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   viagem pelas imagens e palavras do      quotidiano

NDR

Atualizado: 20 de out. de 2023


Neste texto, quase integralmente dedicado a exemplos do que foi o debate teórico sobre o Cinema Documental na Odisseia nas Imagens, publicam-se dois artigos que serviram de base a outras tantas masterclasses. Qualquer deles é extremamente crítico em relação à televisão. Como Salvar o Capitalismo/ Outras Paisagens corresponde ao 4º Módulo da Odisseia nas Imagens. Como se viu foi também a primeira e única edição do Festival Internacional do Documentário e Novos Media do Porto naquela que seria a proposta de continuidade da Odisseia nas Imagens com as suas múltiplas articulações: exibição de filmes, divulgação e reflexão sobre o Cinema, ligação às escolas de Ensino Superior. Em suma, um polo estruturante da indústria audiovisual e multimédia do norte do País. Em anexo, igualmente a título de exemplo, constam textos de Rui Pereira que se inseriam naquilo que deveria ser futuramente uma estratégia de comunicação.



A Greve (1925) de Sergei Eisenstein


Masterclasses/ Como Salvar o Capitalismo (continuação)

De 25 de Outubro a 1 de Novembro

Casa das Artes


2. Nina Rosenblum e Dennis Watlington – Making Visible the Invisible


26 de Outubro

14:30h - 18:00h

Casa das Artes


Sinopse:


Qual o lugar do documentário independente na América? Aparentemente, os cineastas independentes, que prestam especial atenção aos problemas sociais sentem cada vez maiores dificuldades não apenas para produzir os seus filmes, mas também para os distribuir. Para tanto, muito contribui o sistema de media na América, em particular a televisão, a qual se limita a aceitar produtos formatados de acordo com módulos pré estabelecidos e com critérios que resultam da luta por audiências. Que fazem então os independentes para escapar ou contornar estes espartilhos?


(Nota: No segmento de Cinema deste blogue pode ler-se uma entrevista com Nina Rosenblum feita para o programa Odisseia nas Imagens na RTP 2)



Through the Wire (1990) de Nina Rosenblum

A norte-americana Nina Rosenblum é produtora, realizadora e autora de documentários, curtas metragens e feature films em colaboração com outros realizadores, tendo sido nomeada para os óscares e galardoada com vários prémios. Enquanto presidente da Daedalus Productions inc, Nina Rosenblum produziu e dirigiu obras para TBS, HBO, PBS, NY Times Television, ShowTime, ABC, NBC. Os seus parceiros de co-produção incluem o Channel Four/Reino Unido; WDR/Alemanha; La Sept/França e SBS/Austrália. É membro da Director’s Guild of America (Directora), da Academy of Motion Picture Arts and Sciences, da Women in Film, da Independent Feature Project e da International Documentary Association.


Filmografia:

Compassionate Ally: Photographer In The South Bronx, 1978; Their Life’s Sweat, 1978-79; America And Lewis Hine, 1980-84, Prémios: World Festival Premiere - New York Film Festival, Sundance Film Festival - Especial do Júri, Clarion, ida, Cine Golden Eagle, Chris Statuette; Through The Wire, 1990, Prémios: Completion Grant-la Women in Film, World Festival Premiere-Berlin Film Festival, Munich Documentary Film Festival-Melhor Filme, New York Documentary Film Festival-Melhor Filme; Liberators - Fighting On Two Fronts In World War II, 1992, Prémios: ida, Cine Golden Eagle, cicae, Holocaust Humanitarian, Links, World Festival Premiere-Berlin Film Festival; The Untold West: The Black West, 1993, Prémios: Emmy-Individual Achievement in a Prime Time Documentary, Special: Writer- Dennis Watlington, Vallodolid Festival - Especial do Júri; Lock-Up: The Prisoners of Rikers Island, Beat Down: The Case of Raymond Alvarez, 1994; Slaveship: The Testimony of The Henrietta Marie, 1995; A History of Women Photographers, 1996; Walter Rosenblum: In Search of Pitt Street, Twin Lenses, 1999; The Skin I’m In, Unintended Consequences, 2000.



Nina Rosenblum e Dennis Watlington

Dennis Watlington, produtor, realizador e argumentista, nomeado para os Óscares e multi-premiado a nível internacional, nasceu no Harlem tornando-se o primeiro afro-americano a ser admitido na prestigiada Hotchkiss School. Para além de trabalhar em algumas das mais prestigiadas séries nas principais cadeias norte-americanas de televisão, Watlington distinguiu-se no teatro com, entre outras, «Bullpen» que lançou a carreira de actor de Bruce Willis e permaneceu em cena na Broadway durante oito anos consecutivos. Assinando como produtor e/ou realizador quase duas dezenas de filmes, desde 1978, Dennis Watlington recebeu mais de 60 galardões e menções nos festivais mais selectivos do mundo, nas diversas áreas da sua eclética actividade: fotografia, pintura, escrita, teatro, cinema, guionismo, documentário, jornalismo. Contam-se, entre estes, prémios obtidos no New York Film Festival (1985), festival de Sundance, Estados Unidos (1985), Festival do Filme de Berlim (1985) e nos festivais de cinema de Jerusalém e Edimburgo, ainda nesse ano. Dois anos mais tarde, é distinguido pelo New York Council for Humanities e em 1989 é premiado no «Humana Rights Watch Film Festival». Já em 1990, Watlington recebe o prémio para o melhor filme no Munich Documentary Film Festival e volta a ser distinguido, agora no Festival de Berlim. A década de 90 é fértil na distinção de Dennis Watlington. Trabalhos seus são galardoados nos festivais de cinema de Cork, San Francisco, Denver, Montréal, Chicago, Upsala, Valladolid, Leninegrado e Avignon. Em 1992 recebe o galardão da International Documentary Association, o Holocaust Humanitarian Award, e é nomeado pela Academia para o troféu de Melhor Documentário. Dois anos mais tarde, recebe um Emmy pelo documentário «The Untold West: The Black West», do qual foi o guionista. Membro da International Documentary Association, da Director’s Guild of America e da Academy of Motion Picture Arts and Sciences, Dennis Watlington integra, com Nina Rosenblum, a Daedalus Productions Inc., uma produtora independente sem fins lucrativos, fundada em 1980. Depois de ter sido professor de pintura, fotografia, teatro, cinema e vídeo, a carreira académica de Dennis Watlington levou-o a leccionar as disciplinas de Realização de Documentário na Columbia University Graduate Film School e de Produção Dramática na New York University. A sua vida e obra deram já origem a dois best-sellers da autoria de Gail Sheely, «Passages» e «New Passages». Dennis Watlington está actualmente a trabalhar no livro autobiográfico «Chasing America».


Cinematografia *


Compassionate Ally: Photographer in The South Bronx (1978); Their Life’s Sweet (1978-79); America and Lewis Hine (1980-84); Let’s Truth Be the Prejudice (1987); Through the Wire (1989); Women’s Rights History (1990); Liberators: Fighting on Two Fronts in World War II (1992); The Untold West: The Black West; Beat Down: The Case of Raymond Alvarez; Lock Up: The prisoners of Rikers Island (1993); Slaveship: The Testimony of the Henrietta Marie (1995); A History of Women Photographers (1996)


* Apenas como produtor e/ou realizador





3. Llorencç Soller – Do Homo Sapiens ao Homo Zapiens

29 de Outubro

14:30h – 16.30h

Casa das Artes


Lorencç Soler, Valência, 1936, realizador de cinema e televisão, director de fotografia, escritor e professor de artes visuais, especializado em cinema documental. Já viu o seu trabalho premiado com galardões como o FIPRESCI Award do Festival de Leipzig, 1969, o Grand Prize International Documentary Cinema Festival de Bilbao, 1976, a Bronze Palm da Muestra de Cinema del Mediterrâneo, 1998 e o Grand Prize no 11º Festival International du Film Historique, 2000. Autor de um sólido trabalho teórico sobre realização televisiva e documentário, a sua obra e trajectória têm sido já objecto de estudos de outros autores em livros que lhe são dedicados. Entre estes constam «Lorenzo Soller: de una orilla a otra», de Manuel González do Centro Galego das Artes Audiovisuais e «Llorenç Soller» de José Maria García Ferrer. A sua extensa obra em ficção e documentário abrange temáticas sociais controversas. E a sua intervenção teórica e académica constitui uma peça destacada nos estudos sobre o condicionamento e a manipulação do público pelos media.


Filmografia:


52 domingos, 1966; D’un temps, d’ un pays, 1968; El largo viaje hacia la ira, 1969; Seamos obreros, 1970; La enfermedad alcohólica, 1973; Sobrevivir en Mauthausen, 1975; Cantata de Santa Maria de Iquique, 1975; Gitanos sin romancero, 1976; L’ altra normalitat, 1981; In memoriam, 1981; Tierra entre tierra y mar, 1982; Barreras architectónicas, 1983; Qué patines, Laura?, 1988; Francesc y Luís, 1992; Ciudadanos bajo sospecha, 1993; Un asunto de mujeres, 1995; Saïd, 1998; Lola venda cá, 1990; Francisco Boix: a photographer in hell, 2000.



Francisco Boix: a photographer in hell (2000) de LLorenç Soller.

(Nota: No segmento de Cinema deste blogue pode ler-se uma entrevista com Llorenç Soller feita para o programa Odisseia nas Imagens na RTP 2)


Publica-se a seguir, na íntegra, o texto de Llorenç Soler apresentado na sua masterclass e publicado no Catálogo da Odisseia nas Imagens.



"Do Homo Sapiens ao Homo Zapiens"

O documentário perante a manipulação no meio televisivo


O meu trabalho é fundamentalmente de realizador de documentários. Os meus contactos com o meio televisivo deram-se a partir da minha prática profissional neste género, visto os meus trabalhos terem sido passados na sua grande parte na televisão e não no cinema. No entanto, durante a época da ditadura do General Franco - que se bem recordo finalizou em 1975 - os meus filmes eram muito divulgados em Espanha através de canais alternativos, paralelos e, muito frequentemente, clandestinos. Essa foi a minha escola e foi assim que consolidei a minha aprendizagem.


Desde o primeiro momento, fiz uma opção: o documentário de conteúdo social, cultural e histórico, uma escolha decididamente de insucesso, tendo em conta as apetências dos programadores dos canais de televisão desde os últimos anos do século XX até aos nossos dias.


É por esse motivo que a minha participação neste encontro põe em evidência uma das minhas mais enraizadas preocupações desde o início da minha carreira: a análise da manipulação a que é sujeito o documentário dada a sua natureza, a circunstância político-social que o condiciona e a conjuntura histórica dos canais que o exibem.


Não é novidade afirmar que são poucos os meios de comunicação de massas tão sujeitos à pressão dos poderes como o é a Televisão. Neste universo de sentido e intensidade contraditórios, que constantemente age sobre os conteúdos das emissões, os documentários são peças frágeis, submetidas, como toda a programação, aos pareceres da tutela dos canais, seja ela o Estado, sejam as poderosas corporações que controlam as televisões privadas.



LLorenç Soller.

No entanto, se formos fiéis aos factos históricos, deveremos dizer que quando pela primeira vez foi experimentada a utilização ideológica do documentário, a Televisão não existia e faltariam mais de trinta anos para se popularizar generalizadamente. Depois da inocência naïf da Saída dos Operários da Fábrica, da Chegada do Comboio à Estação de Lyon ou do Regador Regado, os primeiros exemplos conhecidos de cinema documental, a Revolução Russa, com toda a sua carga ideológica, fez do cinema um instrumento deliberadamente utilizado para divulgar o pensamento da sociedade emergente, portanto, um meio eficaz de propaganda política. Se dermos um salto no tempo, o regime nazi que subiu ao poder na Alemanha dos anos 30, encontra no cinema documental um meio incomparável de divulgação do seu ideário totalitário. Sem chegar ao extremo do delírio barroco de Leni Riefensthal em Olímpia e O Triunfo da Vontade, ambos de descarada propaganda nazi, o regime de Hitler produziu toda uma série de trabalhos didácticos com o intuito de proclamar a ideologia do novo império. Anos mais tarde, o Departamento da Guerra do Governo Americano fez uma série de filmes documentários no sentido de justificar a participação dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, para “dar a conhecer os princípios por que lutamos” e “a bandeira americana ser conhecida como símbolo de força e liberdade”.


Quero com isto afirmar que a frágil natureza do documentário permitiu, ao longo da história, a sua submissão à manipulação, colocando-se, assim, ao serviço da ideologia dominante em cada tempo e lugar.


Mas, quais são as razões desta tendência para o uso propagandístico do filmes documentário? Vejamos.



Prelude to War (1942) da série documental de Frank Capra "Why We Fight"

Algumas dessas causas provêm da natureza e identidade do discurso documental. Tenho vindo a afirmar com insistência, ao contrário da ideia estabelecida entre o público espectador, “que um documentário constitui uma ficção construída a partir de elementos extraídos e seleccionados da realidade”. Estes elementos, uma vez reorganizados (ou seja, manipulados) pelo autor através da aplicação do processo de montagem (ou edição), constróiem um discurso cujo sentido final pode coincidir, ou não, com a realidade. Quando os cineastas descobriram esta característica, ou seja, a possibilidade de elaborar uma ficção a partir da aparência de realidade, estava dado o primeiro passo para que o género documental e os seus conteúdos sofressem todo o tipo de ingerências ideológicas.


A esta altura da minha exposição, creio conveniente fazer uma breve reflexão acerca do conceito de verdade, o qual aparece falsamente vinculado à prática do documentário, não tendo, porém, muito a ver com ele. Porque, afinal, o que é a verdade?


Hoje em dia, nenhum jornalista de televisão nem nenhum cineasta minimamente crítico se atreveria a dizer que os documentários podem ser fiéis transmissores de “ideias verdadeiras” de informação objectiva e desinteressada. A natureza intrinsecamente violenta e compulsiva dessa operação de corte e colagem de planos, denominada edição, altera o significado do relato audiovisual ao sabor do autor-manipulador. O sentido de cada plano gera-se segundo o binómio enquadramento + tempo, ainda que o sentido de um plano nunca seja unívoco. E menos ainda quando a aplicação da operação destrutiva-construtiva de corte e reorganização do material gravado age incisivamente sobre o factor tempo em cada plano. A construção de um novo sentido, como consequência da edição, é o que confere um poder manipulador tão desmesurado ao autor de um documentário.


