralidade e à semântica variável da imagem num mundo que precisa de ser lido: imaginado. Foi um longo caminho. O que se segue é uma viagem breve pelas sucessivas edições do IRI que recupera fragmentos dos textos de alguns programas e permite ter uma ideia do modo como o Ciclo foi sendo construído.






Nuno Tudela, Professor e Cineasta
Nuno Tudela, Professor e Cineasta




Mark Durden, Fotógrafo, Escritor e Professor, uma presença habitual no IRI
Mark Durden, Fotógrafo, Escritor e Professor, uma presença habitual no IRI

 

Retrospectivamente.

 

Há 10 anos, a 1ª edição do IRI em 2004 chamou-se Um outro modo de dar a ver o mundo. Entre outras participações, Margarida Ledo Andión veio estrear o seu filme Santa Liberdade, um documentário sobre um episódio célebre da luta antifascista em Portugal, a tomada do paquete Santa Maria por um grupo de resistentes sob o comando do capitão Henrique Galvão. A propósito desse filme, e de alguns outros, falou-se essencialmente de narrativas, nomeadamente do filme documentário em contraponto com a lógica do discurso televisivo:

 

“(...) Ideologicamente dominante na sua relação com os outros media, a televisão proclama critérios jornalísticos de objectividade, os quais têm correspondência em sistemas de representação pré-determinados. A agenda informativa – em função da qual se induz uma certa construção da realidade – é, por isso, um instrumento ao serviço de uma visão do mundo que lhe é pré-existente. O documentário procede de modo diferente. Nem se pretende objectivo nem reclama qualquer verdade, salvo a do autor. Pelo contrário, afirma-se pela diferença que consiste no reconhecimento de um ponto de vista singular (...).

 

Na edição de 2005, Labirintos do Olhar – como, de resto, em todas as seguintes – o problema da narrativa conheceu novas declinações, nomeadamente em termos de ensino, uma vez que se concretizou um primeiro Encontro de Escolas de Cinema com o apoio do Consulat Géneral de France e a participação, entre outras, da École Supérieur d’Audiovisuel de l’Université de Toulouse. Para mais, esta edição veio na sequência de uma outra iniciativa do Curso de Tecnologia da Comunicação Audiovisual, na altura ainda não integrado na ESMAE, chamada “Pensar a Imagem”, que contou, entre outras presenças, com o cineasta José Luís Guérin, autor de referência numa área que poderia ser identificada com a do cinema puro.

 

Depois, em 2006, o Mundo trouxe olhares cruzados sobre imagens de diversos pontos do globo. Mercedes Alvarez apresentou o seu filme multi-premiado El Cielo Gira; o cineasta indiano Rahul Roy discutiu o documentário da sua autoria The City Beautiful; Gustav Deutsch, cineasta e artista multimédia, deu conta do seu trabalho World Mirror Cinema; e Mark Durden problematizou a fotografia documental em Paul Seawright e Luc Delahaye. No texto introdutório da programação, a concluir, lia-se:

 

“Mais do que dar respostas, o ciclo Imagens do Real Imaginado propõe-se motivar a interpelação, suscitar dúvidas e, se possível, pela via da surpresa, seduzir e até gerar perplexidade: não será esse o processo mais estimulante para induzir a vontade do conhecimento, seguindo o labirinto que passa pelo prazer do texto?”

 



Maria do Carmo Serém, Abi Feijó e Sérgio C. Andrade em Olhares sobre a Cidade.
Maria do Carmo Serém, Abi Feijó e Sérgio C. Andrade em Olhares sobre a Cidade.

Masterclass de Cristina Susigan: “A Apropriação da Arte como resposta à Crise Narrativa”.
Masterclass de Cristina Susigan: “A Apropriação da Arte como resposta à Crise Narrativa”.

Richard Zimmler fala sobre A Valsa de Bashir (2008) de Ari Folman.
Richard Zimmler fala sobre A Valsa de Bashir (2008) de Ari Folman.

Masterclass de José Azevedo: “Documentário interativo: inovações e reciclagens”.
Masterclass de José Azevedo: “Documentário interativo: inovações e reciclagens”.

Adriano Miranda, fotojornalista do Pública, antes da entrevista, uma prática recorrente no IRI
Adriano Miranda, fotojornalista do Pública, antes da entrevista, uma prática recorrente no IRI

Christian Rouaud o cineasta premiado com o César para o Documentário de 2012 por Tous au Larzac (2011), um filme sobre a luta dos camponeses dessa região contra o governo francês que queria as suas terras para nelas construir uma nova base militar. Foi uma luta de homens e mulheres com tratores à frente de um exército de ovelhas que chegou a Paris. A luta durou 10 anos e saiu vitoriosa. Episodicamente, a televisão fez referência ao assunto, mas já nessa altura Rouaud via nela um medium cada vez mais distante de promover representações credíveis do real. Pelo contrário, segundo Rouaud, poder-se-ia falar até de uma desrealização progressiva a resvalar para uma propaganda, por vezes, construída a partir do falso. Tous au Larzac passou no IRI 2012.
Christian Rouaud o cineasta premiado com o César para o Documentário de 2012 por Tous au Larzac (2011), um filme sobre a luta dos camponeses dessa região contra o governo francês que queria as suas terras para nelas construir uma nova base militar. Foi uma luta de homens e mulheres com tratores à frente de um exército de ovelhas que chegou a Paris. A luta durou 10 anos e saiu vitoriosa. Episodicamente, a televisão fez referência ao assunto, mas já nessa altura Rouaud via nela um medium cada vez mais distante de promover representações credíveis do real. Pelo contrário, segundo Rouaud, poder-se-ia falar até de uma desrealização progressiva a resvalar para uma propaganda, por vezes, construída a partir do falso. Tous au Larzac passou no IRI 2012.

 

Esse prazer do texto associado à Fotografia, ao Cinema e agora também a uma ideia de transversalidade, voltou a ser objecto de atenção na edição de 2007, Olhares sobre as Cidades. Como o título sugere tratou-se de uma viagem pelas representações de experiências em diferentes lugares. Fernando Lopes, tomando como referência Belarmino, falou de Lisboa. Helmut Farber também se referiu a Lisboa, mas a partir de Lisbon Story de Wim Wenders. E, ainda, a Berlim a propósito de Berlin, die Sinfonie der Grosstadt de Ruttman e de Berlin, Im Lichtbild der Grosstadt de Manfred Wilhelms. Sobre o Porto e Paris tomou a palavra Manoel de Oliveira que comentou o seu Douro Faina Fluvial e Petit à Petit de Jean Rouch. Gérard Collas, Abi Feijó e Jean-Luc Antonucci abordaram questões do cinema. Sobre a fotografia debruçaram-se, entre outros, Georges Dussaud, Olívia da Silva, Cláudia Fischer, Virgílio Ferreira e Maria do Carmo Serém. Num registo mais experimental, Mike  Hoolboom. Em todos, um denominador: a imagem:

 

“(...) a imagem, por natureza, é polissémica. E o discurso, sendo uma prática expressiva da linguagem com vista à produção e circulação social de sentido, tem uma pluralidade equivalente à de quem o produz. Por isso, a narrativa, ou seja, a criação de um universo imaginário apoiado em lugares, acontecimentos e personagens, porque resulta do discurso, faz a refracção do olhar de muitas e variadas maneiras.”

 

Com esta edição ficou consagrada a matriz identitária do IRI: proporcionar aos estudantes o contacto com autores e obras fundamentais; rigor na abordagem das matérias; qualidade dos intervenientes; valorização das parcerias criativas; prosseguimento de uma estratégia de criação de novos públicos associada à possibilidade de circuitos alternativos com reflexos, a prazo, no aparecimento de novos criadores. Para tanto, situar as possibilidades combinatórias das múltiplas representações programadas no quadro de um jogo tanto quanto possível inesperado. Por exemplo:

 

“A América, diz Braudillard, é um país cinematográfico. A cidade americana parece ter saído, viva, da sala de cinema: “Por isso, para aprender o segredo, não se deve ir da cidade ao ecrã, mas sim do ecrã à cidade.” Segredo é, portanto, a palavra chave do cinema. É impossível ficar-lhe indiferente porque dela se espera que em si mesma contenha o seu contrário: revelação. E o mesmo sucede com a fotografia, esse argumento sobre o mundo em pinceladas de luz convidando à viagem que, como diria Cartier-Bresson, viajante infatigável, põe na mesma linha de mira a cabeça, o olho e o coração.”

 


Masterclass de Patrícia Nogueira: Utopia da Representação.
Masterclass de Patrícia Nogueira: Utopia da Representação.