A verdade como conceito absoluto não existe, já que podem existir tantas verdades quantas as apreciações da verdade, ou quantos os observadores dos factos, de onde se deduz que cada autor de documentários, assim como cada espectador, possui o seu próprio conceito de verdade. Decerto que tudo isto é complexo e encontra -se emaranhado o bastante para se poder afirmar que o género documental é credível.


Por outro lado, a famosa objectividade jornalística do documentário, hipocritamente apregoada pelos departamentos de informação dos canais de Televisão, é tanto um conceito vago e impreciso e, o que é pior, um preconceito incutido nas mentes dos estudantes das Faculdades de Jornalismo, quanto é inexequível na prática.


Devo agora destacar o mecanismo de produção do documentário para revelar e explicar os seus fios secretos.


Em princípio, o documentário parte daquilo a que chamamos realidade, mas que, no fundo, não o é exactamente - trata-se apenas do seu reflexo visível e exterior. Esta aparência de realidade é captada através de uma câmara, fazendo planos de diversa duração. Para cada plano escolhe-se um enquadramento diferente. E o enquadramento possui sempre um carácter de exclusão, já que o olho da câmara vê sempre, exclusivamente, na sua própria direcção e em sentido frontal, esquecendo tudo quanto acontece ao lado ou por trás da câmara. É certo que pode acontecer uma mudança de enquadramento dentro do mesmo plano, graças à utilização de panorâmicas mas, a cada momento, a câmara terá sempre ângulos de visão cegos. Depois, vem a Edição, operação que consiste em cortar e colar e que vai alterar o significado de cada plano. É esta reorganização dos planos que irá determinar o sentido do discurso. E como se tudo isto não bastasse, acrescenta-se-lhe um comentário em off, mais os efeitos sonoros e musicais, acabando por carrear novas doses de elementos significantes. Com todas estas operações cirúrgicas não é possível negar como é fácil deturpar o sentido original das imagens captadas, tornando, paradoxalmente, em ficção aquilo que tratava de reflectir a realidade.


Vejamos agora qual é o processo de construção de um filme de ficção de recorte realista, para demonstrar como, em muitos casos, a dramaturgia elaborada nos permite aproximarmo-nos mais da realidade do que os próprios documentários.


Em primeiro lugar, intervêm o guionista cujo trabalho consiste em elaborar um relato literário no qual, quer as situações, quer as personagens, se tornem o mais semelhantes possível a situações, personagens e diálogos reais. Ou seja, partindo do nada, da ideia abstracta, o guião percorre um caminho constante de aproximação ao real. Mais tarde, o realizador, com a participação dos actores e dos seus colaboradores de fotografia, decoração, guarda-roupa, etc., cria uma encenação cujo objectivo principal reside em encontrar a transcrição mais fiel possível da realidade. Este processo constitui uma escalada intencional e constante rumo ao pico do realismo de modo a conduzir à credibilidade junto do espectador.





Os realizadores de Cinema esforçam-se por recriar a realidade, à qual conseguem, muitas vezes, aproximações valiosíssimas. Dificilmente um documentário poderá dar uma imagem mais verosímil da vida nos bairros pobres de Roma, com tão apurado realismo, como o fez Pier Paolo Pasolini no seu filme Accattone. Ou, mais recentemente, descrever a violência quotidiana da cidade de México, como fez Alejandro González Iñarritu no seu filme Amores Perros. Nesta linha, do que se definiu como o verosímil fílmico, encontramos as palavras do cineasta Leos Carax: “o que assusta no cinema é a liberdade absoluta de escrever a vida”.





Como vemos, realidade e ficção percorrem, no Cinema, caminhos opostos que se intersectam. O documentário desce até a falsificação. A ficção ascende até a realidade.


Inclusivamente naquilo que tem a máxima aparência de realidade, como as entrevistas, é possível a mistura e o engano. Porque há algo que devemos reconhecer todos nós que nos dedicamos ao documentário e que fazemos entrevistas perante a câmara: o homem da rua quer sempre aparecer no ecrã como mais esperto, mais sábio, mais bem informado, mais protagonista do que realmente é. Assim, com muita frequência, responde às nossas perguntas, não com a sua verdadeira opinião, mas sim de acordo com o que julga que nós desejamos ouvir. Trata-se de ficar bem perante a câmara e perante o entrevistador, ainda que, com esta sua atitude, esteja a arruinar o nosso trabalho. Como disse Tayllerand, “ao homem foi-lhe concedida a palavra para ocultar os seus pensamentos”.


Como se depreende, portanto, o documentário debate-se entre o ser e o não ser. Entre a objectividade e a paixão. Entre o real e a sua interpretação. Entre a verdade e o engano.


O documentário mostra-nos o seu carácter híbrido. Grandeza e miséria do documentário, enquanto sumária e vacilante expressão do mundo visível. Mas, e do invisível? Daquilo que atravessa os secretos labirintos da alma dos nossos personagens? A nossa câmara pára sempre à beira do abismo. Mas, o que existe por trás? Tudo se conjuga para mostrar o carácter frágil e incerto do discurso documental. De tudo isto se servem os mercenários das ideologias para o submeterem aos seus ditames e o colocarem ao seu serviço.


Se assim são as coisas, se realmente não podemos alterar este rumo e se não queremos ter o inimigo em casa, mas também não podemos vencê-lo, recomenda, então, a experiência que nos juntemos a ele. Explico-me para que não surjam interpretações erradas a respeito do que acabo de afirmar: conhecemos a incerta natureza do documentário, a sua tendência para oferecer uma visão parcial, incompleta e tendenciosa da realidade. Assumamos, pois, honestamente esta situação. Façamos documentários fiéis ao nosso modo de ver a vida, à nossa maneira de interpretar a realidade. O que tornará válido o nosso trabalho é que este seja o exacto reflexo da nossa própria ideologia. Ainda que esta atitude doa a alguns, possa incomodar outros, ou seja alvo de ataques de quantos não pensam da mesma maneira. Esta será a única forma de o nosso trabalho merecer, antes e para além de tudo, respeito. Que os nossos documentários sejam violentos, agressivos, demolidores, até, mas que sempre permaneçam fieis a nós próprios. Que sejam autênticos relativamente à única coisa em que podem sê-lo: a maneira de pensar dos seus autores.


Depois surgirão as interpretações do nosso trabalho, as quais devemos enfrentar e não temer. Com a mesma tenacidade com que defendemos as nossas opiniões sobre qualquer facto ou situação, não devemos renunciar a que esses pontos de vista impregnem o nosso trabalho documental. Devemos ter consciência de que ele será contestado por outros olhares, por outras ideologias e inclusivamente a partir das áreas da Sociologia, da Psicologia ou da História. Acontece que fazer documentários não é o mesmo que praticar uma ciência exacta, não é resolver um teorema matemático. O documentário, como já vimos, tem pés de barro. Também não se trata de uma obra redonda, completa, acabada, como poderia ser a Quinta Sinfonia de Beethoven, ou As Meninas, de Velázquez. Um documentário é uma obra incompleta, vacilante, em constante acabamento. Um documentário é um troço de um caminho que visa um conhecimento mais global da realidade.


Analisaremos agora outras circunstâncias exteriores que impregnam o sentido dos documentários nas cadeias de televisão. O maior risco da Televisão reside em evidenciar, na maior parte dos seus programas, uma tendência clara para transformar a realidade em espectáculo. Os realizadores de programas esforçam-se por maquilhar a realidade, estilizá-la, sofisticá-la, explorando o interesse do espectador médio em identificar-se com uma realidade de estatuto social superior, mais brilhante e com mais glamour. É esta atitude, esta espécie de obsessão por iludir o quotidiano, que leva a reflectir uma realidade que apenas existe em camadas muito estreitas de privilegiados. Nem toda a gente é rica, bela, bem sucedida, triunfante ou aventureira. A realidade quotidiana é muito mais prosaica, mais vulgar e mais monótona.


Não é, por isso, estranho que, nas emissões, os documentários apareçam ensanduichados entre anúncios publicitários a perfumes, automóveis, viagens ou outras tentações da sociedade do bem-estar, expoentes últimos dessa forma de vida ideal, inventada pelos publicitários e argumentistas de programas. Um documentário sobre a injustiça e a miséria que se apropriam hoje em dia do Terceiro Mundo parecerá um tema exótico, pouco comum e alheio, mesmo que não se tenha em conta que a poucos metros da casa do espectador, nas miseráveis cinturas suburbanas que envolvem as grandes cidades, pode encontrar-se uma realidade a tal ponto crua que, por si só, seja capaz de empalidecer as imagens do ecrã.


Que interesse pode suscitar no espectador um documentário que, no fundo, vem relembrar-lhe as carências da sua própria vida, as injustiças a que está sujeito, a exploração que sente no seu trabalho?


A Televisão entra pelas casas dentro sem aviso prévio, sem perguntar a opinião aos espectadores. Perante isto, o acto voluntário de ir ao cinema define uma enorme diferença relativamente à maneira de encarar o ecrã. O espectador cinematográfico sabe a priori de que lhe vai falar e de que trata o filme quando decide comprar um bilhete e sentar-se numa cadeira da sala escurecida de um cinema. É, de certa maneira, um espectador atraído pelo tema, um destinatário voluntário, curioso e interessado, o que não sucede com a Televisão, em que nem sequer os elementos de uma mesma família, sentada perante o mesmo aparelho, têm opiniões homogéneas e gostos semelhantes.



Fonte: Anonymus ART of Revolution

Por outro lado, o sentido dos dramas que aparecem nos documentários de Televisão é disperso e confuso, pelo facto de ser apresentado num totus revolutum onde se incluem, no mesmo saco, factos de origens e causas diversas, as quais merecem diferente valorização. Tornam-se obscenos estes programas de reportagem, já que assuntos como a eleição de miss qualquer coisa, ou a morte por inanição de milhares de crianças na Etiópia, são projectados atrás uns dos outros, sobre a consciência narcotizada do inerte espectador, sem nenhuma outra justificação que não sejam os imperativos dessa entidade tão efémera e mutável a que se chama “a actualidade”. Acontece algo semelhante nos suplementos de fim de semana dos jornais diários, onde, no mesmo deslumbrante e colorido papel couché, tanto se inserem reportagens sobre a moda da próxima estação, como acerca da morte de uns quantos palestinianos às mãos de colonos judeus, tudo isto salpicado por anúncios de relógios Rolex ou pela propaganda do último modelo desportivo da Audi. Em ambos os casos trata-se de colocar num mesmo nível uma diversidade tal de factos que leva o espectador a acreditar na cândida divisão do mundo em ricos e pobres, em bons e maus, como se isso fosse consequência de um azar do destino, ou produto de um fatal determinismo histórico.


O telespectador é um ser inerte e encurralado. Face ao carácter marcadamente ritual que impregna o comportamento do espectador de cinema, o telespectador é, pelo contrário, um ser passivo e conformado que, na maioria dos casos, apresenta uma atitude acrítica perante os diversos programas de televisão. Se as salas de cinema se assemelham a lugares de culto, onde o ecrã é uma espécie de altar, e nos quais se contempla o espectáculo em silêncio e com devoção, as casas são como a jaula das feras do circo, em cujo interior convivem leões, macacos, cabras e elefantes, animais herbívoros e carnívoros, com gostos e preferências diversificadas. A televisão é vista de luzes acesas, enquanto os heterogéneos membros da família, indiferentes à sua presença, tomam o pequeno almoço, almoçam, fornicam, falam ou discutem.


A liberdade do telespectador está no zapping, mas trata-se de uma falsa ilusão de liberdade, pois se isso lhe permite sair instantaneamente das garras de um programa de que não gosta, também o leva a cair de borco num outro de que gosta ainda menos, e tudo isto sob o denominador comum dessa delirante frivolidade que possuem as grelhas de programação. Com a facilidade do zapping o espectador atingiu a maior quota possível de indiferença em relação ao pequeno ecrã. E é no meio deste panorama desolador que os documentários de interesse social, cultural ou histórico devem competir para conseguirem um pequeno espaço de atenção. Mas, que difícil isto se torna! Fala-se hoje do interesse dos canais pelos programas documentais, mas se formos ver os seus títulos constataremos de imediato quais são os assuntos de preferência dos programadores: Animais Mutantes, Na Peugada do Unicórnio, Estrelas da Fox, Criaturas-robot, O Porno em Hollywood, etc. Não posso evitar que estes títulos me tragam um certo travo de banalidade.



Atualidades franquistas No-Do

Continuo a analisar outros aspectos ameaçadores para a saúde do documentário. Actualmente, muitos documentários e reportagens são incluídos e produzidos nos departamentos de informativos dos canais de televisão. Se aceitarmos que é precisamente na área da informação que se verte de uma maneira mais clara e contundente a ideologia do canal, que é aqui que se cozinham e manipulam as notícias - nomeadamente, por via da eliminação das não politicamente correctas -, devemos também aceitar que os documentários e reportagens de produção própria não podem evitar a pressão ideológica que o canal exerce e devemos concordar ainda que eles são sistematicamente submetidos a controlo. Esta Televisão-Produtora de documentários não é mais do que o prolongamento, numa versão hertziana e adocicada do Estado-Produtor de Cinema de tempos passados, cujo produto mais divulgado foram os noticiários cinematográficos semanais, totalmente submetidos às directrizes políticas do Sistema. Entre estes noticiários, devo citar: o ufa de Alemanha, o Pathé de França, Settimana incom de Itália e o inefável No-Do da Espanha submetida à ditadura do General Franco. Hoje os “telejornais” constituem o suporte que substituiu os Noticiários Cinematográficos, como instrumento de moldagem do imaginário colectivo, actualmente sob tutela de um pensamento globalizador e unificador.


Com a expansão totalizadora da televisão, que penetra até as mais recônditas paragens da nossa sociedade, não é descabido perguntar: será, hoje em dia, o documentário um género na moda?


Em primeiro lugar, devo dizer que se alguém fez com que o documentário estivesse na moda, não foram os trabalhos mais sérios e profundos do género, mas os mais frívolos, superficiais e intranscendentes, aqueles que não obrigam muito a pensar. Destes, têm hoje grande prestígio entre os telespectadores os que falam da vida e dos costumes dos animais, os que evocam países maravilhosos a partir da cenografia das suas paisagens, os que narram proezas desportivas ou explicam as maravilhas da ciência e as suas descobertas. Basta consultar a programação de qualquer canal temático para detectar quais são os gostos dos espectadores actuais em relação ao documentário. Gerou-se uma sólida indústria de produção deste tipo de documentários, cujo paradigma são os trabalhos da National Geographic e da BBC. Estamos a atingir uma detestável globalização dos gostos do público e, nessa medida, o documentário torna-se uma mercadoria de consumo como os hamburgers ou a Coca-Cola.


Que longe ficou aquela filosofia que Roberto Rossellini aplicava ao seu cinema, de compromisso com o didactismo, com um desejo sempre presente de os filmes servirem ao homem para se conhecer melhor!



Robert Rossellini

Que abandonado está o antigo debate entre a ética e a estética aplicado ao documentário! No meu país, Espanha, cheguei a ver um documentário supostamente comprometido que tratava o tema do terrorismo da ETA no País Basco utilizando a “bonita” estética de um filme publicitário e, consequentemente, destilando um tratamento pseudo-sentimental e superficial. Mais uma vez, digo que toda ética exige e impõe uma estética, e não compreender isto é fazer batota com o espectador.


Onde se situa, hoje, o reduto do documentário social, cultural, comprometido com a sua época e a sua circunstância, decidido na acusação e destemido no testemunho? Muito dificilmente o iremos encontrar na televisão. É muito mais provável que nele tropecemos nas salas de projecção cinematográfica.


Mas, atenção, porque sabendo em mãos de que mercadores e oportunistas se encontra a produção, distribuição e exibição do cinema, os documentários cinematográficos podem ver-se condicionados pelas exigências do mercado. Dói-me o documentário dos nossos dias, manietado pela prepotência dos media, sujeito submisso dos interesses padronizados do público, manipulado pelas leis do mercado.


Que resta hoje do grito solitário do documentarista que lança a sua crítica contra uma ordem que o esmaga, contra uma sociedade que detesta, contra um Sistema com que não concorda? Como harmonizar o sentido de protesto que foi sempre a essência e a principal motivação do documentarista com os interesses abastardados do mercado? Que fazem hoje os jovens neófitos na profissão, em busca da sombra protectora da indústria, em vez de se lançarem à rua de câmara em punho pronta a filmar - sem limitações, nem constrangimentos - tudo aquilo que motiva os seus sentimentos e o seu protesto, tudo quanto lhes causa indignação, tudo o que os emociona ou incomoda e tudo aquilo que precisam de exprimir em liberdade? Por que não apostar novamente naquela difusão alternativa, não regulamentada, não submetida ao controlo dos media, que tanta importância e brilho teve há algumas décadas atrás em Espanha, na França, na Itália e nos Estados Unidos?


Perante o entorpecimento geral da nossa sociedade, hoje, mais do que nunca, deveríamos levantar o velho grito de guerra: A Câmara é uma Arma!

Llorenç Soler


Exemplos (fragmentos) comentados no âmbito da masterclass por Llorenç Soler:

Noticiário nodo, Espanha (O tempo e a Memória); História da II Guerra Mundial. Prelúdio de uma guerra, Estados Unidos (A ideologia das imagens); A propaganda da morte, Alemanha (Ideologia e didactismo); Granados e Delgado, um crime legal (O testemunho da História); 52 Domingos (Ética e Estética).



Asaltar Los Cielos (1997) de Javier Rioyo


4. Javier Rioyo – A mentira da Verdade

30 de Outubro

14:30h – 1800h

Casa das Artes


Javier Rioyo - Nasceu em Madrid, em 1952. Jornalista, guionista de rádio, televisão e textos dramáticos. Licenciado em Ciências da Informação. Desde o ano 1976 trabalha regularmente no jornalismo. Colaborador habitual do El País, assessor de direcção na revista Cinemania. Cultura e Cinema no programa Hoy por hoy do Cadena ser com I–aki Gabilondo. Guionista de vários festivais de música para o Canal +, assim como dos Prémios Goya, programas de rádio e televisão. Participou em vários cursos de comunicação e cultura nas universidades espanholas. Dois prémios Ondas em rádio e um em televisão. Com o director de fotografia José Luis López-Linhares criou a produtora Cero en Conducta. Realizou cinco filmes. É autor do livro Madrid: casas de lenocinio, horganza y malvivir. Prémio 1992 Livros sobre Madrid.



Javier Rioyo. Fonte: Jot Down

(Nota: No segmento de Cinema deste blogue pode ler-se uma entrevista com Javier Rioyo) feita para o programa Odisseia nas Imagens na RTP 2)



A mentira da verdade

(resumo da intervenção)


O cinema documental é feito com golpes de mentiras. Como diz Vargas Llosa, é com a verdade das mentiras que se fazem as ficções. Com as mentiras das suas verdades. Todos os documentários são uma ficção da realidade. A verdade é intangível. A realidade não pode ser capturada pelo cinema. É uma forma de subjectividade filmada, manipulada pelo documentarista que decide o tema, posiciona a câmara, escolhe uma perspectiva, um ponto de vista, um ângulo, sons, vozes, planos e que, além disso, recorta, modifica, monta, acrescenta músicas, vozes, inserções, arquivos e fotografias. Depois de tudo isto, como um bom barman, serve-o devidamente manipulado no recipiente adequado, num copo grande/ecrã grande ou copo pequeno/ecrã de televisão. E, apesar de tudo isto, continua a ter o “prestígio” da objectividade, ha, ha! Claro!


Felizmente os melhores documentaristas não têm a arrogância de acharem que são os mediadores da objectividade e da verdade. Como diz Erik Barnouw, um dos melhores teóricos desta forma de cinema, “um documentário não pode ser a verdade. Um documentário é uma prova, um testemunho e a diversidade dos testemunhos constitui o coração democrático”. Sim, um bom documentário deve ser profundamente democrático, ou seja, não propagandístico. Tanto nos documentários como na vida, não basta proclamar a verdade. Não é verdade ainda que seja chamada de pravda, nem é verdade a propaganda.


Assim, alguns dos grandes documentários de referência, alguns dos melhores exemplos do cinema documental são propaganda descarada, quer sejam soviéticos e se chamem cinema-verdade, cinema-olho ou cinema revolucionário, assinados pelo grande sonhador Dziga Vertov; ou sejam expressão colossal e renovadora do cinema, como os de Leni Riefenstahl sobre as Olimpíadas ou sobre a glorificação de Hitler. Também não são verdade as magníficas propostas documentais de Karmen ou Joris Ivens sobre a guerra civil espanhola. Nem é verdade o repulsivo e contundente olhar documental de Buñuel sobre Las Hurdes quando eram uma terra sem pão, e não só porque, por exemplo, na cena da cabra que cai dos penhascos o genial aragonês teve que lhe dar um tiro porque a “puta” da cabra não caía e não se conseguia o efeito desejado de emoção e perigo que o director/manipulador pretendia. Não, essa mentira cheia de verdades que Buñuel reflectiu não era outra coisa senão a visão sagazmente provocadora do seu autor.



Las Hurdes: Tierra sin pan (1933) de Luis Buñuel

Continuando com as magníficas mentiras do melhor cinema documental recordamos Robert Flaherty, o grande mestre das origens e um dos responsáveis pelo estabelecimento de algumas das bases do cinema documental. Depois de ter impressionado o mundo cinematográfico com Nanook, o esquimó – que certamente se deixou dirigir em benefício do filme pelo exigente realizador – e de ter rodado Moana, Flaherty propôs-se filmar a vida quotidiana e as velhas tradições de vida e pesca dos esforçados homens de Aran. Depois de algum tempo nas belas e desoladas ilhas próximas da Irlanda, Flaherty apercebeu-se que os habitantes já não pescavam tubarões com os velhos arpões, que já não conheciam aquela forma arriscada de caça dos tempos dos seus avós... e isso não estava conforme a verdade que Flaherty nos queria mostrar. A realidade não podia estragar a sua visão romântica da vida primitiva, e por isso contratou um especialista para ensinar aos ilhéus evoluídos como caçar o tubarão gigante. No entanto, ficamos extasiados com a forma de vida arriscada e primitiva dos homens de Aran. Poderá ser mentira, mas é atractiva. Assim se fazem os documentários.


Os “artifícios” necessários


Há uns anos atrás, José Luis López Linares e eu criámos uma produtora de cinema documental “Cero en Conducta”, assim denominada devido à admiração que tínhamos por um dos filmes de Jean Vigo. No seu filme Zéro de Conduit, Vigo reproduz recordações da sua passagem por algumas das escolas férreas que tinha conhecido em criança, misturando a realidade relembrada com a sonhada. A nossa pós-produção chama-se “Atalanta”, mais uma vez em memória de uma das mais belas obras poéticas do cinema da autoria de Vigo. E quando realizámos a aproximação a Buñuel denominámo-la A propósito de Buñuel, tal como o terceiro filme de Vigo A propor de Nice, esta sim uma obra documental e modelo ético do documentarismo que continua a influenciar-nos e que ainda hoje continuamos a reivindicar. Vigo convidou para este documentário Boris Kaufman, que não é senão o irmão de Vertov, o que carregava a câmara no seu “cinema-verdade”.



À propos de Nice (1930) de Jean Vigo

Mas quando a câmara de Kaufman e as ideias de Vigo se encontram no documentário sobre Nice, o resultado é uma lição sobre os “artifícios” necessários do cinema documental, o ponto de vista documentado que não pretendia reflectir a cidade que vemos, nem a cidade que uma câmara objectiva pode ver, mas outro que penetra através de outra forma de olhar, de outra forma de ver algo que já julgávamos conhecer. Barnouw concorda com o que Vigo disse para explicar o ponto de vista que o autor de um documentário deveria ter. “Ser suficientemente subtil para passar através de uma fechadura romena e filmar o príncipe Carol quando este veste a camisa de noite. E suficientemente pequeno para se agachar debaixo da cadeira do croupier, o grande deus do Casino de Monte Carlo” Que é que isso tem a ver com a realidade? Certamente que a verdade mais profunda de Nice está melhor fixada nas manipulações de Vigo e Kaufman do que em muitos “documentários-vérité”.

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É com este espírito, mas aproximando-nos dos seres humanos, que fazemos os nossos documentários. Por isso ninguém espere encontrar em Extranjeros de sí mismos uma aproximação histórica asséptica e rigorosa entre si próprio e os italianos voluntários de Franco, os estrangeiros das Brigadas Internacionais, ou os que foram para a Rússia com a Divisão Azul. Não existe uma verdade, mas também não há mentiras, há muitas verdades, há as verdades de cada um, dos indivíduos que em tempos, muito jovens, acreditaram que a melhor saída era a guerra. A aventura é plural, como plurais são as razões. A verdade tem tantos olhares como olhares têm os homens e mulheres. Não percamos tempo, sigamos pelo caminho da subjectividade. Que a verdade permaneça para os que fazem ficção, ainda que seja no cinema.


Javier Rioyo

(texto publicado no catálogo Odisseia nas Imagens)



4. Amir Labaki – Cinéma Vérité: O Cinema Directo e o Documentário de Televisão

31 de Outubro

14:30h – 18:00h

Casa das Artes



Amir Labaki

Crítico e teórico brasileiro Amir Labaki é o fundador e director do «É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários», de S. Paulo e Rio de Janeiro. Autor de oito livros sobre cinema e mantendo uma actividade diversificada nas áreas do estudo e da divulgação, foi ainda director do Museu da Imagem e do Som de S. Paulo.


Sinopse


A influência do cinema directo ganha novos contornos a partir da revolução digital. Porquê? Porque muitas das questões abordadas no final dos anos 50, com o aparecimento das câmaras de 16mm, voltam agora a colocar-se com uma evidência que obriga a revisitar antigos percursos. São tanto questões de ordem estética, quanto de ordem ética, às quais se junta a necessidade de reflexão sobre as relações entre o documentário e a televisão, tendo, sobretudo em conta as novas modlidades discursivas consequentes da segmentação televisiva.



Cinéma-Vérité: Defining the Moment (2000) de Peter Wintonick

5. Brian Winston – Lies, Damn Lies and Documentaries

01 de Novembro

às 14:30h

Casa das Artes


Jornalista, realizador de documentários e escritor, Brian Winston começou a sua carreira na Granada Television em 1963 com World In Action. Trabalhou também para o departamento de assuntos da actualidade da BBC e como realizador independente de documentários no Reino Unido e Estados Unidos. Produziu uma longa metragem no Canadá e, em 1985, ganhou um Emmy norte-americano como guionista de documentário, na categoria de programação de prime-time (para a cadeia WNET de Nova Iorque). No plano académico, Winston dirigiu o Media Studies Group da Universidade de Glasgow, tendo chefiado departamentos da National Film and Television School da Grã-Bretanha e da Universidade de Nova Iorque. Foi também reitor do College of Communication na Penn State University e professor titular da Cátedra de Jornalismo na Universidade de Cardiff. Actualmente é director da School of Communication and Creative Industries da Universidade de Westminster, um dos maiores centros universitários da Grã-Bretanha, líder na pesquisa académica em ciências da informação e comunicação. Como autor, Brian Winston acaba de publicar o décimo primeiro livro, Lies, Damn Lies & Documentaries. Em 1998, Media Technology and Society, foi votado o melhor livro do ano pela American Association for History and Computing. A sua actividade jornalística recente inclui trabalhos para The Independent on Sunday, The Scotsman, Prospect, Sight & Sound, Television e diversas entrevistas para a BBC Radio 4. Membro da administração do British Film Institute, Brian Winston integra também o Comité Consultivo DCMS para o e-turismo.