Patrícia Nogueira: apresentação do seu documentário 3 Horas para Amar.
Patrícia Nogueira: apresentação do seu documentário 3 Horas para Amar.


Nigel Orillardd, cineasta, argumentista e professor universitário, uma presença recorrente em Imagens do Real Imaginado. Aqui em A Crise (2012). Masterclass: “Americana: Writing with Actors. Methods for connecting the narration of Political Crisis to Personal Crisis in the development of a Political Thriller”.
Nigel Orillardd, cineasta, argumentista e professor universitário, uma presença recorrente em Imagens do Real Imaginado. Aqui em A Crise (2012). Masterclass: “Americana: Writing with Actors. Methods for connecting the narration of Political Crisis to Personal Crisis in the development of a Political Thriller”.



 

Edição de 2008, O Poder da Imagens. Manoel de Oliveira voltou a ser o convidado de referência, na companhia de fotógrafos, cineastas e ensaístas tão qualificados quanto Val Williamas, Christian Milovanoff, Ray Müller, Hulrich Hagele, José Manuel Costa, Fátima Lambert, António Pedro Vasconcelos e Fréderic Sabouraud. A programação, muito diversificada, passou pelas curtas de Oliveira, pela fotografia e pelo cinema do III Reich, pelo documentário português pós-revolução de Abril, confrontando memórias do passado com testemunhos do presente. No centro do debate, naturalmente, o poder das imagens:

 

“Concreta e não geral como o termo linguístico, a imagem comunica todo um conjunto de emoções e significados como que obrigando a captar instantaneamente um todo sensorial indiviso. Então como lidar com ela, agora, no mundo das propagandas silenciosas e das máquinas censurantes? Fazendo das suas narrativas um convite à reflexão ou sucumbindo, talvez com deleite, ao fascínio da hipnose?”

 

Esta edição consolidou o conceito do IRI. Dinâmico na sua concepção, ciente da necessidade de mudar consoante a indispensável actualização e crescimento dos cursos ministrados, o IRI passou não só a integrar os planos curriculares do Departamento de Artes da Imagem mas, também, sendo um programa de escola, tornou-se numa montra privilegiada dos trabalhos dos alunos e num lugar adequado a ao desenvolvimento de experiências pedagógicas no âmbito de um ensino artístico cada vez mais ligado à comunidade:

 

“(...) é um trabalho de perseverança, cujos resultados são já visíveis, nomeadamente nos prémios nacionais e internacionais que os nossos alunos e ex-alunos vêm obtendo, bem como no reconhecimento que decorre dos convites para efeito de participação em numerosas iniciativas. Mas, este é um trabalho feito também a pensar no público em geral. Não faria sentido ter Manoel de Oliveira, Fernando Lopes, José Luís Guérin, Mark Durden, Mercedes Alvarez, Mike Hoolboom, Helmut Farber, Rahul Roy, Gérard Collas, Georges Dussaud e tantos outros convidados de edições anteriores e encerrá-los num conclave meramente académico. Não há escola, aliás, sem abertura para a vida e sem espaço para a imaginação.” 

 

Ano seguinte, 2009, Rosto Transversal. Cumpriu-se o objectivo de criar um Mestrado em Comunicação Audiovisual com duas especializações, uma em Fotografia e Cinema Documental, outra em Produção e Realização Audiovisual. Na programação: integral das curtas de Agnés Varda, enfoque em filmes de Werner Herzog e Pedro Sena Nunes; um conjunto de participantes de primeiro plano, nomeadamente, John Gotto, Floréal Peleato, Regina Guimarâes e Mark Durden.

 

Depois, em 2010, Open Documentary: uma retrospectiva de Alain Resnais e uma selecção de filmes de animação alemães de última geração, especialmente interessante para os estudantes do Curso de Tecnologia da Comunicação Multimédia; a participação, entre outros, de Sarah Pink, Susana Sousa Dias, André Eckert, Adriana Baptista e de Margarida Ledo Andión. Outro ano volvido, 2011, O Cinema e as Artes: Apresentação da obra integral de Jacques Démy, cineasta que se apropriou de todas as artes; presentes, nomeadamente de Luís Filipe Rocha, Mark Durden, José Ribeiro e Miguel Anxoprado, um dos grandes mestres da banda desenhada:

 

“De há muito o cinema aprendeu a conviver com as outras artes. (...) Esta relação sempre foi dinâmica e contraditória. Hoje, porém, adquire interesse renovado, posto que parece assentar no processo ininterrupto de descoberta de uma cartografia resultante da apropriação recíproca das diferentes artes que se liga à ideia de crise.”

 



O historiador Manuel Loff a discorrer sobre o poder das imagens.
O historiador Manuel Loff a discorrer sobre o poder das imagens.



Eduardo Paz Barroso, professor, José Alberto Pinheiro, professor e cineasta, e o escritor Mário Cláudio sobre Banda Desenhada.
Eduardo Paz Barroso, professor, José Alberto Pinheiro, professor e cineasta, e o escritor Mário Cláudio sobre Banda Desenhada.



Pedro Senna Nunes, Cineasta e Professor, um imprescindível do IRI.
Pedro Senna Nunes, Cineasta e Professor, um imprescindível do IRI.



Bernardo Pinto de Almeida, Laura Afonso, Jorge Campos, António Quadros Ferreira, Fátima Lambert em Homenagem a Nadir Afonso.
Bernardo Pinto de Almeida, Laura Afonso, Jorge Campos, António Quadros Ferreira, Fátima Lambert em Homenagem a Nadir Afonso.



António Quadros Ferreira na apresentação do livro NADIR 16.11.10.
António Quadros Ferreira na apresentação do livro NADIR 16.11.10.

2012. Justamente, A crise - Narrativa da Crise/ Crise da Narrativa. Com uma intervenção via Skype para o Auditório da Biblioteca Almeida Garrett de Nina Maria Paschalidou da Pyramid TV da Grécia e imagens de narrativas alternativas da autoria de independentes sobre a situação naquele país. Mais: Mark Durden – A Crisis in Photography - Joachim Schmid’s Rogue Aesthetics; Olívia da Silva – Do invisível ao visível; Adriano Miranda – 12.12.12; Nigel Orillard – Americana: Writing with Actors. Methods for connecting the narration of Political Crisis to Personal Crisis in the development of a Political Thriller; Cristina Susigan – A Apropriação da Arte como resposta à Crise Narrativa; José Azevedo – Documentário interativo: inovações e reciclagens: Fátima Lambert – “Arquitectura da Destruição": quando o ditador quis ser curador; Dimitris Andrikopoulos – Experimentar a música, interpelar a imagem; José Miguel Ribeiro – A viagem que me trouxe até aqui.

 

A listagem completa das masterclasses desta edição remete para o facto de revelar, de acordo com a filosofia do IRI, como o tema da crise foi declinado de modo a abranger uma pluralidade de territórios, os quais, passando pela fotografia e pelo cinema, autorizaram incursões na web, na música, na animação e no universo multimédia:

 

(...) se a retórica política nos interessa enquanto narrativa da crise, a verdade é  que procuramos ir ao encontro dela de modo diferido, digamos assim, sendo que chegar até aí passa pela exploração de representações simbólicas da memória de outras crises, do passado olhado como presente que é já futuro, de um aqui e agora narrado com recurso a ferramentas e linguagens transversais num registo do qual a experimentação e a imaginação criadora são elementos cruciais da interpelação e do entendimento do mundo.”

 

Este modo de dar a ver, articulado com a projecção comentada de filmes, fotografias e instalações, resultou numa diversidade de olhares que cruzaram o ponto de vista dos criadores com o dos especialistas e do público. Pedagogicamente, tratou-se – e trata-se – de uma experiência tanto mais interessante quanto é certo que aos estudantes foi dada a possibilidade de se apresentarem, eles próprios, como criadores. Na verdade, se edições anteriores tinham já contado com numerosos trabalhos escolares – bem como de professores –, nesta edição de 2012 não só as provas públicas de Mestrado se realizaram no âmbito da programação, mas também os trabalhos produzidos foram exibidos perante um público que, de ano para ano, tem vindo a marcar presença de forma crescente.

 

Um outro dado relevante: a colaboração crescente entre os cursos da ESMAE traduzida, por exemplo, na elaboração e interpretação ao vivo de música para filmes. E as consequências que daí advém em termos dos estudantes de composição musical poderem participar em projectos dos seus colegas do Mestrado em Comunicação Audiovisual.