Sinopse


A televisão dos dias de hoje comprova que o documentário e jornalismo são a mesma coisa. O documentário não é mais do que uma notícia alargada. Mas do ponto de vista histórico, o documentário era muito mais do que isso e utilizava uma abordagem bastante diferente relativamente às questões relacionadas com o que constituía as técnicas permissíveis. Estas eram muito mais vastas do que a amplitude permitida aos jornalistas. Para, além disso, as correntes actuais estão a ameaçar as tradições dos documentários. Utilizando material de arquivo e outro actual, Winston defende que os documentaristas, especialmente no mundo anglo-saxónico, têm de pugnar pelo seu direito artístico.





(Nota: No segmento de Cinema deste blogue pode ler-se uma entrevista com Brian Winston feita para o programa Odisseia nas Imagens na RTP 2)


Filmes apresentados nas Masterclasses:


Through the Wire (1990) de Nina Rosenblum

Why we Fight I (1942) de Frank Capra

Asaltar los Cielos (1997) de Javier Rioyo

Cinéma-Vérité: Defining the Moment (2000) de Peter Wintonick



Filme Concerto

Nosferatu, de Friedrich W. Murnau com música ao vivo dos «Clã»

30 de Outubro de 2001

Rivoli Teatro Municipal – Grande Auditório


Apesar de ser algo que há muito nos entusiasmava, foi com o convite da “Odisseia nas Imagens” que surgiu a oportunidade de, pela primeira vez, fazermos música para cinema. O desafio lançado, a composição de uma banda sonora original para uma longa metragem do cinema mudo, tinha ainda o atraente requisito da projecção ser acompanhada com a execução ao vivo dessa banda sonora.

No processo de escolha do filme, sentimo-nos, desde o primeiro momento, atraídos pelo cinema mudo fantástico – de ficção científica ou de terror.


A par com o lado irreal e mágico do cinema fantástico procurávamos também um filme com uma densidade dramática que fizesse sentido para uma audiência do século XXI. Inevitavelmente, mergulhámos no mundo do cinema expressionista alemão e foram várias as obras, de Fritz Lang a Paul Wegener, que vimos e revimos.


A escolha acabou por ser Nosferatu, de F. W. Murnau.



Nosferatu (1922) de F. W. Murnau

A excelência do filme é conhecida – a figura aterradora e única do Conde Orlock, os cenários poderosos e mágicos, a utilização de efeitos especiais (inovadora e experimentalista na altura, mas ainda eficaz e expressiva nos dias de hoje), a complexidade e humanidade pulsante das personagens principais, a forma magistral como o crescendo de terror é orquestrado, fazem deste filme um dos melhores filmes de vampiros de sempre.


É, além disso, um filme muito “musical”.


F.W. Murnau acreditava no poder das imagens e na independência e pureza do cinema perante o som e outras técnicas ou formas de arte. No entanto, o subtítulo desta obra, “Uma Sinfonia de Horrores”, denuncia uma certa natureza musical do filme. Os cinco actos parecem andamentos diferentes, cada um com o seu tempo, a sua pulsação, os seus motivos. A forma como as personagens se movem, como a câmara se move sobre os personagens e sobre os cenários sugerem também algo de coreográfico e a própria construção do enredo é dramaticamente operática. Se é certo que é um filme que se vê bem em silêncio, a verdade é que o apelo à música é, para nós, incontornável.


Escolhido o filme, faltava saber que música compor para ele.


E aqui é que o desafio maior se revela - o de encontrar o ponto de equilíbrio entre forças aparentemente antagónicas.


Por um lado, é fundamental que a música sirva o filme, ou seja, que em nenhum momento distraia o espectador ou traia o que se passa na tela. É necessário respeitar a obra, o seu espírito, o seu tempo, a sua estrutura, e ter a consciência de que a prioridade é concentrar a atenção no filme. Assim, a música será sempre secundária, será sempre escrava da imagem.


Por outro lado, é para nós importante tentar que a música alcance um certo protagonismo, que lhe conceda uma existência interessante para lá do filme, e uma personalidade, que represente a nossa leitura da obra. Em outras palavras, que o nosso trabalho leve para o filme o que, por exemplo, tentamos levar para uma canção de outro autor quando fazemos uma versão - a nossa interpretação da obra.


O que procuramos oferecer a quem assistir à apresentação deste espectáculo, é a possibilidade de apreciarem um filme magnífico acompanhado pela música que surgiu do eco que esta obra teve em nós, do modo com a lemos e interpretámos, do nosso olhar sobre Nosferatu.


Clã



Participantes:


Hélder Gonçalves

Manuela Azevedo

Miguel Ferreira

Pedro Rito

Fernando Gonçalves

Pedro Biscaia


(Continua)




ANEXO I


The Prisoners of Rikers Island Legenda. Lock-Up: The Prisoners of Rikers Island (1994) de Nina Rosenblum

Nina Rosenblum no Porto 2001


A equação censória


«Tornar visível o invisível» é o título genérico da masterclass que a documentarista norte-americana Nina Ronsenblum apresentará no Porto a 26 de Outubro próximo. Nina Ronsemblum centrará a sua participação no ciclo «Como Salvar o Capitalismo» no que chama a «ilustração da natureza da rede da censura» nos Estados Unidos.


Revelando o lado oculto do universo carcerário norte-americano, o trabalho de Nina Rosenblum, mesmo quando efectuado em cooperação com a Amnistia Internacional, foi objecto de censura e boicote. É o caso do documentário «Through the wire», com narração de Susan Sarandon, sobre o universo carcerário dos Estados Unidos, que viu a sua apresentação pública internacional longamente impedida, apesar de ser realizado em co-produção com a Amnistia Internacional e de se tratar, inicialmente, de uma co-produção para a cadeia de televisão ABC. Quando, devido à pressão pública internacional, logrou furar o cerco, o filme que Ronsemblum mostrará e comentará no Porto, acabou por tornar-se um «alerta para o crescimento da construção penitenciária que torna hoje os Estados Unidos o líder mundial na percentagem de presos per capita», descreve a cineasta.


Outras histórias insuspeitadas, de uma América que Holywood nunca mostra, poderão agora ser vistas no Porto, com o comentário da autora. Em concreto, as mulheres presas por razões políticas nos Estados Unidos são o sujeito de um dos segmentos específicos de «Through the wire», contendo entrevistas choque nos blocos de alta segurança das cadeias de Marion e Lexington, «as duas piores dos Estados Unidos». Intitulado «Marion: the toughest prisons in America», o material constitui um documentário autónomo com dez minutos de duração, foi o núcleo de imagens inicialmente produzido para o programa «20/20» da ABC e esteve na origem de «Through the wire».


«Unintended consequences», outro curto documentário de dez minutos, conta mais uma história tão terrível quanto cuidadosamente ocultada pelo sistema político e mediático, «a saga das mães dos desaparecidos em Nova Iorque», enquadrada no «draconiano impacto» das leis anti-droga sobre as famílias e comunidades não brancas norte-americanas.


Na sua masterclasses, Rosenblum tentará deixar demonstrada a existência nos Estados Unidos, por trás dos esforços de silenciamento de trabalhos como os seus, de uma matriz censória de carácter sistémico e não meramente casuístico.



ANEXO II



Nina Rosenblum e equipa na rodagem de The Untold West: The Black West (1993)

Dennis Watlington na Odisseia nas Imagens


Um todo-o-terreno do documentário mundial


Dennis Watlington, produtor, realizador e argumentista, nomeado para os Óscares e multi premiado a nível internacional, estará no Porto no âmbito do Ciclo Como Salvar o Capitalismo, para dirigir uma master class sobre documentarismo.


Detentor de uma carreira de espantoso ecletismo que o levou da pintura ao cinema, passando pelo teatro, o guionismo, a produção e realização cinematográficas, em particular na área do documentário, Watlington, nascido no bairro nova iorquino de Harlem, viria a tornar-se o primeiro afro-americano a ser admitido na prestigiada Hotchkiss School.


Para além de trabalhar em algumas das mais prestigiadas séries nas principais cadeias norte-americanas de televisão, Watlington distinguiu-se no teatro com, entre outras, a peça «Bullpen» que lançou a carreira de actor de Bruce Willis e permaneceu em cena na Broadway durante oito anos consecutivos.


Assinando como produtor e/ou realizador quase duas dezenas de filmes , desde 1978, Dennis Watlington recebeu mais de 60 galardões e menções nos mais selectos festivais de todo o mundo, nas áreas por que dissemina a sua eclética actividade: fotografia, pintura, escrita, teatro, cinema, guionismo, documentário e jornalismo.


Constituem referências obrigatórias nesta trajectória de consagração a nomeação para um óscar da Academia para o Melhor filme Documentário de 1992, e um Emmy pelo seu trabalho de guionista em «The Untold West: The Black West». Especialmente dedicado à causa dos Direitos Humanos, documentários de Dennis Watlington foram distinguidos pelo New York Council for Humanities, no «Human Rights Watch Film Festival» e com o Holocaust Humanitarian Award, além de terem suscitado a atribuição ao autor, em 1992, do galardão da International Documentary Association.


Filmes seus foram ainda premiados em múltiplos festivais nas mais diversas latitudes como Nova Iorque, Sundance, Berlim, Jerusalém, Denver, San Francisco, Edimburgo, Montréal, Chicago, Upsala, Valladolid, Leninegrado ou Avignon.


Membro da International Documentary Association, da Director’s Guild of America e da Academy of Motion Picture Arts and Sciences, Dennis Watlington integra, com Nina Rosenblum, a Daedalus Productions Inc., uma produtora independente sem fins lucrativos, fundada em 1980 nos Estados Unidos.


Depois de ter sido professor de pintura, fotografia, teatro, cinema e vídeo, a carreira académica de Dennis Watlington levou-o a leccionar as cadeiras de Realização de Documentário na Columbia University Graduate Film School e de Produção Dramática na New York University.


A vida e a obra de Watlington originaram já dois best-sellers da autoria de Gail Sheely, «Passages» e «New Passages», encontrando-se Dennis, actualmente, a trabalhar no livro autobiográfico «Chasing America».



ANEXO III



A Propósito de Buñuel (1999) de Javier Rioyo

Odisseia nas Imagens conta com Javier Rioyo


A verdade Impossível


«O filme documentário faz-se a golpes de mentira», defende surpreendentemente Javier Rioyo, (Madrid, 1952) jornalista, guionista e conferencista universitário, diplomado em Ciências da Informação. A master class que proferirá a 31 de Outubro na Odisseia nas Imagens (Casa das Artes) intitula-se significativamente «A mentira da verdade» e constitui um dos pontos altos do debate sobre o documentário que rodeia a primeira edição do Festival Internacional de Documentário e Novos Media do Porto, inserida nas celebrações da Capital Europeia da Cultura.


De Dziga Vertov o grande sonhador que veio do frio com os seus documentários de «cinema verdade», a Leni Riefenstahl, a realizadora dos filmes documentais de magnificação de Hitler, como o que realizou sobre as Olimpíadas de 1936, em Berlim, integra-os Rioyo na categoria de «descarada propaganda», apesar de serem marcos de referência na história do documentário.


Rioyo é autor com José Luis López-Linares de cinco documentários. «Asaltar a los cielos» (1996), uma longa metragem nomeada para os prémios Goya para a melhor montagem e Prémio Especial Cine dos Galardões Ondas, 1997, será exibida durante a master class de 31 de Outubro. Seguiram-se «Leo Orvich: Un ofício del Siglo XX», em 1997 e «Lorca, así que pasen cien años», nomeada em 1998 para os prémios Emmy. «A propósito de Buñuel» e «Extranjeros de si mismo», ambos do ano 2000 fecham, até à data, a cinematografia de Rioyo, relativamente à qual ele próprio adverte:«que ninguém espere [ de “Extranjeros de si mismos»] uma asséptica e rigorosa aproximação histórica aos italianos voluntários de Franco, nem aos estrangeiros das Brigadas Internacionais, nem aos que partiram para a Rússia com a Divisão Azul».


Criador e analista multifacetado, Javier Rioyo viu em 1992 galardoado com o «Premio libros sobre Madrid» a sua obra «Madrid: casas de lenocínio, holganza y malvivir», abordando o cenário da prostituição na capital espanhola.


Depois de tudo isto, para Rioyo «não há uma verdade, nem mesmo existem mentiras, há muitas verdades, as verdades de cada um, dos indivíduos». De modo polémico, este colaborador do «El País», assessor da revista «Cinemania» e colaborador da «Cadena Ser», detentor de dois prémios «Ondas» em Rádio e um em televisão, compara o documentarista a «um bom barman» que serve o seu cocktail revestido pelo falso «prestígio” da objectividade, do cinema verdade».


Assumindo a máxima subjectividade como única estratégia de aproximação à verdade, Javier Rioyo demonstra com as suas ideias e a sua própria obra como «os melhores documentaristas não têm a arrogância de se presumirem os mediadores da verdade», acrescentando: «Felizmente»!




Atualizado: 20 de out. de 2023

O 4º módulo da Odisseia nas Imagens - Como Salvar o Capitalismo/ Outras Paisagens - foi também aquele que daria origem à primeira e única edição do Festival Internacional do Documentário e Novos Media do Porto. Corresponde na sua concepção ao que seria e foi a proposta de continuidade da Odisseia nas Imagens com as suas múltiplas articulações: um espaço de exibição, divulgação e reflexão sobre o Cinema, com forte ligação às escolas de Ensino Superior, que se assumia como um polo estruturante da indústria audiovisual e multimédia do norte do País. Daí a publicação, agora, de textos de caráter mais teórico, bem como de outros da autoria de Rui Pereira que se inseriam naquilo que deveria ser uma futura estratégia de comunicação. Estes últimos estão publicados em anexo. Quem se der ao trabalho de ler o texto anterior, este e os seguintes ficará não só com uma ideia clara da lógica da Programação e da extraordinária diversidade, mas também do que seria o futuro Festival Odisseia nas Imagens.



Festival Internacional do Documentário e Novos Media do Porto


De 10 de Setembro a 17 de Novembro de 2001

Rivoli Teatro Municipal – Grande Auditório

Casa das Artes


Mr. Freedom (1969) de William Klein

Pensar Glocal, Projectar o Futuro


Este é o quarto e último módulo da Programação de Cinema, Audiovisual e Multimédia da Sociedade Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura. Encarada numa perspectiva dinâmica a Odisseia nas Imagens 4.0 recolhe as experiências e faz a síntese dos módulos anteriores configurando o primeiro festival do Documentário e Novos Media do Porto. Como não podia deixar de ser, a abertura do Festival fez-se com O Porto da Minha Infância, de Manoel de Oliveira, uma encomenda da Sociedade Porto 2001. O filme assinala não só o regresso de Oliveira ao documentário 70 anos depois de Douro, Faina Fluvial, mas é também como que um regresso a casa, neste caso a cidade do Porto, onde pela mão de Aurélio da Paz dos Reis nasceu o Cinema Português. O Porto da Minha Infância carrega, pois, simbolicamente, o sentido de um renascimento.


Obedecendo a uma estratégia de criação de novos públicos, de dinamização do debate em torno das questões da imagem e dos novos modos de significar, de reflexão a propósito de um sector audiovisual cuja afirmação regional repercute em termos da afirmação global da realidade local, a Programação foi sendo ampliada e diversificada de módulo para módulo, aliando a componente lúdica a um quadro conceptual exigente e interpelativo, dando a ver aquilo que habitualmente não é visto e questionando aquilo que habitualmente não é questionado.


Assim, ao mesmo tempo que no ciclo O Olhar de Ulisses, em colaboração com a Cinemateca Portuguesa, se fazia a História do Documentário e se mostrava o Grande Cinema, eram dados incentivos às produções escolares e lançados numerosos ateliers, workshops e masterclasses nas áreas do Cinema, Televisão e Multimédia, todos eles com pedidos de inscrição muito superiores às vagas disponibilizadas. Retrospectivas de autor permitiram revisitar Visconti e dar a conhecer Errol Morris. Ciclos temáticos no domínio do digital e das imagens em 3D, instalações e filmes concerto, a partir dos quais se projectou um olhar renovado sobre os clássicos, deram corpo a um olhar experimental. Relevado o papel estruturante dos festivais, assumida a necessidade da ligação às universidades e apontado o caminho para uma política local de incentivo à produção e exibição de documentários, animação e curtas metragens de ficção abriram-se pistas para o futuro.





A Odisseia nas Imagens 4.0 prossegue o percurso iniciado em Maio de 2000 com “O Homem e a Câmara”, continuado em Outubro e Novembro do mesmo ano com “O Som e a Fúria” e desenvolvido em Março, Abril e Maio de 2001 com “Apocalípticos e Integrados”. Este 4º módulo, estrutura-se em torno do modo como as imagens em movimento, bem como as novas linguagens multimédia reflectiram e reflectem as grandes questões do final do século XX e projectam a aventura do século XXI. Certamente não por acaso A Odisseia nas Imagens 4.0 denomina-se “Como Salvar o Capitalismo/ Outras Paisagens” e obedece já ao modelo de um festival que promove em vários espaços, em simultâneo, ciclos de cinema clássico, retrospectivas de autor, masterclasses, workshops, ciclos temáticos sobre a actualidade, fórums de reflexão, trabalhos experimentais e, naturalmente, também, um sector competitivo no qual se enquadra a competição de escolas.


Resulta, pois, que a Odisseia nas Imagens tem por objectivo promover a produção criativa multimédia e o documentário nas suas múltiplas modalidades, bem como transformar-se num fórum de debate sobre políticas e linguagens audiovisuais e multimédia, de modo não apenas a projectar a visibilidade da cidade e da região, mas também a fazer da cidade e da região um polo de produção, distribuição e difusão do cinema, audiovisual e multimédia do noroeste peninsular. Por isso, não apenas a selecção competitiva, mas também outras iniciativas, contemplam uma presença significativa de criadores e especialistas portugueses e espanhóis.



Sessão de encerramento da Odisseia nas Imagens

Ponto de encontro de realizadores, produtores, operadores de televisão e outros agentes culturais, a Odisseia nas Imagens foi estruturada a pensar numa política virada para a identificação e aposta em nichos de mercado assente em critérios de racionalidade económica e de excelência ao nível do discurso. É uma forma de pensar local e agir global. É a política do glocal. Portanto, estes nichos de mercado não se esgotam em produções de difusão limitada, antes são encarados como parte integrante de um mercado consequente, por um lado, da segmentação e especialização televisivas, as quais abrem novas janelas de oportunidades e, por outro, do impacto estruturador produzido pelos festivais internacionais de cinema, televisão e multimédia nas indústrias culturais e no tecido económico dos países da União Europeia.


Por forma a multiplicar a eficácia dos efeitos pretendidos a Odisseia nas Imagens requer, naturalmente, a articulação tanto com estruturas já existentes, nomeadamente as universidades e os festivais de cinema da área metropolitana do Porto – o Fantasporto, o Festival Internacional de Curtas Metragens de Vila do Conde e o Cinanima - quanto com estruturas em fase de lançamento, como a Casa da Animação, ou outras em fase de estudo, como o Media Parque. Como se depreende requer, também, uma estratégia de internacionalização sem a qual a contemporaneidade é inexequível. Observados estes princípios e sabendo tirar partido quer do salto cultural verificado nos últimos dez anos, quer dos efeitos induzidos pela Capital Europeia da Cultura, o Porto poderá legitimamente aspirar a um lugar de interessante protagonismo no contexto do audiovisual peninsular. Em suma, ficam lançadas as bases a partir das quais é permitido imaginar uma nova Cidade das Imagens.

Jorge Campos

Dario Oliveira



Ante-Estreia do Filme “O Porto da Minha Infância” de Manoel de Oliveira

(Encomenda da Sociedade Porto 2001)

Dia 10 de Setembro de 2001

Rivoli Teatro Municipal – Grande Auditório



O Porto da Minha Infância (2001) de Manoel de Oliveira

O Porto da Minha Infância (Texto Jacques Parsi)


Com a liberdade de inspiração e o rigor de escrita que o caracterizam, Manoel regressa à sua cidade natal, a cidade do Porto. Ela já tinha inspirado o seu primeiro filme, Douro Faina Fluvial, em 1931, e o filme que marca o seu regresso atrás da câmara em 1956, O Pintor e a Cidade. Nestas duas obras Oliveira havia filmado aquilo que prendia o seu olhar. Em Porto da Minha Infância, ele escolheu filmar aquilo que já não existe e que só os olhos da memória, da “sua” memória podem ainda ver. À imagem daquele primeiro plano onde uma orquestra invisível toca uma música misteriosa. O Porto da Minha Infância é ainda o Porto de antes do nascimento: uma cidade carregada de história, uma cidade de artistas e pensadores. E, como que por um movimento em espiral, o filme desenvolve-se desde as ruínas da sua casa natal, à cidade do Porto, a toda a sociedade onde se trava a guerra dos sexos, à Europa. O último plano do farol que se abre sobre o infinito do mar e do mundo é a réplica, ou a rima se se quiser, a cores, do primeiro plano do primeiro filme do jovem Oliveira, setenta anos antes... o Porto é também a cidade que viu nascer, depois de 1896, o cinema em Portugal...


Porto da Minha Infância é o filme de uma procura: fragmentos de lembranças, vestígios, testemunhos, marcas, actualidades, letras de canções, fotografias... Imagens de identificação por vezes incerta: estes dois homens que olham para a objectiva da câmara serão realmente os poetas Fernando Pessoa e José Régio? E esta mancha cinzenta? Essa sobre a qual a mão do realizador desenhou uma cabana, um pavilhão de jardim, será realmente a garagem onde revelou o negativo do seu primeiro filme? Fumo de fumo, tudo é fumo. A vida e a memória esfumaram-se. A voz da memória fala de uma garagem, mas nós nunca vemos mais do que uma sombra. Um fantasma. O passado é uma palavra em que se deve acreditar.


A casa natal desapareceu, a árvore da forca desapareceu... e as confeitarias, e o Palácio de Cristal, e a prima Guilhermina, o primeiro amor....


Por momentos, o filme da memória é tomado pela vertigem. Do camarote dos seus pais, Manoel, adolescente, assiste à opereta Miss Diabo. O Manoel que vemos é, com efeito, o seu neto encarregado de o incarnar. Este observa em cena o Manoel que ele será oitenta anos mais tarde, o Manoel que ele é agora, detentor do papel de um actor dos anos vinte, Estêvão Amarante, que interpreta por sua vez o papel de um ladrão, que rouba o coração de uma mulher...


Participantes convidados para a Ante-estreia Nacional do filme:


Manoel de Oliveira

Paulo Branco

Rogério Samora

Ricardo Trepa

António Costa


Filme Concerto

23 de Outubro, Auditório de Serralves – 22H00



Life and Death of 9413 - a Hollywood Extra (1928) de Robert Florey. Fonte: Binged


Life and Death of 9413 - a Hollywood Extra de Robert Florey, 1928

Regen de Joris Ivens, 1929

Un Chien Andalou de Luis Buñuel, 1929

Música ao vivo de Remix Ensemble – Casa da Música

Ciclo «Outras Paisagens». Clássicos do cinema revisitados pelo Remix Ensemble da Casa da Música.


O Remix – Ensemble Casa da Música foi criado no âmbito da Programação Musical do Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura enquanto parte integrante do projecto “Casa da Música”.


Desde o concerto inaugural em Outubro de 2000, sob a direcção do seu maestro titular, Stefan Asbury, o ensemble tem-se apresentado ao ritmo de um novo programa por mês em várias salas do país, nomeadamente Auditório de Serralves (Porto), Auditório do DECA da Universidade de Aveiro, Teatro Nacional de S. João (Porto), Teatro Camões (Lisboa) e Centro Cultural de Belém (Lisboa).


Tendo começado por dar especial atenção aos clássicos do século XX, o Remix – Ensemble Casa da Música tem vindo a alargar o seu repertório, divulgando as mais significativas correntes estéticas da música contemporânea. Os programas de concerto incluíram compositores como Schoenberg, Webern, Dallapiccola, Ives, Nancarrow, Feldman, Varese, John Adams, Frank Zappa, Berio, Knussen, Gruber, Falla, Gandolfi, Debussy, Mahler, Gavin Bryars, Daniel Goode, Philip Corner, Cornelius Cardew, Henry Dutilleux, Poul Ruders, Ligeti, Birtwistle, Steve Reich, Eurico Carrapatoso (primeira audição da obra encomendada pela Fundação Serralves), João Pedro Oliveira, António Chagas Rosa e Emmanuel Nunes.


Em Novembro de 2000 participou no Festival “Música em Novembro”, organizado pelo Teatro Nacional de S. Carlos e em Maio de 2001 participou no “Ensems - XXIII Festival Internacional de Música Contemporânea de Valência”, onde fez a estreia mundial de Buried Materials de António Gómez-Schneekloth (encomenda daquele Festival). Em Abril de 2001 fez a sua primeira incursão na ópera através da produção de The Turn of the Screw de Benjamin Britten (co-produção do Estúdio de Ópera do Porto e do Teatro Nacional de S. João), com direcção musical de Brad Cohen e encenação de Ricardo Pais. Em Setembro de 2001, realizou dois concertos, no Centro Cultural de Belém e Auditório Serralves, com um programa inteiramente preenchido por obras encomendadas aos compositores João Madureira, Luís Tinoco, Sara Carvalho, Nuno Corte-Real, Patrícia Almeida e José Luís Ferreira em co-produção com o Centro Cultural de Belém. Em Outubro de 2001 interpretou, juntamente com a Orquestra Gulbenkian e Drumming –Grupo de Percussão, Quodlibet de Emmanuel Nunes, sob a direcção de Jürg Henneberger e Kasper de Roo.


Além de ser dirigido regularmente por Stefan Asbury, o Remix – Ensemble Casa da Música já trabalhou sob a direcção de Ilan Volkov, Anton Lukoszevieze, Brad Cohen, Miquel Bernat, Michael Zilm, Sarah Ioannides e Kasper de Roo.


Participantes:


Stefan Asbury (Direcção)

Angel Gimeno (Violino)

Monica Germino (Violino)

Trevor McTait (Viola)

Oliver Parr (Violoncelo)

António Augusto Aguiar (Contrabaixo)

Helen Bledsoe (Flauta)

José Fernando Silva (Oboé)

Vitor Pereira (Clarinete)

Roberto Erculiani (Fagote)

Bruno Hiron* (Trompa)

Gary Farr* (Trompete)

Jonathan Pippen (Trombone)

Mário Teixeira (Percussão)

Manuel Campos (Percussão)

Jonathan Ayerst (Piano)


* músico convidado



O Olhar de Ulisses 4 - Resistência

26 de Outubro 2001, Grande Auditório Rivoli – 22H00


«A Ilha das Flores» de Jorge Furtado

«Dodes’ka-den» de Akira Kurosawa


Uma obra-prima de Kurosawa. O seu primeiro filme a cores tantas vezes comparado à pintura de Mondrian e do Kandinski da primeira fase. Uma crónica sobre o cotidiano de uma periferia pobre de Tóquio, na qual se cruzam um menino que mendiga num restaurante a comida para si mesmo e para o pai, uma jovem tímida que faz flores artificiais para sustentar o padrasto alcoólatra, o "maquinista" de um comboio imaginário que imita o som das rodas sobre os trilhos…Dodes’ka-den, Dodes’ka-den… Tudo à margem da metrópole invisível que mesmo assim sufoca a vida dos excluídos.



Dodes’ka-den (1970) de Akira Kurosawa

Estreia: «Messiah» de William Klein

27 de Outubro de 2001, Grande Auditório Rivoli – 22H00


Ciclo «Como Salvar o Capitalismo» - Estreia em Portugal do filme «Messias», de William Klein, um dos ícones da cultura contemporânea. Fotógrafo, cineasta, pintor, Klein revolucionou a fotografia e o documentário. Proscrito durante 40 anos no seu país, acolhido mas também censurado em França, definiu provocadoramente o seu «Messias», que recolhe a obra monumental de Haendel, numa curta frase: «Cristo + Charlot».