 



Foto de Nadir Afonso da autoria de Olívia da Silva utilizada no documentário O Tempo não Existe de Jorge Campos.
Foto de Nadir Afonso da autoria de Olívia da Silva utilizada no documentário O Tempo não Existe de Jorge Campos.

Elsa Cerqueira apresenta O Tempo não Existe.
Elsa Cerqueira apresenta O Tempo não Existe.
Masterclass de Dimitris Andrikopoulos, autor da música de O Tempo não Existe: Experimentar a música, interpelar a imagem.
Masterclass de Dimitris Andrikopoulos, autor da música de O Tempo não Existe: Experimentar a música, interpelar a imagem.

Prospectivamente.

 

E assim chegamos aos 10 anos. Por alguma razão, escolhemos para a edição de 2013 este tema/ título: Utopia(s). E é simples perceber porquê. Se a utopia é o caminho que fazemos, então há que caminhar. Continuar a caminhar. Tão simples quanto isso. Assim sendo, que outro artista poderia ilustrar melhor esse propósito do que Manoel de Oliveira, o nosso maior cineasta? Quem não conhece o caminho por ele percorrido? Ele que aos 23 anos fez um filme que é hoje património do imaginário da cidade do Porto – Douro, Faina Fuvial – e que aos 104 anos prossegue a aventura de fazer cinema com a ousadia de espírito que faz dele o mais jovem dos cineastas portugueses? Ele é, portanto, pelo que representa para o cinema e para a cidade, a figura central deste ciclo. E sobre ele escreve Mário Cláudio, outro grande mestre, das Letras, num texto ao qual deu o nome de “Manoel de Oliveira, um chão comum.”

 

Há, depois, outras utopias (e distopias) que atravessam o IRI 2013. Por exemplo, as reportadas nos filmes de carácter político e social de Christian Rouaud, o cineasta vencedor do César para o melhor documentário em 2012, justamente Tous au Larzac, constante da programação. Também as utopias, traduzidas em filmes seleccionados, que animam o Curtas de Vila do Conde, o Cinanima e o Cineclube do Porto. Mais as utopias de tantos fotógrafos, cujos olhares nos devolvem os sinais do tempo. Ainda o projecto Utopia do músico e compositor Dimitris Andrikopoulos. E, finalmente, mas não menos importante, as utopias de todos os outros participantes, especialmente dos estudantes, cujo futuro depende do sentido que forem capazes de dar ao seu caminho.



Edição comemorativa do 10º aniversário do IRI. Design de Vítor Quelhas.
Edição comemorativa do 10º aniversário do IRI. Design de Vítor Quelhas.



Edição comemorativa do 20º aniversário do IRI. Design de Vítor Quelhas.
Edição comemorativa do 20º aniversário do IRI. Design de Vítor Quelhas.

Manoel Oiveira, o cineasta que mais vezes esteve no IRI.
Manoel Oiveira, o cineasta que mais vezes esteve no IRI.

Para terminar. Se de início tínhamos determinados objectivos, agora temos numerosos planos. Nem mais. Bem sabemos das dificuldades do presente e do trabalho insano que é manter o ensino superior artístico num quadro de expectativas razoável. Mas até por isso, e porque é indispensável reinventar o presente para garantir o futuro, importa que o Ciclo de Fotografia e Cinema Documental Imagens do Real Imaginado continue a aprofundar os seus propósitos fundadores e a ser capaz de se repensar a cada ano que passa, de modo a dar corpo a novos projectos.

 

Um deles é a criação de um Mestrado em Artes Digitais. Outro, promover com carácter de regularidade a publicação de artigos, tendo em vista a projecção internacional do Departamento de Artes da Imagem da ESMAE. Outro ainda, colocar on line o acervo das contribuições do IRI num lugar, aliás, já criado, de modo a constituir um banco de dados cuja consulta possa servir quer a comunidade escolar quer o público em geral. Finalmente, fazer crescer este IRI de modo a fazer dele um espaço cultural incontornável não só da cidade do Porto, mas também além-fronteiras. Porque não um ponto de encontro onde a produção de escolas da lusofonia possa ter um palco regular e, nessa medida, constituir-se, a médio prazo, numa plataforma de intercâmbio e de aproximação entre os povos?

 

Utopia, dir-se-á. Sem dúvida. Por isso, recupero Galeano:

 

Somos lo que hacemos, y sobre todo lo que hacemos para cambiar lo que somos.” 

 

 

Jorge Campos, Ph.D

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Atualizado: 6 de abr.


"Il vaut mieux rêver sa vie que la vivre, encore que la vivre, ce soit encore la rêver."

 

                                                                                                           Marcel Proust

 

 

Um belo dia, não sei exatamente quando, alguém me sugeriu a realização de um documentário sobre Mário Cláudio. Faria parte, tanto quanto me recordo, do conjunto de iniciativas pensado para as comemorações dos seus 50 anos de vida literária. Esse tipo de trabalho não me era estranho. Concedeu-me a sorte biografar para a televisão diversas figuras proeminentes da cultura portuguesa. Com todas elas, durante o processo de construção da narrativa, aconteceu, não diria algo de extraordinário, mas de relativa surpresa posto ter encontrado como denominador comum a ideia difusa, todavia inquestionável, de há muito as conhecer. Com Mário Cláudio não foi assim. Continuo sem saber bem porquê, sendo certo, no entanto, quando penso no assunto, entrever a silhueta furtiva do poeta Tiago Veiga.

 


O escritor em Tocata e Fuga: Os Dias de Mário Cláudio (2016-2021) de Jorge Campos.
O escritor em Tocata e Fuga: Os Dias de Mário Cláudio (2016-2021) de Jorge Campos.
Repérage em Venade, Paredes de Coura.
Repérage em Venade, Paredes de Coura.

 

Este texto reporta a essa experiência de quase quatro anos de duração, intermitente, devido a dificuldades relacionadas com a montagem do projeto, pese embora a história ter sido pensada inicialmente de modo a sugerir ocupar-se apenas de três dias consecutivos na vida do escritor. De tão dilatado período de execução resultou a necessidade, na parte final, de proceder a uma actualização em função de situações entretanto verificadas. Começarei aqui pela questão do nome do autor, depois falarei de duplos, mais ou menos oblíquos, somando referências literárias a procedimentos de índole cinematográfica. Quem souber da biografia de Tiago Veiga (2011) e tiver visto Tocata e Fuga: Os Dias de Mário Cláudio poderá encontrar algum interesse no que se segue. Quem não souber e não tiver visto, também, se a interação de palavras, frases e parágrafos, associada a planos, cenas e sequências, puder de, algum modo, estimular a imaginação.

 

O documentário tem um início festivo, apesar de o ecrã surgir a negro. Em fade in, de pé e enquadrado de costas, ao centro, surge destacado o escritor. Percebe-se que escreve, saber-se-á, depois, num inseparável bloco de notas. A profundidade de campo permite identificar um coreto. Em cima do coreto uma banda. Um maestro. A música, primeiro em surdina, logo se torna exuberante. Corte para o maestro, grande plano. Corte para Mário Cláudio: grande plano.

 


Mário Cláudio e a banda no coreto.
Mário Cláudio e a banda no coreto.
O inseparável caderno de notas.
O inseparável caderno de notas.
Início: o maestro.
Início: o maestro.

 

nomes. Ao contrário de Miguel Torga e de Eugénio de Andrade, dois dos meus biografados, Mário Cláudio filho de uma família da burguesia do Porto, veio ao mundo em berço de ouro, como antigamente se dizia. Torga, o médico Adolfo Correia da Rocha, um transmontano de São Martinho de Anta, foi buscar o pseudónimo a uma pequena planta bravia, dir-se-ia invencível, dada a resiliência, abundante na sua terra natal. Tudo o que o rodeava, a começar pela confortável mas austera casa de Coimbra, era revelador de uma devoção sem limites ao propósito de escrever. Torga serve na perfeição ao escritor e ao homem que conheci. Quanto a Eugénio de Andrade chamava-se ele, na verdade, José Fontinhas e era funcionário da Segurança Social, nascido na Póvoa da Atalaia, pequena aldeia da Beira Baixa. Tinha parcos bens e habitava, na companhia de um gato, um pequeno apartamento despojado, para os lados de São Lázaro, no Porto. Ignoro a razão da escolha do pseudónimo literário que o projetou como um dos poetas mais amados, lidos e traduzidos de Portugal. A Mário Cláudio, foi dado o nome de Rui Manuel Pinto Barbot da Costa, mais tarde licenciado em Direito e com esse nome autor de um ensaio intitulado Para o Estudo do Analfabetismo e da Relutância à Leitura em Portugal (1979). Habita ele não uma, mas duas casas, uma no Porto, outra em Paredes de Coura, tão repletas de sinais reveladores de um certo estilo barroco quanto os primorosos textos saídos da sua mão. Tanto quanto julgo saber, a mudança de nome deve-se tão somente ao facto de ser outro aquele que escreve, segundo ele, mesmo quando escreve sobre si mesmo, diria eu. É aqui, não sendo pseudónimo nem heterónimo, que entra Tiago Veiga. 

 

Tiago Veiga (2011) é uma obra com cerca de 800 páginas na qual nos é proposto conhecer, finalmente, um dos nossos poetas mais notáveis, todavia, pouco conhecido, em parte, suponho eu, por vontade própria, ou não tivesse ele vivido uma vida tão singularmente tecida de sobressaltos, enganos e labirintos. Já nos primeiros anos deste século, quem pela primeira vez me falou da personagem, aliás, pouco ou nada dela sabendo, foi Manuel António Pina, numa daquelas então já raras tertúlias do Café Piolho, no Porto, onde outrora meio mundo se juntava para dar à língua sobre os motivos mais diversos, fossem eles pertinentes ou extravagantes. Referiu Pina a originalidade de Os Sonetos Italianos (2003) de Veiga, resgatados por Mário Cláudio, acrescentando ser grande a sua expectativa de saber mais sobre alguém de estatura literária possivelmente comparável à de Pessoa. A conversa ficou por aí e não pensei mais no assunto. Porém, tempos volvidos, chegou às minhas mãos a monumental biografia do misterioso Tiago Veiga - “a vida de um poeta quase desconhecido escrita por um grande ficcionista” - da autoria da única pessoa que poderia ter levado a cabo tamanha empreitada, ou seja, Mário Cláudio. 

 

De uma elegância e erudição invulgares, o livro recupera a memória histórico-cultural do século XX, com ênfase no mundo literário, levando o leitor ao encontro de muitas das suas figuras de maior relevância, justamente, pela mão de Tiago Veiga. Este, porém, sempre desconfiado de eventuais benesses que esses conhecimentos pudessem trazer-lhe, sobretudo nas Letras, mostraria desconforto no convívio com os pares, à excepção, porventura, de Teixeira Gomes, com quem privou em Londres, na juventude, embora num processo de gradual afastamento. Apesar da roda da fortuna lhe ter sido favorável nos momentos mais críticos, quando tudo parecia desmoronar-se à sua volta, o homem viveu sempre na esfera das reticências. Foi assim desde o dia em que veio ao mundo. À mãe, uma adolescente de nome Berta Maria, fizeram-na sair grávida, às escondidas, de Venade, Paredes de Coura, onde vivia, para ir parir nos confins de Castro Laboreiro, clandestina e horrendamente. Ao pai, um rapazola mal afamado, filho de Ana Plácido e de Camilo Castelo Branco, perdeu-se-lhe o rasto. E ao menino, nascido do pecado, foi dado o nome de Inácio, ao qual se acrescentaria Manuel dos Anjos, mas não o apelido paterno. Assim começou a saga de Tiago Veiga, o “infante algo bravio”, criado por duas tias na Casa dos Anjos, futuro poeta viajante de temperamento incerto, difícil para si próprio e para quem com ele haveria de lidar.

 

Tiago Veiga (2011) de Mário Cláudio: A vida de um poeta quase desconhecido escrita por um grande ficcionista.
Tiago Veiga (2011) de Mário Cláudio: A vida de um poeta quase desconhecido escrita por um grande ficcionista.
Tiago Veiga e Mário Cláudio, Galiza, maio de 1984.
Tiago Veiga e Mário Cláudio, Galiza, maio de 1984.

 

imagens, espelhos. Quando comecei o documentário sobre Mário Cláudio, logo me ocorreu ser ele renomado biógrafo, autor, por exemplo, da chamada Trilogia da Mão, na qual, em três livros, nos fala de Amadeo (1984), Guilhermina (1986) e Rosa (1988) - o pintor Amadeo de Souza-Cardoso, a violoncelista Guilhermina Suggia e Rosa Ramalho, ceramista de Barcelos. Na introdução à sua biografia de Tiago Veiga, escreve: “Quem quer que se atreva à escrita da biografia de uma figura pouco favorecida pela notoriedade, e sobre a qual quase nada se sabe, sujeita-se a enfrentar um enredo de perplexidades.” Para o meu propósito de o biografar a ele, Mário Cláudio, a frase só serviria por metade. Primeiro, o favorecimento pela notoriedade nunca se colocou, visto tratar-se de um dos escritores portugueses mais prolíficos e que maior reconhecimento recolhe. Quanto ao enredo de perplexidades, aí, já a conversa é outra, ou a outra metade.

 

Bastaria entrar na sua casa do Porto para se ficar perplexo com a multiplicação de objetos meticulosamente organizados, nos corredores e nas várias divisões, tão diversos quanto: fotografias de antepassados entre as quais, há uma, desbotada pelo tempo, de Jacinta, a vidente de Fátima; brinquedos da infância como se essa fase da vida continuasse presente no dia a dia; retratos dele próprio, todos muito diferentes, segundo o olhar de artistas plásticos da sua amizade; uma infinidade de livros arrumados com critério, ocupando paredes inteiras de alto a baixo, sobressaindo, pareceu-me, À la Recherche du Temps Perdu de Marcel Proust; máscaras de Veneza alinhadas em prateleiras, eventualmente rostos dele próprio, certamente testemunhos da sua paixão por Itália; uma bela gravura de Gil Teixeira Lopes a fazer lembrar um crucifixo como se fosse uma imagem protetora colocada acima da cabeceira da cama onde dorme; uma profusão de óleos, desenhos, gravuras e serigrafias, de temática e estilo diversos, dando cor às paredes e sentido à sua volta; numerosas distinções literárias traduzidas em recortes, diplomas, estatuetas; os famosos leques com assinatura de notáveis da pintura; na sala de estar, um piano de cauda; na secretária de trabalho, imagens do amigo de sempre, Michael Lloyd, do pai e da mãe.

 

Para se conhecer a história destes últimos, pai e mãe, é preciso saber de António e Maria, personagens de Tocata Para Dois Clarins (2010), uma das minhas fontes primárias. Em 1936, em pleno Estado Novo, iniciaram eles o namoro que, quatro anos mais tarde, havia de os levar ao casamento, do qual nasceria o autor do livro. A viagem de núpcias teria Lisboa como destino. Aí se fazia a Exposição do Mundo Português, ideia megalómana de transplantar as partes do mundo colonial para Belém saída da chamada Política do Espírito do chefe da propaganda, o igualmente megalómano, todavia, genial, António Ferro, amigo de artistas futuristas, como Almada, apaixonado pelo Cinema, visita de Hollywood e autor dos maiores panegíricos sobre Mussolini alguma vez escritos na imprensa portuguesa. Dessa estadia na capital do império, da impressão nela causada, me deu conta a mãe de Mário Cláudio, uma admirável senhora, frágil, com mais de 90 anos, que encontrei ocupada à procura do lugar certo para as peças de um puzzle de grandes proporções, colocado sobre o tampo de uma mesa de estilo, onde se viam caravelas de quatrocentos em fundo azul chumbo a sulcar ondas alterosas, como se dessa busca dependesse um sentido para o mundo e não apenas o sentido de mares nunca dantes navegados. É uma das cenas do filme. Encaixaria, caso fosse possível, no puzzle que é o próprio Mário Cláudio.

 

Vive ele num edifício de três pisos entalado no gaveto de uma rua para os lados da estação do metropolitano da Senhora da Hora, lugar muito concorrido desde as primeiras horas da manhã, com composições lotadas vindas do Porto e de Matosinhos que se cruzam, anunciando, ainda envoltas nos últimos farrapos de neblina, o despertar da cidade. O escritor ocupa o último piso dessa construção de fachada pouco favorecida pelo traço, sendo visível, da rua, a janela do quarto onde dorme. Tem um novo romance na forja. Passou boa parte da noite a trabalhar nele sob o olhar atento de Eugénio de Andrade, presente em dois retratos na parede, o mesmo Eugénio de Andrade, de cujo helenismo, porventura excessivo, Tiago Veiga suspeitava, mas por quem o seu biógrafo nutria admiração e  estima. O livro viria a ser Os naufrágios de Camões (2017): “Que te importa o donde vim, e o aonde vou, se te basta conheceres que escrevo o que ninguém escreve, que invento o que ninguém inventa, e que descubro a cidade que ninguém descobre.”