Messiah (1999) de William Klein

Estreia: «Crazy» de Heddy Honigmann

28 de Outubro de 2001, Grande Auditório Rivoli – 22H00


Ciclo «Como Salvar o Capitalismo» - Um relato de experiências de guerra de soldados em missões dos capacetes azuis da ONU em várias partes do mundo ou o modo de entender a globalização da guerra por uma das principais documentaristas da actualidade, autora, entre outros dos multipremiados «O Amor Natural» e «Metal e Melancolia». “Crazy” combina as imagens recolhidas pelos próprios soldados no teatro de guerra com a música e as canções que permaneceram associadas à sua memória dos conflitos: de Puccini a Elvis Presley, de Pergolesi a Patsy Cline.



Crazy (2000) de Heddy Honigman


Quem és Tu? de João Botelho

Estreia (Sessão Especial)

Dia 29 de Outubro de 2001

Rivoli Teatro Municipal – Grande Auditório


Quem és tu? Quem são as figuras, os grupos, as situações que perturbam o sono de Maria? Quem és tu, rei imberbe, cuja loucura foi a nossa desgraça e cujo fantasma atormenta o nosso sono e o sono de Maria? Quem és tu, cativo de Fez, que vens pôr em causa o nosso sossêgo e o nosso abandono? A atmosfera moral, visionária, supersticiosa e a grandeza que envolvem o Frei Luís de Sousa, e tudo o que moldou e vazou o maior mito da nossa História, o sebastianismo, essa abdicação de História e prova póstuma da nacionalidade, podem resumir-se nessa pergunta. Frei Luís de Sousa é uma obra de génio, ímpar na arte da escrita portuguesa, que só tem comparação no teatro de Gil Vicente, nos Lusíadas e nos sonetos de Camões, antes de Garrett, e no Amor de Perdição de Camilo, e nos versos de Pessoa, depois dele.


Uma "forma de beleza, acima da qual nada mais há!", a imensidão de qualquer um dos finais dos actos que sendo tão grandiosos só se escrevem uma vez. Ser possível fazer um filme sobre um patriota singular sem abdicar de lutar pelo progresso das formas e das ideias. Aliás, todos nós cineastas, devíamos ser obrigados a fazer um Frei Luís de Sousa.

João Botelho


Participantes:

João Botelho (realizador)

José Pinto (Actor)

Bruno Martelo (Actor)

Patrícia Guerreiro (Actriz)

Suzana Borges (Actriz)

Rui Morisson (Actor)

Rogério Samora (Actor)

Francisco D'Orey (Actor)

Elso Roque (Imagem)

Sílvia Grabwoski (Guarda-roupa)

Rita Gallo

Catarina Cabrita



Quem és tu? (2001) de João Botelho


Ciclo “Como Salvar o Capitalismo”

De 20 de Outubro a 3 de Novembro

Casa das Artes

Sinopse:


No último quartel do século XX, o que restava da utopia caminhou ao lado de regimes de mãos de ferro, a humanidade envolveu-se em sanguinolentas carnificinas e o homem conheceu um desenvolvimento científico e tecnológico sem precedentes, avançando na aventura do espaço e do ciberespaço. Fazendo uso do mapa genético, criou condições para se multiplicar laboratorialmente. Este admirável mundo novo é, na verdade, um mundo de luz e sombra, porventura de Frankenstein e da sua criatura, seguramente de ecrãs planos transportando dentro de si personagens sem espessura numa espécie de versão pós-moderna da paisagem orwelliana. Ruiram os mitos, tombaram os muros. Em que acreditar? Pois, salve-se, ao menos, o capitalismo! Por entre o amontoado de cacos e telelixo, reminiscências de um tempo que se acreditou poder ser justo, na desordem aparente que sugere uma nova barbárie ou, se preferirmos, nessa ordem aparente que promete uma ordem nova, haja, pois, lugar para um olhar oblíquo, transversal, provocatório.


Jorge Campos



Retrospectiva de William Klein/ Filmes do ciclo Como Salvar O Capitalismo

Exposições/ Masterclasses/ O Choque das Imagens

De 21 de Outubro a 2 de Novembro


Como Salvar o Capitalismo

De 21 a 25 de Outubro de 2001

Casa das Artes


Retrospectiva de William Klein

Com a presença de William Klein e de Jeanne Klein

Casa das Artes



Foto Ali de William Klein

William Klein revolucionou o cinema, como tinha revolucionado a fotografia com o seu livro sobre Nova Iorque, em 1956. A sua visão de autor consiste em abordar um tema que conhece bem (a moda, os media, o engajamento político) e desmontar os seus mecanismos por meio da ficção. A boneca fica com as entranhas à mostra, e é ainda mais bonita. Klein leva o traço até à farsa, ao agit-prop. Está sempre na vanguarda, uma ou duas décadas à frente. Para cada um dos seus vinte filmes procura um estilo adequado. Em Qui êtes-vous Polly Maggoo (1965-66) há banda desenhada, contos de fadas, palhaçadas, coreografia, e a antecipação das farsas grotescas da moda actual. Klein caricaturiza os que estão na moda e os (as) ditadores (as) da moda. Permite-se ser “excêntrico” ao estilo das comédias americanas da sua infância, com o príncipe encantado de pacotilha apaixonando-se pela foto de uma vedeta. O seu procedimento é ainda mais corrosivo em Mister Freedom (1967-68), um panfleto contra a América polícia do mundo. Com desenho e argumento de William Klein, Freedom antecipa o pop com o seu azul-branco-vermelho introduzido no guarda roupa. As manifestações enfurecidas do “movimento Freedom” configuram as missas do lepenismo avant la lettre. Em Le couple témoin (1975-76) denuncia os grandes aglomerados urbanos. Um casal comum (André Dussolier e Anémona) é submetido à vigilância de psico-sociólogos inverosímeis e sádicos, num apartamento-modelo. Klein zomba dos dependentes do consumismo e recorta o casal seguindo o pontilhado, num cenário branco, de nonsense. Não é de espantar que André Dussolier se tenha sentido “objecto das provocações” de Klein, o que muito o divertia.


Os documentos-retratos de Klein, que tratam de três super negros, são Muhammad Ali, the Greatest, Eldridge Cleaver, Black Panther e Little Richard story. São os “Abre-te Sésamo” da sua América particular. Cassius Clay, genial lutador de boxe, nascido dos deuses em Kentucky, comprado como um cavalo pelos aristocratas, torna-se duas vezes campeão mundial de pesos pesados. William Klein segue-o, apaixonado, mas sem bajulações, e restitui a imagem do atleta mais célebre da História com uma energia e um oxigénio desconhecidos no cinema documental. É que Klein é um mestre da reportagem e tem um olhar devorador. Little Richard story é uma outra face da América, a história de um cantor de rock que desce a ponto de vender Bíblias para dois aldrabões evangélicos brancos que o exibem e exploram. Sentindo-se enganado, Little Richard diz adeus e desaparece durante a rodagem. Klein não se deixar vencer e descobre um concurso de imitadores de Little Richard, um "Dia Little Richard" sem Richard. Filma tudo e conclui o documentário sem o herói. É destroçador, derrisório e comovedor. Quanto a Eldrige Cleaver, procurado pelo FBI e refugiado na Argélia, Klein filma-o durante três dias e três noites, enquanto ele faz um discurso de "iluminado" sobre a "nova revolução americana". Klein persegue, através de planos cada vez mais próximos, um Cleaver a divagar, a triturar uma faca de entalhar e a fumar. Enquanto Muhammed Ali é um falso clown e um verdadeiro Messias, Cleaver é um falso Messias e um verdadeiro louco. William Klein escolheu exprimir-se pelo desporto, pelo rock, pela música e pelo Messias. Ao som do oratório de G. F. Haendel faz Le Messie (O Messias): "Vai ser Jesus + Charlot", disse Klein.


Claire Clouzot



The Little Richard Story (1980) de William Klein


Filmes:


21 Outubro

18:30h

The Little Richard Story (1980) de William Klein, 90’

22:00h

Mode en France (1985) de William Klein, 90’


22 Outubro

18:30h

Don’t Look Back (1967) de D. A. Pennebaker, 96’

22:00h

Muhammad Ali, The Greatest (1974) de William Klein, 120’


23 Outubro

18:30h

I Am Cuba (1964) de Mikhail Kalatozov, 141’

às 22:00h

Havanna Mi Amor (2000) de Uli Gaulke, 80’



I Am Cuba (1964) de Mikhail Kalatozov


24 Outubro

18:30h

Far From Vietnam (1967), episódio de William Klein

Eldrige Cleaver (1970) de William Klein, 75’

22:00h

Mr. Freedom, de William Klein, 1969, 95’


25 Outubro

16:00h

Masterclass de William Klein+filmes:

Contacts (1983) 15’

Hollywood California: A Loser’s Opera (1977), 60’

22:00h

Broadway By Light (1958) de William Klein, 12’

Who Are You, Polly Magoo? (1966) de William Klein, 102’



Who Are You, Polly Magoo? (1966) de William Klein

Exposições de Wiiliam Klein:


A Revolução já não está na moda? E Klein, estará?

Ao contrário do personagem de Feydeau que dizia: “Como queres tu que eu te escute, quando me falas a contraluz?”, o clamor emitido pelas fotografias de William Klein impede-nos, por vezes, de as ver. As imagens que ele arranca à realidade conservam todo o seu furor e ruído, como se ele tivesse introduzido uma banda sonora em cada um dos seus rolos fotográficos. O universo fotografado por Klein nunca acaba, sendo uma vítima constante de devastações internas, de relações de força que em si mesmas se modificam alterando as estruturas. Em vez de estagnar, como muitos outros, o seu universo reproduzido na superfície gelada do papel adquire uma nova energia e entra em erupção diante dos nossos olhos. Incendeia-se, assobia, agita-se, lança jactos de matérias incandescentes e produz seres fabulosos, os pés apanhados pela lava e o rosto coberto por graffitis. As fotografias de William Klein são agitadoras, comoventes e revolucionárias.


Wiiliam Klein – Irónico e devorador

De 20 de Outubro de 2001 a 05 de Janeiro de 2002

FNAC Sta. Catarina


Uma exposição retrospectiva.

De 1958 a 1993, fotografias de Roma, Paris e Nova Iorque.

A moda e os seus bastidores, a rua e as suas cores, imagens dos seus filmes.


William Klein – Mode In and Out

De 20 de Outubro de 2001 a 05 de Janeiro de 2002

FNAC Norte Shopping


William Klein – Contacts

De 21 de Outubro a 12 Novembro de 2001

Casa das Artes


(Excerto do Prefácio de “Mode in and Out” assinado por William Klein, Editions du Seuil, reproduzido no catálogo Odisseia nas Imagens)


“Em 1954, voltei para Nova Iorque depois de ter passado seis anos em Paris. Tinha então dois projectos: primeiro manter um diário fotográfico do meu regresso à minha cidade natal. Segundo, transferir, graças a um processo fotossensível inventado por Corning Glass, as minhas fotos abstractas para a massa de parede de vidro. Alexander Liberman, o director artístico da Vogue, que tinha visto alguns trabalhos meus em Paris, propôs-me um contrato para “contribuições diversas” na revista e o financiamento das minhas fotografias de Nova Iorque para a compilação de um portefólio. Porque não? Sempre era melhor do que correr atrás das bolsas e das galerias.


Comecei a trabalhar furiosamente – contra a fotografia, que eu descobria, e contra a cidade, que eu redescobria. Servi-me de um determinado olhar como arma secreta, um olhar em parte indígena em parte estrangeiro.


As fotografias que fiz para o meu diário foram as minhas primeiras fotografias de verdade. Em Paris tinha começado a aprender a tirar partido da máquina fotográfica, mas pela primeira vez, em Nova Iorque, tinha um projecto em mão…



William Klein

… No início eu era apenas um leigo e não fazia a mínima ideia de como tirar uma fotografia de moda. Qual a iluminação? Que máquina usar? O que pedir ao manequim? O que fazer para não parecermos ambos ridículos? Eu pensava, na altura, que se tratava de uma espécie de ritual com regras secretas e um vocabulário codificado, dos quais eu desconhecia o segredo. Mas essa experiência divertia-me. Fazia parte da Nova Iorque in das músicas de Gershwin, na qual eu tinha crescido. Podia ter-me passado pela cabeça que o ideal seria enforcá-los, toda aquela Beautiful People, ou mandá-los simplesmente trabalhar. Mas, confessemo-lo, eu era tão made in Hollywood quanto qualquer jovem americano e deixara-me igualmente arrebatar não só por filmes como Scarface e Dead End, mas também por Philadelphia Story e Swingtime. Um miúdo que se identificava com Fred Astaire em Top Hat quando ele acaba de “receber um convite pelo correio/dê-nos a honra da sua presença esta noite/vestido a rigor, de casaca e em plena forma!…”


Não obstante, eu também ouvia Louis Amstrong que cantava as mesmas músicas, mas munido de uma ironia incrédula que caracterizava todas as suas interpretações de lengalengas da Broadway.


Foi, portanto, um tom de paródia à maneira de Satchmo que eu tentei imprimir às minhas fotos de moda. Como os avisos no fundo dos maços de cigarros ou o cachimbo de Magritte.


No entanto, embora Magritte tenha estipulado que não se trata de um cachimbo, na verdade é um cachimbo que ali vemos. E eu insistia que estas fotos não eram a sério, mas na verdade elas estavam impressas nas páginas da Vogue…”



Fotos de William Klein


Masterclasses/ Como Salvar o Capitalismo

De 25 de Outubro a 1 de Novembro

Casa das Artes


1. William Klein – Cineasta, Pintor, Poeta, Fotógrafo


Sinopse : William Klein nas suas próprias palavras...