 

Uma nesga de luz insinua-se através da cortinas da janela do quarto. Toca o despertador. É o início de um dia que se prevê longo. Mais logo, ao fim da tarde, Mário Cláudio vai estar na Escola Superior de Belas Artes para o lançamento de Retrato de Rapaz (2014), o seu último livro, no qual ficciona a turbulenta relação do mestre do Renascimento Leonardo da Vinci com o discípulo, singularmente belo, embora sem grande engenho, Salai de seu nome. Caberá a Alexandre Quintanilha a apresentação. Ainda mal acordado, o escritor trata da higiene matinal, arranja-se com esmero, mas sem vestígio de ostentação. Joaquim, o afilhado dedicado que tantas vezes o acompanha, vai levar o fidelíssimo cão à rua. Dona Helena, que trata da lide da casa, afadiga-se já a preparar o almoço.  A câmara de filmar acompanha a ação. Mário Cláudio sai de casa, no terceiro piso. Estamos a meio da manhã. Desce ele lentamente os degraus da escada em caracol, cujas paredes, tal como no interior da habitação, exibem pintura, havendo, ao longo delas, objetos sem função evidente, de qualquer modo, dando testemunho, uma vez mais, da vida vivida ou sonhada do biógrafo de Tiago Veiga, afinal, a condição do dia a dia dos seus dias. Detém-se diante da porta do apartamento por baixo do seu, habitado pela mãe, retira uma chave do bolso das calças que roda na fechadura, e entra. Encontra-a ocupada com o passatempo habitual, o puzzle. Troca com ela algumas palavras, inteira-se do progresso da construção, depois volta a sair. Maria da Conceição Barbot Costa contar-me-ia, então, a história da infância do seu menino, tendo os costumes do Estado Novo como pano de fundo, e, dir-me-ia, também, da educação dada ao petiz, bem como do tempo em que os namoros eram longos só se materializando em casamento depois de assegurado o indispensável e mútuo conhecimento dos namorados, sem precipitações, como acontece, diz ela, hoje em dia.


Mário Cláudio, a mãe e o puzzle.
Mário Cláudio, a mãe e o puzzle.

 

deriva. Da mãe voltaria a falar-se à noite, do seu estado de saúde, quando da visita de familiares, Luís Filipe Barbot Costa e a mulher, mas falar-se-ia, sobretudo, de Tiago Veiga, o livro. Aqui chegado, permito-me uma deriva, que é, também, uma explicação da razão pela qual não houve recurso a críticos literários ou a exegetas da obra de Mário Cláudio. Nada me move contra uns e outros. Eu próprio, em determinadas circunstâncias, fiz questão de utilizar o saber especializado, como sucedeu em Torga (1994), no qual encontrei em David Mourão Ferreira um narrador excepcional.  De passagem, porque estamos numa deriva, dir-vos-ei ter sido David Mourão Ferreira umas das pessoas mais extraordinárias que conheci. Mas, com razão ou sem ela, tendo a considerar o recurso a especialistas, enquanto método, como um risco, posto poder condicionar, quando não impor, um ponto de vista com ênfase no juízo da obra em detrimento do conhecimento da pessoa. Razão pela qual, neste caso particular, me pareceu mais adequado conversar com os amigos mais próximos e leitores dedicados, aqueles que leem os livros repetidamente, que conhecem e amam a vastíssima obra de Mário Cláudio, e ficam a aguardar, ansiosamente, pelo livro seguinte. Assim são, quer Luís Filipe Barbot Costa, jurista e primo para quem o escritor é o irmão que escolheu, quer Michael Lloyd, professor de inglês, que ao longo da vida tanto o ajudou a entender quem era. Juntando o testemunho da mãe, é, portanto, evidente a opção pelos afetos, algo, diga-se a talhe de foice, que Tiago Veiga parece nunca ter levado muito a sério, fosse pelas circunstâncias da vida pessoal, fosse por estar embrenhado na turbulência de dar corpo a uma obra incomum, a qual, de resto, se manifestaria indissociável do percurso existencial. O percurso de Tiago Veiga, certamente não por coincidência, tem numerosos pontos de contacto com o percurso do seu biógrafo, embora refractado, digamos assim, em função da distinta cronologia inerente ao tempo histórico de cada, mas, também, por causa de uma espécie de jogo perigoso a fazer lembrar a sequência do labirinto dos espelhos em The Lady of Shanghai (1947) de Orson Welles. Quando o tiroteio se instala, talvez abusivamente - e não o diria não fosse esta parte uma deriva -, vem-me à cabeça a ideia de Veiga, de certo modo, ser reflexo de estilhaços de Cláudio.

 


Luís Filipe Barbot Costa, o primo que é como um irmão e que tem Tiago Veiga como livro de cabeceira.
Luís Filipe Barbot Costa, o primo que é como um irmão e que tem Tiago Veiga como livro de cabeceira.
 Retrato de Mário Cláudio por Graça Martins em Tocata e Fuga: Os Dias de Mário Cláudio.
Retrato de Mário Cláudio por Graça Martins em Tocata e Fuga: Os Dias de Mário Cláudio.

 

fantasmas, sombras, júbilo. Em Astronomia (2015), livro autobiográfico dividido em três partes - Nebulosa, Galáxia, Cosmos - Mário Cláudio explora ficcionalmente a sua história de vida e fala, designadamente, da experiência da guerra colonial, nos anos 60, na Guiné, onde Veiga estivera muitos antes, integrado numa missão de saúde pública relacionada com a tripanossomíase, vulgarmente conhecida por doença do sono. O relato dessa experiência li-o como uma espécie de reverberação de fantasmas induzida, porventura, pela minha própria experiência em África, em circunstâncias semelhantes. Escreve ele reportando a si mesmo, na terceira pessoa: “Sentado à mesa metálica da sua burocrática função, analisa processos e processos que se ocupam de desastres em serviço, violações de nativas, furtos de viaturas, orgias homossexuais, e atos de insubordinação, e que propõem para as mais altas condecorações da Pátria heróis que esmagam a cabeça dos meninos no capot do Unimog, ou que espetam a faca de mato na barriga das grávidas.” Sabemos todos do que fala e de quem fala Mário Cláudio, nunca envolvido em ações militantes, todavia, atento ao mundo, exercendo o juízo crítico no plano da cidadania quando entende dever fazê-lo.

 

Está ele agora a ler, primeiro em plano geral, depois em plano próximo. A noite vai adiantada. Silêncio. A objetiva faz um travelling óptico até às cortinas entreabertas da grande janela envidraçada da sala de estar. Lá fora, o negrume. É dele que se levanta, em flashback, a ira, rara no escritor, face ao absurdo da guerra, um texto bruto, cru, associado a imagens difusas de um jovem oficial miliciano no teatro de operações que ora se dissolvem no negro ora emergem dele como se de uma fantasmagoria se tratasse.

 

Recordo que, dias antes da gravação desta cena, fora eu em visita de repérage até Paredes de Coura para para elaborar o plano de filmagens. Tal como sucedera a Mário Cláudio em Janeiro de 1962, também eu subi ao Monte da Senhora da Pena, ao volante, não de um Fiat 1100, mas de um todo o terreno coreano, para finalmente estacionar diante do portão da Casa dos Anjos, em Venade, onde Tiago Veiga habitara intermitentemente e passara os últimos anos de vida. É um casarão antigo com vislumbres de solar aristocrático, erodido pelo tempo, nele parecendo pairar a nebulosa de alguns dos mais próximos do poeta como Hellen Rasmussen, a segunda mulher, saída das brumas da Irlanda, de quem ele pouco terá cuidado. Nem dela, nem do filho de ambos. Deambulando pela casa veio-me à memória a impressão que Tiago Veiga, bem como a sua Casa dos Anjos, haviam causado a Mário Cláudio nesse dia longínquo de Janeiro de 1962 quando, pela primeira vez, se encontraram: “Fui descobrir o nosso homem naquilo que lhe servia de gabinete e biblioteca, uma ampla quadra onde se amontoavam livros e papéis, coexistindo com essa confusão de objectos heteróclitos que ajudam a detectar os picos mais notórios de toda uma história pessoal. Embrulhados em serapilheira, encostavam-se ao que sobrava de paredes rimas de quadriláteros, as quais viria eu a perceber serem os trabalhos de pintura da defunta Ellen Rasmunsen, e à toa pelas prateleiras disseminavam-se bibelots de distintas épocas, e de gosto misturado. (…) Abstendo-se de encetar o diálogo (…) Tiago concedeu-me o tempo necessário à análise discreta do seu habitat.” Foi o que  eu próprio fiz quando entrei na Casa da Ramada de Mário Cláudio, a qual, conjuga a sobriedade rural, evidência das raízes do lugar, com uma dimensão mundana encenada com intrigante imaginação, fazendo lembrar, por contraste, mas também pelo peso de uma discreta genealogia comum inscrita na pedra, a Casa dos Anjos de Tiago Veiga, a quinhentos metros de distância.    

 


No Monte da Senhora da Pena de onde se avista a Galiza.
No Monte da Senhora da Pena de onde se avista a Galiza.
Raízes seculares: Mário Cláudio e Michael Lloyd nas ruas de Tuy, na Galiza.
Raízes seculares: Mário Cláudio e Michael Lloyd nas ruas de Tuy, na Galiza.

 

É domingo. Trata-se de cumprir o último terço do filme. A meio da manhã, vai Mário Cláudio ao volante do automóvel na autoestrada que leva a Valença do Minho, lugar de passagem para Tuy, cujos restaurantes de aprimorada cozinha galega ele gosta de frequentar, não dispensando, igualmente, uma visita à Catedral de Santa Maria, com origem no românico do século XII, bem como ao Mosteiro de Santa Clara, conhecido por Convento das Clarissas ou das Monjas Encerradas para onde, após as aparições de Fátima, foi enviada a vidente Lúcia, de modo a ficar afastada do mundo. No automóvel, a seu lado, segue Michael Lloyd. A conversa recupera memórias de ambos ligadas à paixão comum pela Itália. Vai o dia enevoado, por vezes, cai uma chuva miúda. As escovas do limpa para-brisas como que pontuam o ritmo da viagem. Em frente, o asfalto molhado foge. Ao lado, são altas árvores de florestas antigas que ficam para trás. No tempo e no espaço do ecrã ouvem-se, num excerto de Astronomia, ecos de uma outra viagem: “E chega o momento do rapaz encontrar o rapaz, assim cumprindo um luminoso destino zodiacal. A efeméride desencadeia a rasura das hesitações, e o abraço da verdade, implicativo de árduas, e não raras vezes dolorosas, travessias do dia-a-dia. O outro vem dos nevoeiros nórdicos, terminado o seu percurso de aquisição das sabedorias adequadas ao futuro, realizado numa dessas medievais universidades, de muros de pedra a que as heras se agarram, de torres de relógios dourados que batem as horas certíssimas, e de borracheiras que desaguam no choro convulso, ou na fúria que se liberta pelo escaqueiramento da completa baixela.”

 

Degustados os diversos pratos do almoço opíparo numa casa de apetites em Tuy, faz-se o percurso da zona histórica numa caminhada durante a qual se fala da genealogia de Mário Cláudio, cuja antiga matriz aristocrática de proveniência diversa combina com a honrada ascendência do campo, bem como da sua obra e experiência de vida pela voz de Michael Lloyd que reitera ser o amigo um homem do Porto, crente na transcendência, em busca do sentido do mundo no absoluto do ato de escrever. O registo obedece agora a técnicas de reportagem, cruzando testemunhos, enquanto os dois homens atravessam ruas estreitas ladeadas de casas seculares até chegarem a uma porta lateral do Mosteiro das Encerradas onde Michael Lloyd vai comprar os famosos biscoitos conventuais em forma de peixe. A monja de clausura, uma das quatro ainda ali residentes, faz-se esperar. Quando chega, nunca sendo vista, entrega as guloseimas através de um pequena janela gradeada, enquanto Mário Cláudio, sentado no banco de pedra que acompanha a parede de fundo do átrio do mosteiro, toma notas, como que iluminando a penumbra. Ou produzindo sombras, não sei bem. Até porque também disso se fala em Tiago Veiga, ou fala Mário Cláudio enquanto Tiago Veiga, das zonas de maior incómodo de si mesmo, deixando antever um processo de auto análise, por vezes doloroso ao ponto de roçar a obscenidade, muitas vezes agreste por imperativo de nada ficar por dizer, assim revelando, na sua contingente humanidade, o ser complexo e vulnerável que é.

 

Michael Lloyd encomenda biscoitos conventuais a uma monja de clausura no Mosteiro das Encerradas, em Tuy.
Michael Lloyd encomenda biscoitos conventuais a uma monja de clausura no Mosteiro das Encerradas, em Tuy.
Mosteiro das Encerradas, Mário Cláudio aguarda o amigo. 
Mosteiro das Encerradas, Mário Cláudio aguarda o amigo. 

epílogo. Mário Cláudio escreve dedicatórias na página inicial de Retrato de Rapaz para envio do livro a amigos e oficiais do mesmo ofício. Segue-se uma entrevista de sete minutos, na qual aparece reclinado num canapé. A iluminação acentua discretamente um dos lados do rosto Fala, dos amigos, de ter sido amado, da mãe. A entrevista é como um apêndice criado para suprir falhas e complementar dados. A mãe de Mário Cláudio, Maria da Conceição, bem como a senhora D. Helena, que lhe tomava conta da casa do Porto, tinham, entretanto, falecido. Não chegaram, por isso, a ver o filme. Além do escritor e das senhoras mencionadas, participaram no filme Michael Lloyd, Luís Filipe Barbot Costa, Maria do Rosário Pedreira, Alexandre Quintanilha, Joaquim Luís Melo e eu próprio. Rui Spranger fez a leitura dos textos de Mário Cláudio, Dimitris Andrikopoulos compôs a partitura musical, Pedro Negrão esteve na direcção de fotografia, Alexandra Prezado e Duarte Ferreira no som e Daniela Santos no grafismo. José Alberto Pinheiro, homem dos sete ofícios, tocou vários instrumentos, fazendo, designadamente a produção e montagem. Como sempre, Mário Cláudio continua a escrever a velocidade estonteante, na linha de afinidades que junta Camilo, Aquilino e Agustina, salvaguardadas as distâncias temporais e de estilo, como faz questão de sublinhar.

 


Cartaz do filme de Daniela Santos
Cartaz do filme de Daniela Santos
Início da preparação do filme Tocata e fuga: Os dias de Mário Cláudio.
Início da preparação do filme Tocata e fuga: Os dias de Mário Cláudio.

P.S. Ao pedir-lhe uma biografia sobre a sua pessoa, ou melhor, ao exigi-la, propusera Tiago Veiga a Mário Cláudio “a realização de um reportagem da sua existência, e da sua atividade literária, tocada pela imaginação de quem assumisse a tarefa.” Acrescenta Mário Cláudio: “Isentava-se dessa maneira o poeta, contaminando-nos com tal virtude, da hipocrisia que consiste em fingir que narrativas de natureza biográfica podem aspirar ao rigor de análise, e à neutralidade da exposição, que as revele tão verificáveis como as leis de Mendel, ou a relação entre carga e descarga eléctrica.” O resultado a que se chegou em Tocata e Fuga: Os Dias de Mário Cláudio, a par de algumas falhas técnicas e de hiatos narrativos, fica-se mais pelo domínio da monografia do que pelo arrojo da imaginação. Ainda assim, permitam-me dizer-vos que, para além da pertinência enquanto documento, há coisas que particularmente me agradam neste filme como aquela cena na capela da Casa dos Anjos onde o escritor e eu, com manifesta curiosidade, olhamos em volta de cima de um púlpito de talha dourada em cujo frontispício há dois pequenos, sorridentes querubins.    

 

Jorge Campos

 

Porto, Maio de 2023

 

P.S. Este texto, sem as fotos do filme, foi publicado no excelente livro A VERDADE É DE PAPEL - ENSAIOS PARA TIAGO VEIGA, organizado e coordenado por José Vieira.

 



 

 

 

 

 

 

 

 

 

  • Foto do escritor: Jorge Campos
    Jorge Campos
  • 2 de mar. de 2021
  • 12 min de leitura

Este texto foi escrito para a edição em português e inglês do livro comemorativo dos 10 anos do Ciclo de Fotografia e Cinema Documental Imagens do Real Imaginário (IRI). Publicado em 2013 pelo Instituto Politécnico do Porto, o livro tem excelentes contribuições de colegas e um design espectacular de Vitor Quelhas. Sendo pouco habitual encontrar um trabalho desta envergadura no contexto escolar, teve grande impacto e esgotou rapidamente. Esta é a versão inglesa do texto no qual faço um resumo da primeira década do Ciclo. As fotografias são de estudantes dos cursos de Cinema e Fotografia, designadamente, Marta Ferreira, Luís Kasprzykowski, Pedro Nuno Pacheco e Tiago Santos. Algumas das edições do IRI estão amplamente documentadas no segmento Programação de narrativasdoreal. Publicarei a versão portuguesa assim que a consiga recuperar.