William Klein, 1928, Nova Iorque, é autor de uma obra de culto na área da fotografia e do cinema. O seu álbum «New York», de 1954, teve de ser editado em Paris porque, no seu país, não apenas não encontrou editor disposto a publicá-la, como se converteria num passaporte para um exílio intelectual e artístico de mais de 40 anos. Ao fotografar a selva nova-iorquina, Klein iniciou uma revolução estética e política com reflexos em toda a sua obra posterior, designadamente na sua vasta filmografia, onde o vector artístico sempre seguiu a par do olhar político. Também a televisão francesa censuraria em 1963 um filme que lhe havia encomendado, intitulado Les Français et la Politique. Em 10 anos, entre 1982 e 1992, realiza mais de 250 filmes publicitários para as maiores marcas do mundo, o que, todavia, não o impede de retratar acidamente na sua cinematografia o sistema da moda, do consumo e da alienação. Filmes como Muhammad Ali- The Greatest, Eldrige Cleaver - Black Panther ou Qui Êtes-Vous Polly Magoo?, são referências estéticas e políticas na história do cinema e do documentário da segunda metade do século XX.


Filmografia:

Broadway by light, 1958; Comment tuer un Cadillac, 1959; Le business et la mode, La gare de Lyon, Les troubles de la circulation, Inondation catalane, Les français et la politique (censurado), Le Grand Magasin, 1962-63; Cassius – le grand, 1964-65; Qui Êtes-Vous Polly Magoo?, 1965-66; Loin du Vietnam, 1967; Grands soirs et petits matins, 1968-78; Mister Freedom, 1967-68; Festival Panafricain de la Culture, 1969; Eldrige Cleaver – Black Panther, 1970; Le grand café, 1972; Muhammad Ali The Greatest, 1969-74; Le Couple Témoin, 1975-76; Hollywood – California, 1977; Music City – USA, 1978; The Little Richard story, 1980; The french, 1981; Ralentis, 1984; Mode in France, 1985; Contacts, 1986; Carte d’ identité, État des lieux, La grande arche, Ciné défense, 1989; Babilée’ 91, 1991; In & out fashion, 1993, Le Messie, 1997-98.


(Continua)


ANEXO I


Eddy Honnigman

A 28 de Outubro na Odisseia nas Imagens


Crazy, de Heddy Honigmann:

Um Retrato da Guerra na Intimidade


Um outro olhar sobre a guerra. Como é, visto pelos olhos dos oficiais de manutenção de Paz das Nações Unidas, o conflito militar da Coreia e Indochina até à ex-Jugoslávia? Mais do que isso: como é por eles percebida e sentida a guerra, à medida que o desafio ao olhar de cada uma dessas pessoas ganha uma intimidade cada vez mais profunda, como a sugerida, por exemplo, pelo escutar de uma melodia especialmente querida, num cenário devastado pelas bombas? Munida de uma câmara e destas perguntas, a cineasta holandesa Heddy Honigmann realizou um filme brilhante: «Crazy». Pelas 22 horas do próximo 28 de Outubro, o Porto poderá vê-lo em estreia em sala em Portugal, no Grande Auditório do Rivoli Teatro Municipal.


Honigmann é uma das mais importantes documentaristas da actualidade. Faz parte do reduzido número de cineastas que consegue ver os seus filmes saltarem dos écrans de televisão para a sala escura. Crazy é um desses casos de sucesso. Sobre o filme escreveu o crítico Steve Erickson:«Não vi em todo o ano um documentário melhor do que este».


Alternando imagens de vídeo doméstico e de família, com grandes planos de cada um destes oficiais falando ao som da sua música preferida, ou de alguma outra que lhe traz à memória situações especialmente problemáticas em que se tenha encontrado, noutros cenários de guerra, Heddy Honigmann revisita Puccini e Elvis Presley, Pergolezzi e Patsy Cline e segundo Erickson, utiliza «a maleabilidade da música, para, de uma forma proustiana convocar a memória».


O que poderia não passar de um retrato convencional sobre as forças de manutenção de Paz e os seus agentes torna-se, assim, por via de um documento sobre a intimidade, um retrato delicado daquilo que são as cicatrizes da guerra e os seus efeitos psicológicos de longo termo.Com uma eficácia que aumenta na proporção da sua contenção, «Crazy» expõe «toda a ineficácia da missão humanitarista das Nações Unidas», particularmente na ex-Jugoslávia, aponta Steve Erickson, na sua apreciação do documentário.


De nacionalidade holandesa e oriem peruana, Heddy Honigmann nasceu em 1951, na cidade de Lima. Estudou biologia e literatura e radicou-se na Europa onde, a partir de 1973, cursou cinema no Centro Sperimentale di Cinematografia de Roma. Depois de obter a nacionalidade holandesa, a cineasta realiza em 1979 o seu primeiro documentário, «A Israel dos Beduínos». Sete anos depois, Honigmann conclui a sua primeira longa metragem«Mindshadows», para obter, já em 1993, o Grand Prix du Cinéma du Réel, em Paris e o Prémio Especial do Júri, em San Francisco (Golden Gate Awards). Depois disso Honigmann tem obrtido numerosos galardões em todo o mundo, nomeadamente com o seu documentário já hoje clássico «Metal e Melancolia».


Heddy Honigmann, autora de dezena e meia de filmes, consegue com «Crazy» realizar uma monumental obra sobre o horror da guerra, apesar de (ou talvez por) não incluir, em todo o documentário, mais do que 30 segundos de imagens de atrocidades. Uma viagem desolada pela terra queimada, pela devastação da guerra e, sobretudo, pela alma e a consciência dos homens. No final, Crazy, a canção de culto de Patsy Cline, uma das mais belas algumas vez escritas no universo da country pop, ecoa com a pungência das perdas irremediáveis.



ANEXO II





ODISSEIA NAS IMAGENS 4.0

COMO SALVAR O CAPITALISMO


WILLIAM KLEIN SOBRE 11 DE SETEMBRO

«A AMÉRICA ESTAVA A PEDIR ISTO...»


O cineasta e fotógrafo norte-americano William Klein, 72 anos, afirmou ontem à tarde, acerca dos atentados de 11 de Setembro, que «a América estava a pedir isto». Os atentados constituíram «uma tragédia mas, ao mesmo tempo, uma coisa boa», devido ao sentimento «de impunidade e superioridade» da política e mentalidade norte-americanas, acrescentou aquele que é considerado um dos maiores nomes da história da fotografia de moda e do cinema na segunda metade do século XX.


Klein produziu estas declarações durante uma masterclass que proferiu no âmbito do ciclo «Como Salvar o Capitalismo», uma das componentes do último módulo da «Odisseia nas Imagens», iniciativa do Departamento de Cinema e Audiovisual da Sociedade Porto 2001 SA.


Wiliam Klein recordou «o bombardeamento sistemático do Iraque ao longo dos últimos 10 anos» e salientou a importância «do escândalo bancário de biliões de dólares que, disse, «envolvendo os três filhos de George Bush (Sénior) acabou por determinar o início dos ataques» conta aquele país árabe, «travando imediatamente as investigações».


O cineasta, radicado em Paris desde o Pós-Guerra e que viu o seu trabalho banido nos Estados Unidos durante mais de 40 anos, classificou ainda os atentados em Washington e Nova Iorque como «a mais brilhante acção militar da História». O sucedido «mostrou aos americanos que não apenas existem pessoas espertas para além deles, como mais espertas do que eles» evocando ainda a propósito do 11 de Setembro, a última fotografia do seu livro «New York», de 1955, «onde escureci o céu, em volta do sol, sobre Manhatan, produzindo um efeito que fazia lembrar uma explosão atómica. Algum dia aquilo ía explodir. Aí está», concluiu.


Sobre a sua relação com o seu país natal, William Klein classificou-a como «40 anos de purgatório» e considerou que o seu nome representa ainda hoje para os Estados Unidos «más notícias (bad news)», acrescentando que «se vivesse em Nova Iorque já tinha morrido de pelo menos 15 ataques cardíacos».


Durante cerca de três horas, o cineasta respondeu a perguntas de uma assistência de cerca de 200 pessoas, entre as quais se encontravam os participantes numa pós-graduação em documentarismo promovida no âmbito da «Odisseia nas Imagens».


William Klein falou também da sua obra fotográfica e cinematográfica, negando a possibilidade de existência de objectividade nas imagens. «Quando se assume que se está a fazer algo subjectivo não se deve justificar o facto de não se estar a ser objectivo», explicou. Especificamente sobre o documentário, Klein, que filmou alguns dos maiores ícones da História contemporânea, desde o lider dos Black Panther, Eldridge Cleaver, ao pugilista Muhammad Ali, passando pelo mito do rock n’ roll, Little Richard, o cineasta defendeu «a inexistência de regras e de uma verdade. Não acredito que exista uma verdade seja onde for», afirmou.


Abordando a influência das imagens sobre o público, Klein garantiu não conhecer «muitos filmes que tenham influenciado muita gente a fazer seja o que for. Influenciar não é a única razão que leva as pessoas a fazerem filmes. Fazemos filmes por nós próprios» explicou. Contudo, ilustrou o antigo fotógrafo da «Vogue», «quando fizémos “Far From Vietname” –um documentário crítico da guerra na Indochina- fomos 300 pessoas a trabalhar gratuitamente, porque um grupo de estudantes que estava à cabeça das manifestações de protesto nos sugeriu que o fizéssemos e nós achámos uma boa ideia».


Instado a comentar as diferenças que vê entre o cinema americano e europeu, Klein mencionou simplesmente «os orçamentos» e sublinhou ironicamente o facto de «nunca ter realizado qualquer filme com produção e financiamento dos Estados Unidos», apesar de serem familiares seus, alguns dos administradores da «United Artists».



ANEXO III





PORTO 2001 E FNAC MOSTRAM

EXPOSIÇÕES DE WILLIAM KLEIN


OS ÍCONES DO ICONOCLASTA


«Mode in & Out» e «Irónico e Devorador» são os títulos de duas exposições do fotógrafo e cineasta norte-americano William Klein que no âmbito da programação audiovisual da Porto 2001 estarão patentes ao público entre 21 de Outubro e 5 de Janeiro, nas galerias das lojas FNAC de Santa Catarina e do Norte Shopping, respectivamente.


Unanimemente considerado como um dos mais revolucionários autores da segunda metade do século XX, nas áreas da fotografia, do cinema e do documentário, Klein estará, ele próprio, no Porto, em Outubro, para participar no evento «Como Salvar o Capitalismo», um dos núcleos do primeiro Festival Internacional do Documentário e dos Novos Media do Porto. Além de proferir uma masterclass, Klein terá também em exibição uma retrospectiva da sua obra como documentarista, onde o público poderá ver 11 dos seus 20 filmes.

«... No início eu era apenas um leigo e não fazia a mínima ideia de como tirar uma fotografia de moda. Qual a iluminação? Que máquina usar? Que pedir ao manequim? O que fazer para não parecermos ambos ridículos?», descreve Klein no prefácio da edição em livro de “Mode In & Out”. Evocando os nove anos em que trabalhou para a Vogue, uma das mais reputadas revistas de moda do mundo, Klein acrescenta:«Podia ter-me passado pela cabeça que o ideal seria enforcá-los, toda aquela “Beautiful People, ou simplesmente mandá-los trabalhar. Mas, confessemo-lo, eu era tão made in Hollywood quanto qualquer pequeno americano. Foi, portanto, um tom de paródia (...) que tentei imprimir às minhas fotos de moda. Como os avisos no fundo dos maços de cigarros. (...) Eu insistia que essas fotos não eram a sério, mas na verdade elas estavam impressas nas páginas da Vogue».


O resultado crítico dessa experiência (e da resultante de mais de 250 filmes e spots publicitários realizados para todas as principais marcas do mundo) daria forma ao documentário «In and out fashion», 1993, simultaneamente uma paródia ao mundo da moda e uma crítica ácida à dependência consumista das sociedades contemporâneas.


Richard Avedon considera que «na história da grande fotografia da moda, Klein é o inventor de uma concepção viril sem paralelo e jamais alguém poderá igualá-la ou ultrapassá-la». Por seu lado, Claire Clouzot destaca, num texto relacionado com os materiais da segunda exposição do Porto, «William Klein, irónico e devorador», como ele «revolucionou o cinema, como tinha revolucionado a fotografia (...) Encontra-se sempre na vanguarda, uma ou duas décadas à frente».


O director do Centro Nacional de Fotografia de França, Robert Delpire, anotou no catálogo de uma outra exposição de Klein, “Vaidades”: «Quanto mais o tempo passa, mais a coerência da sua obra me surpreende. (...) Nada escapa a esse olhar fulminante que observa de muito próximo... e que enquadra estreitamente. As cenas de rua, a política, ou a publicidade, a moda do desporto ou a televisão. Ele trata todos esses temas com uma ironia corrosiva singular. E a moda também, que aliás lhe ofereceu a oportunidade de penetrar num dos últimos universos barrocos, de inventar imagens que jamais haviam sido produzidas, de circular pelos bastidores dessas grandes óperas que são as apresentações de colecções».


Curiosamente, antes de lhe ser concedida por França a Comenda das Artes e das Letras, 1991, Klein viu ser-lhe censurado um documentário que realizara para a televisão francesa. E, nos Estados Unidos, teve de esperar 40 anos até ver reconhecida a importância da sua obra, hoje consagrada nas mais variadas latitudes. William Klein é Prémio Cultura da então República Federal Alemã (1988) e Prémio Agfa-Bayer-Hugo Erfurth, também da Alemanha, Grande Prémio Nacional de Fotografia de França (1986), Prémio Guggenheim, Estados Unidos (1989), Prémio Internacional da Fundação Hasselbad da Suécia (1990), entre outras distinções.


Quando aos 71 anos de idade, o «guerrilheiro das imagens», como alguém lhe chamou, se encontrava a rodar «Le Messie» («O Messias») ao som do oratório homónimo de Haendel, resumiu o projecto numa fórmula que tanto retrata o filme quanto o seu autor: «Vai ser Jesus Cristo + Charlot».“O Messias” de Haendel/William Klein passa no grande Auditório do Rivoli Teatro Municipal na noite do dia 27 de Outubro.