Looking back at 10 years of this cycle of Photography and Documentary Film, which received, via Chris Marker, the name of Images of the Imagined Real (IRI), I realized, not without surprise, the amplitude of the path, at times unimaginable, that brought us here. It is true, as one might say, that necessity is the mother of invention. But that was not all that happened. It was also the perception of a fast changing world, whose representations, resulting from technologies that magnify the possibilities of meaning, value the specificity of each art, while, at the same time, postulate the interconnection between them. It was also, and above all, the need for artistic higher education to follow the signs of time and, thus, dare to discover and follow new paths in a continuous process of making, questioning, undo and redo, pursuing the idea of ​​adding knowledge to the knowledge through creative imagination, improving, thereby, our relationship with the world.


Jorge Campos - Professor, Filmmaker and Curator

10 years ago, when the first steps were given towards this adventure, we defined as priorities: to strengthen the connection of the school to the community and the professional environment; establish partnerships; foster internationalization; create a platform able to support and promote the necessary critical mass that would be the base for the appearance of new courses, including a Masters Degree in Audiovisual Communication, meant for a professional context and focusing on the theory and practice of Photography and Film. All this was achieved. However, it was not enough. For a simple reason: the more you do, the more and better you want and can do. Yes, it embraces that utopia described by Eduardo Galeano:


"Me acerco dos pasos, ella se aleja dos pasos. Camino diez pasos y el horizonte se corre diez pasos más allá. Por mucho que yo camine, nunca la alcanzaré. Para que sirve la utopia? Para eso sirve: para caminar.”


Olívia da Silva - Professor and Curator (Photography)

We have followed our path. We walked with the sense of belonging to a school that embraces the world without leaving its city. And we walk in good company. Along the way both artists, cultural agents and partner schools were always present in the Cycle, carrying their utopias to our own utopia. In fact we grew together, we looked at each other’s thoughts, resisted together and weaved thus a network of complicities without which the IIR would not have been possible or, having been, would be substantially different from what it is: a forum for reflection - for revelation - that assumes the real as the starting point to challenge the world of all images. From Cinema, Photography, Digital Arts.


It became, therefore, a tool to annotate, update, decode and recreate the signs of time, often recovering the memory of other paths, sometimes daring new ways, always attentive to centrality and to image’s variable semantic in a world that needs be read: imagined. It was a long way. What follows is a short trip along the successive editions of the IIR that retrieves fragments of texts of some programs and gives an idea of how the cycle has been built.


José Quinta Ferreira - Professor and Producer


Retrospectively.


10 years ago, in 2004, the first edition of the IIR was called Another way to show the world. Among other participants, Margarida Ledo Andión came to debut her film Santa Liberdade, a documentary about a famous episode of the antifascist struggle in Portugal, the hijack of the liner Santa Maria by a group of the Portuguese resistance under the command of Captain Henrique Galvão. Apropos of this film, and some others, the dialogs were mainly about narratives, namely about the documentary as opposed to the logic of television discourse:


“(...) Ideologically dominant in relation to other media, television proclaims journalistic criteria of objectivity, which match pre-determined representation systems. The news agenda - through which a certain construction of reality is induced - is, therefore, an instrument at the service of a pre-existing vision of the world. The documentary acts differently. It is not intended to be objective nor does it claim any truth, except for that of the author. On the contrary, it is built upon difference which consists in the recognition of a singular point of view (...).


In the 2005 edition of Labirintos do Olhar (The Sight Mazes) - as in the ones that followed - the narrative problem as known new declinations; in particular in terms of teaching because a first Encounter of Cinema Schools was held, supported by the Consulat Géneral de France and with the participation of the École Supérieur d’Audiovisuel de l’Université de Toulouse, among others. In addition, this edition followed another initiative by the Audiovisual Communication Technology Course, at the time still not integrated in ESMAE. This initiative, named "Pensar a Imagem" (To think the Image) was attended, among others, by the film-maker José Luís Guérin who is a reference author in a filed that could be identified as pure cinema.


Mark Durden - Professor and Photographer

Later, in 2006, the World brought crossed glances on images from various points of the globe. Mercedes Alvarez presented her multi-awarded film El Cielo Gira; the Indian film-maker Rahul Roy discussed his documentary The City Beautiful; Gustav Deutsch, film maker and multimedia artist, showed his work World Mirror Cinema; and Mark Durden theorized on the problem of documentary photography in the work of Paul Seawright and Luc Delahaye. In the programme introduction, one could read:


"More than providing answers, the Images from the Imagined Reality' intends to motivate the challenge, to raise doubts and, by means of surprise, to seduce and even generate bewilderment: is that not the most stimulating process to induce the will to seek knowledge, going along the maze that goes through the pleasure of the text?"


That pleasure of the text, associated to Photography, to cinema, and now also to an idea of transversality, was once again the object of attention in the 2007 edition Glances on the Cities. As suggested by the title, it was a journey through the representation of experiences in different places Fernando Lopes, taking Belarmino as a reference. talked about Lisbon. Helmut Farber also referred to Lisbon, but starting from the Lisbon Story by Wim Wenders. And he also talked about Berlin, die Sinfonie der Grosstadt by Ruttman and Berlin, Im Lichtbild der Grosstadt by Manfred Wilhelms. Manoel de Oliveira took the floor to talk about Porto and Paris. He commented on his Douro Faina Fluvial and Petit à Petit de Jean Rouch. Gérard Collas, Abi Feijó and Jean-Luc Antonucci addressed cinema issues. On photography, we had the contributions by Georges Dussaud, Olívia da Silva, Cláudia Fischer, Virgílio Ferreira and Maria do Carmo Serém, among others. In a more experimental tone we had Mike Hoolboom. In all of them, a thing in common: image.


"( ... )image is polysemic by nature. And speech, as being an expressive practice of language targeted at the social production and circulation of sense, has a plurality that is equivalent to the one of who produces it. Therefore, as meaning the creation of an imaginary universe based on places, events, and characters, narrative does the refraction of gaze in varied ways because it results from speech.




Multi media experiment, a common procedure within IRI

In this edition, IRI's identity matrix was defined: to provide students with the chance to contact with authors and fundamental works; rigour in the subjects' approaches; quality of the participants; valuation of creative partnerships; continuation of a strategy for the creation of new audiences associated to the possibility of alternative circuits that, in time, might reflect in the emergence of new creators. To do so, is necessary to place the combination possibilities of multiple representations programmed within a framework of game as unexpected as possible. For example:


“Baudrillard says America is a cinematographic country. The American city seems to have come out of a cinema, alive. "That is why, in order to learn the secret one must not go from the city to the screen, but from the screen to the city." Therefore, secret is the keyword of cinema. It is impossible to remain indifferent to this word, because we expect ir contains in itself its opposite: revelation. The same happens with photography. As the restless traveller Cartier-Bresson would say, photography is that argument on the world with brush strokes of light inviting for travel that puts the eye an the heart in the same line of sight."


Fátima Lambert - Art Professor and Curator

Edition of 2008, O Poder das Imagens (The Power of Images). Manoel de Oliveira was, once again, the reference guest. He had the company of photographer, film-makers, and essayists. The group of qualified guests included names such as: Val Williamas, Christian Milovanoff, Ray Müller, Hulrich Hagele, José Manuel Costa, Fátima Lambert, António Pedro Vasconcelos and Fréderic Sabouraud. The diversified program included short films by Oliveira, photography and cinema from the Third Reich, the theme of Portuguese documentary post April's revolution, thus confronting past memories with testimonies of the present. Naturally, at the centre of the debate we had the power of images:


"Specific and not general as in the linguistic term, image communicates a all set of emotions and meanings as if forcing to instantly capture an undivided sensory whole. Then how to deal with it now, in a world of silent propagandas and censoring machines? Making its narratives a invitation to reflection, or collapsing (perhaps with delight) to the fascination of hypnosis)”.


Sérgio Rizzo - Professor and Film Critic

This edition consolidated IRI's concept. A concept that is dynamic in its creation, aware of the need to change according to the essential update and growth of the taught courses. IRI began to integrate not only the curricula of the Arts and Image Department, but, as school programme, it became a prime showcase of students' work in a space that is app for the development of pedagogical experiences within an artistic essay that is more and more related to the community:


"(...) it is a work of perseverance, whose results are already noticeable, particularly in the national and international awards our students have been receiving. The results can also be noted in the recognition coming from the invitations to participate in numerous activities. But this work is made also thinking on the general audience. It would not make sense to have Manoel de Oliveira, Fernando Lopes, José Luís Grin, Mark Durden, Mercedes Alvarez, Mike Hoolboom, Helmut Farber, Rahul Roy, Gérard Collas, Georges Dussaud, and so many other guests from previous editions and lock them in a purely academic conclave. Moreover, there is no school if there is no openness to life and no space for imagination."


Richard Zimmler - Professor and Writer

In the following year, 2009, Rosto Transversal (Transversal Face) The objective of creating a Masters Degree in Audiovisual Communication was achieved with two specializations: one in Photography and Documentary Cinema, an another in Audiovisual Production and Direction. In the programme: all the short films by curtas de Agnés Varda, focus on films by Werner Herzog and Pedro Sena Nunes; a set of first plan participants, in particular John Gotto, Floréal Pelota, Regina Guimarâes, and Mark Durden. Then, in 2010, Open Documentary: a retrospective of Alain Resnais and a selection of last generation German animation films, which was especially interesting for the students of the Multimedia Communication Technology Course; it had the participation of Sarah Pink, Susana Sousa Dias, André Eckert, Adriana Baptista and Margarida Ledo Andión, among others. A year later, in 2011 O Cinema e as Artes Cinema and the Arts): The presentation of the entire work by Jacques Démy's, the film-maker who got hold of all the arts; it had the presence of uís Filipe Rocha, Mark Durden, José Ribeiro, and Miguel Anxoprado, one of the great masters of comic strips.


The book

"Since a long time, cinema has learned to live with other arts. (...) This has always been a dynamic and contradictory relationship. However, today it acquires a renewed interest, because it seems to be based on the uninterrupted process of discovery of a cartography resulting from the mutual ownership of different arts connected to the idea of crisis."


2012. Precisely, “Krisis – The Prism Greece 2011”. We had an intervention via Skype to the Auditorium of the Library Almeida Garrett by Nina Paschalidou from Pyramid TV in Greece and pictures of alternate narratives of independent authorship about the situation in that country. In addition: Mark Durden A Crisis in Photography - Joachim Schmid’s Rogue Aesthetics; Olívia da Silva – Do invisível ao visível (From the invisible to the visible); Adriano Miranda – 12/12/12; Nigel Orillard – Americana: Writing with Actors. Methods for connecting the narration of Political Crisis to Personal Crisis in the development of a Political Thriller; Cristina Susigan - A Apropriação da Arte como resposta à Crise Narrativa (The Appropriation of Art as a response to the Narrative Crisis); José Azevedo – Interactive documentary: innovations and recycling: Fátima Lambert – “Arquitectura da Destruição” (Architecture of Destruction): when the dictator wanted to be a curator; Dimitris Andrikopoulos – Experiment the music, heckle the picture; José Miguel Ribeiro – The journey that brought me here.


Dimitris Andrikopoulos - Professor, Composer and Musician

The complete list of masterclasses of this edition refers to the fact that it clearly shows the way how, according to the IRI philosophy, the crisis’s theme was declined in order to comprehend a plurality of territories. These territories, going through music and cinema, authorized incursions into the web, music, animation, and in the multimedia universe:


(…) if the political rhetoric is a concern to us as narrative of the crisis, the truth is that we attempt to meet it in a deferred way, so to speak, given that getting there implicates the exploration of symbolic representations of the memory of other crises, from the past perceived as present that is already a future, from a here and now narrated with resource to tools and transversal languages in a register of which an experimentation and imagination are crucial elements of the interpellation and understanding of the world.”


This way of exhibiting, articulated with the commented projection of films, photography and installations, resulted in a diversity of glances that crossed the point of view of the creators with the ones from the specialists and the audience. Pedagogically, it was about - and it still is – an experience all the more interesting given that the students were given the possibility of introducing themselves as creators. Truthfully, if the previous editions had already counted with several school projects – just as well as with teachers’ -, in this 2012 edition not only were the Masters’ public examinations held in the scope of programming, but also the projects produced were exhibited before an audience that, year after year, has increased.


Another relevant fact: the growing collaboration between the undergraduate programs of ESMAE reflected, for example, in the elaboration and live interpreting of music into films. Also relevant are the consequences that arise from that fact, in terms of the musical composition students being able to participate in their colleagues’ projects from the Master program in Audiovisual Communication.




Prospectively.


And so we reach 10 years. For some reason, we chose for the 2013 edition this theme/title: Utopia(s). And it is simple to understand why. If utopia is the path we do, then you have to walk. Keep walking. It is as simple as that.

Therefore, which other artist could better illustrate this purpose than Manoel de Oliveira, our greatest film-maker? Who does not know the path he travelled? He, who at the age of 23 produced a film that is today heritage of the imaginary of the city of Porto – Douro, Faina Fluvial – and that at the age of 104 proceeds in the adventure of making films with the boldness of spirit that makes him the youngest of Portuguese filmmakers? He is, therefore, for what he represents to the cinema and the city, the central figure of this cycle. And about him writes Mário Cláudio, another great master, from the Letters, in a text which he named as “Manoel de Oliveira, um chão comum” (Manoel de Oliveira, a common ground).


Hommage to Manoel de Oliveira
Writer Mário Cláudio and Filmmaker Manoel de Oliveira

Then, there are other utopias (and dystopias) that go through the IRI of 2013. For example, the ones reported in the political and social films by Christian Rouaud, the film-maker who won the César award for best documentary in 2012, precisely for Tous au Larzac, which was included in the programme. There are also the utopias that encourage the Short Film Festival of Vila do Conde, the Cinanima and Porto's Cineclube, and that are translated in selected films. In addition we have the utopias of so many photographers, whose gazes give us back the signs of time. And also the project Utopia by the musician and composer Dimitris Andrikopoulos. And, finally, but not less important, the utopias of all other participants, particularly the students, whose future depends on the sense they are able to give to their path.


In conclusion. If we had certain objectives in the beginning, we now have numerous plans. That is it. We are well aware of the difficulties of the present and of the insane work that is necessary in order to keep artistic higher education within a reasonable frame of expectations. But even for this reason, and because it is essential to reinvent the present in order to guarantee the future, it is so important that the Cycle of Documentary Photography and Cinema Images from the Imagined Reality continues to deepen its founding purposes; and its also important that it is able to be rethought each year in order to allow the creation of new projects.


Legenda: Filmmaker Manoel de Oliveira

One of these projects is the creation of a Masters Degree in Digital Arts. Another one is to regularity promote the publication of articles, in order to achieve the international projection of ESMAE’s Arts and Image Department. Yet another project is to publish on-line the collection of IRI. In fact, the location is already created in order to build a database whose consultations can serve both the school's community and the general public. Finally, we also want to make IRI grow in order to make it an undeniable cultural space, not only for Porto but abroad. Why not make it a meeting point where the production of schools from all lusophony can have regular stage; and to do so, could we build, in the medium term, an interchange platform of approximation between peoples?


Utopia, one may say. Definitely That is why I take on Galeano once again:


Somos lo que hacemos, y sobre todo lo que hacemos para cambiar lo que somos.”



Jorge Campos Ph.D

Curator for this Programme


Roots for the future











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Jorge Campos

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        "O mundo, mais do que a coisa em si, é a imagem que fazemos dele. A imagem é uma máscara. A máscara, construção. Nessa medida, ensinar é também desconstruir. E aprender."  

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Ensaios, conferências, comunicações académicas, notas e artigos de opinião sobre Cultura. Sem preocupações cronológicas. Textos recentes  quando se justificar.

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Textos avulsos de teor literário nunca publicados. Recuperados de arquivos há muito esquecidos. Nunca houve intenção de os dar à estampa e, o mais das vezes, são o reflexo de estados de espírito, cumplicidades ou desafios que por diversas vias me foram feitos.

Imagens do Real Imaginado (IRI) do Instituto Politécnico do Porto foi o ponto de partida para o primeiro Mestrado em Fotografia e Cinema Documental criado em Portugal. Teve início em 2006. A temática foi O Mundo. Inspirado no exemplo da Odisseia nas Imagens do Porto 2001-Capital Europeia da Cultura estabeleceu numerosas parcerias, designadamente com os departamentos culturais das embaixadas francesa e alemã, festivais e diversas universidades estrangeiras. Fiz o IRI durante 10 anos contando sempre com a colaboração de excelentes colegas. Neste segmento da Programação cabe outro tipo de iniciativas, referências aos meus filmes, conferências e outras participações. Sem preocupações cronológicas. A Odisseia na Imagens, pela sua dimensão, tem uma caixa autónoma.

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