Atualizado: 20 de out. de 2023

Este texto reporta ao quarto módulo da Odisseia nas Imagens. Título: Como Salvar o Capitalismo/ Outras paisagens. Foi uma mega operação cultural sobre a qual escreveu João Mário Grilo: “Operação, a todos os níveis, impressionante, que se prolonga ainda no arte-vídeo, na instalação, no multimédia, a performance e numa pluralidade de exposições, conferêcias e masterclasses, este derradeiro episódio de ‘A Odisseia nas Imagens’ lança algumas bases seguras para prolongamentos futuros. Mas a maior expectativa vai para o que desta enorme experiência e esforço irá resultar: saber se da colheita destas imagens pode nascer uma nova geração de pessoas e ideias de que o audiovisual português está tão desesperadamente necessitado. Essa será, sem dúvida, a maior das Odisseias e a razão pela qual a paisagem cinematográfica da Porto 2001 tem, para já, no seu remate, umas reticências e um grande ponto de interrogação. Não é uma dúvida, mas um elogio e uma esperança.” Foi também a primeira e única edição do Festival Odisseia nas Imagens. E ainda aquela em que esteve presente Claudia Cardinale.



O último módulo da Odisseia nas Imagens decorreu em vários espaços da cidade entre 10 de Setembro e 17 de Novembro de 2001. Abriu simbolicamente com o documentário O Porto da minha Infância (2001) de Manoel de Oliveira [1] e obedecia às orientações traçadas num texto introdutório denominado Pensar Glocal, Projectar o Futuro [2]. Aí se afirmava:


“Obedecendo a uma estratégia de criação de novos públicos, de dinamização do debate em torno das questões da imagem e dos novos modos de significar, de reflexão a propósito de um sector audiovisual cuja afirmação regional repercute em termos da afirmação global da realidade local, a Programação foi sendo ampliada e diversificada de módulo para módulo, aliando a componente lúdica a um quadro conceptual exigente e interpelativo, dando a ver aquilo que habitualmente não é visto e questionando aquilo que habitualmente não é questionado [3]”.


O texto prosseguia em jeito de balanço dos módulos anteriores:


“Assim, ao mesmo tempo que no ciclo ‘O Olhar de Ulisses’, em colaboração com a Cinemateca Portuguesa, se fazia a História do Documentário e se mostrava o Grande Cinema, eram dados incentivos às produções escolares e lançados numerosos ateliers, workshops e masterclasses nas áreas do Cinema, da Televisão e do Multimédia, todos eles com pedidos de inscrição muito superiores às vagas disponibilizadas. Retrospectivas de autor permitiram revisitar Visconti e dar a conhecer Errol Morris. Ciclos temáticos no domínio do digital e das imagens em 3D, instalações e filmes concerto, a partir dos quais se projectou um olhar renovado sobre os clássicos, deram corpo a um olhar experimental. Relevado o papel estruturador dos festivais, assumida a indispensabilidade da ligação às universidades e apontado o caminho para uma política local de incentivo à produção e exibição de documentários, animação e curtas metragens de ficção abriram-se pistas para o futuro [4]”.



Claudia Cardinale no encerramento da Odisseia nas Imagens durante o qual foi projetado o filme O Leopardo de Luchino Visconti

Depois de sublinhar o objectivo de promover a produção multimédia e do documentário nas suas múltiplas modalidades, de modo não só a projectar a visibilidade da cidade e da região, mas também a fazer do Porto um pólo de produção, distribuição e difusão do noroeste peninsular, afirmava-se:


“Ponto de encontro de realizadores, produtores, operadores de televisão e outros agentes culturais, a Odisseia nas Imagens foi estruturada a pensar numa política virada para a identificação e aposta em nichos de mercado assente em critérios de racionalidade económica e de excelência ao nível do discurso. É uma forma de pensar local e agir global. É a política do glocal. Portanto, estes nichos de mercado não se esgotam em produções de difusão limitada, antes são encarados como parte integrante de um mercado consequente, por um lado, da segmentação e especialização televisivas, as quais abrem novas janelas de oportunidades e, por outro, do impacto estruturador produzido pelos festivais internacionais de cinema, televisão e multimédia nas indústrias culturais e no tecido económico dos países da União Europeia [5]”.


Em suma, em função do trabalho desenvolvido nos dois anos anteriores, das parcerias estabelecidas e do processo de internacionalização levado a cabo caminhava-se no sentido de dar forma a um festival de novo tipo, cuja presença ficaria assinalada não apenas através de uma grande iniciativa anual fortemente mediática com a duração de uma semana, mas também através de iniciativas escalonadas ao longo do ano resultantes do acordo com vários parceiros. Foi nesta altura que se chegou a acordo com a RTP por forma a promover uma extensão em antena da Odisseia nas Imagens, que, pela primeira vez, se colocou a possibilidade de uma colaboração regular com a Cinemateca Portuguesa com o intuito de trazer pelo menos parte da sua programação ao Porto, que se intensificaram as acções de formação e que se começou a trabalhar com as universidades em cursos de pós-graduação em documentário.


No caso da formação e do ensino superior, dando continuidade ao trabalho desenvolvido anteriormente, as opções estratégicas foram criteriosamente cumpridas. A título de exemplo: Workshop de Formação Intensiva para a Produção de Filmes [6] pela Associação Os Filhos de Lumiére, nascida durante a Odisseia nas Imagens; Wokshop de Pixilação orientado por Mercedes Gaspar [7]; Workshop Novas Tecnologias na Criação Audiovisual [8]; Workshop Produção de Documentários em África [9]; Simpósio Arte & Animação comissariado por Jayne Pilling [10]; Workshop Problemas de Autor na Europa [11]; Workshop O Som para Cinema e Audiovisual [12]; Pós-Graduação em Documentário: O Desafio do Real [13]; Seminário O Documentário [14]; Workshop Operação da Câmara Cinematográfica [15]; Workshop Produção de Curtas Metragens [16].


O modelo de festival a implementar estava, portanto, já definido em Como Salvar o Capitalismo/ Outras Paisagens: seria centrado no documentário e multimédia apostando, em simultâneo, na ocupação de múltiplos espaços, de modo a tirar partido de factores de proximidade e das capacidades logísticas da rede de parcerias, entretanto concretizadas; teria uma forte componente pedagógica constituída, nomeadamente, por masterclasses e workshops, e faria da excelência o critério exclusivo da sua programação de ciclos de cinema clássico, retrospectivas de autor, ciclos temáticos sobre a actualidade, fórums de reflexão, trabalhos experimentais e, naturalmente, também, de um sector competitivo no qual se enquadraria uma secção de filmes de escolas. Os custos seriam relativamente avultados, mas todo o trabalho de base estava praticamente concluído e tudo indicava, da parte dos poderes públicos, o apoio à continuidade da Programação da Capital Europeia da Cultura após 2001, parecendo igualmente viável a obtenção de patrocínios [17].



No plano dos conteúdos, este módulo evidenciava um conjunto de características cujas marcas deveriam ser seguidas no futuro. Em primeiro lugar, tratando-se do embrião de um festival de documentários e inscrevendo-se estes na actualidade, entendia-se que haveria sempre um conceito pertinente e actual a explorar no conjunto das múltiplas manifestações da Odisseia nas Imagens. Neste caso, atendendo à conjuntura internacional – o ataque terrorista às torres gémeas de Nova Iorque ocorreu no dia seguinte ao início de Como Salvar o Capitalismo/ Outras Paisagens – a escolha da designação foi quase premonitória.


Sobre Como Salvar o Capitalismo propunha-se a seguinte entrada:


“No último quartel do século XX, o que restava da utopia caminhou ao lado de regimes de mãos de ferro, a humanidade envolveu-se em sanguinolentas carnificinas e o homem conheceu um desenvolvimento científico e tecnológico sem precedentes, avançando na aventura do espaço e do ciberespaço. Fazendo uso do mapa genético, criou condições para se multiplicar laboratorialmente. Este admirável mundo novo é, na verdade, um mundo de luz e sombra, porventura de Frankenstein e da sua criatura, seguramente de ecrãs planos transportando dentro de si personagens sem espessura numa espécie de versão pós-moderna da paisagem orwelliana. Ruiram os mitos, tombaram os muros. Em que acreditar? Pois, salve-se, ao menos, o capitalismo! Por entre o amontoado de cacos e telelixo, reminiscências de um tempo que se acreditou poder ser justo, na desordem aparente que sugere uma nova barbárie ou, se preferirmos, nessa ordem aparente que promete uma ordem nova, haja, pois, lugar para um olhar oblíquo, transversal, provocatório [18]”.


Nesta linha foi ponderado um conjunto de iniciativas no qual se destacava uma retrospectiva de filmes de Willliam Klein [19] associada a uma série de exposições fotográficas do mesmo autor [20], bem como a um conjunto de masterclasses destinadas prioritariamente a discutir o documentário [21] num contexto de multiplicação de sinais de regresso ao real como contraponto da vacuidade da televisão e de um cinema de evasão de massas incapaz de reflectir sobre o mundo. Além de William Klein, as masterclasses foram ministradas por Nina Rosenblum, Dennis Watlington, Llorenç Soler, Javier Rioyo Amir Labaki e Brian Winston.

William Klein na Odisseia nas Imagens. Foto: Cesário Alves

As declarações de William Klein sobre o ataque terrorista às torres gémeas após a exibição do seu filme Mr. Freedom (1967-68) foram largamente comentadas. Disse William Klein: “Se querem saber o que penso dos acontecimentos de 11 de Setembro, penso muitas coisas, e uma delas é que os americanos estavam a pedi-las; nos últimos dez anos, sempre que não têm nada para fazer, bombardeiam o Iraque [22]”. Nina Rosenblum, numa entrevista ao jornal Público, afirmava: “A missão do documentário é salvar a humanidade, mostrar os heróis, as pessoas que nunca recebem atenção dos media convencionais [23]”. Llorenç Soler proclamava a necessidade de libertar o documentário das leis do mercado e de encontrar uma distribuição alternativa e independente, de modo a recuperar “o velho grito de guerra: a câmara é uma arma [24]”. Sendo controversas estas e outras declarações contribuíram para gerar o clima de estímulo ao debate pretendido pelo ciclo.


Complementarmente foi programado um Fórum denominado O Choque das Imagens [25] organizado em três painéis – Imagens Globais, Equilíbrios Instáveis e Propagandas Silenciosas – destinado a debater o estado do mundo e a sua representação mediática com a participação, entre outros, de Ignacio Ramonet [26] e Margarida Ledo Andión. O Fórum Choque das Imagens convivia com Imagens de Choque [27], uma exposição de fotojornalismo da responsabilidade do Festival du Scoop et du Journalisme de Angers através da qual “o público pode ficar a conhecer a actualidade mundial do ano que passou: uma espécie de ‘stop and go’ que nos permite determinar o estado em que se encontra a nossa sociedade: documentos frequentemente chocantes, por vezes difíceis, são o reflexo da humanidade: reflexo esse que nunca poderíamos obter sem os jornalistas pois eles têm, como todos nós, o dever de informar [28]”.



Quanto a O Olhar de Ulisses [29], manteve-se no quadro de uma programação cinéfila, compondo um mosaico de filmes, muitos deles raramente vistos em Portugal:


“A partir do momento em que André Bazin viu o cinema como ‘uma janela aberta sobre o mundo’, o cinema dominante teve uma clara tendência a transformar-se num jogo de vídeo em grande ecrã e o ecrã de televisão a tomar cada vez mais a forma de um buraco de fechadura ou seja o ‘visual’ tende a ocupar o lugar da ‘imagem’ como dizia Serge Daney. Nesse contexto, o quarto e último acto de ‘O Olhar de Ulisses’ procura construir redes de relação e leitura entre os filmes – faróis da história do cinema, pontos de referência indispensáveis – e as obras contemporâneas que teimam em respeitar quem as vê. Por isso este último andamento de O Olhar de Ulisses chama-se Resistência [30].


A programação do ciclo era encabeçada por uma citação de Jean-Luc Godard “Não pode haver resistência... sem memória” e apresentava filmes de Federico Fellini, Jacques Demy, Nicholas Ray, Boris Barnet, Robert Kramer, Luc Moullet, António Reis e Margarida Cordeiro, John Ford, Akira Kurosawa, Charles Laughton, Pedro Costa, Jean-Marie Straub e Danièle Huillet, Jacques Tati, Chantal Akerman, Charlie Chaplin, Chris Marker, Jean-Luc Godard, Olivier Smolders, Abbas Kiarostami, Serguei Dvortsevoy e Johan van der Keuken, entre outros. No catálogo, José Manuel Costa introduzia uma nota de polémica – uma das raras em todo o ciclo – ao responder ao artigo de João Bénard da Costa Os filmes que nos vêem/os olhos que nos filmam, anteriormente citado. Dizia José Manuel Costa no início do seu texto:


“Para alguns isto será mera questão de nome, e dirão que o barulho vai dar em nada: uma vez que nenhuma destas diferenças nos impede de gostar muito, em consonância, de muitos dos mesmos filmes, incluindo daqueles a que uma das partes chama documentários e que a outra, diz que ‘o não são’, que interesse pode ter a polémica? Para mim tem um: interessa-me discutir esta área do cinema na medida em que me interessa a parte do cinema todo que nela é mais trabalhada. Discordar sobre a existência do documentário enquanto arte ou sobre a importância disso é perder muito mais do que um possível consenso de gosto sobre alguns outros filmes que à partida se inscrevem aí e aos quais esse consenso já não chega. O problema, claro, não é o documentário em si, mas a maneira como cada um vê qualquer filme. Ninguém gosta muito de um documentário só ‘porque é um documentário’. Mas, se se tem gosto pela área, vê-se e gosta-se de outras coisas nela e fora dela. Não escrevia este texto se não acreditasse que o que está em causa é uma maneira de ver o cinema todo e a história dele [31]”.


O texto não teve réplica, mas a última frase citada, como veremos adiante, convoca questões conceptuais cujo entendimento motivara já, muito antes da sua publicação, opções programáticas no sentido de uma abordagem do documentário em diálogo com áreas não estritamente cinematográficas. A relevância dada às linguagens multimédia, embora obedecendo a critérios plurais e assumindo formas muito distintas do documentário, foi já uma consequência dessas opções. Neste módulo, essas intervenções ganharam maior visibilidade. Explorando o carácter transversal das linguagens, apostando na diversidade, a programação ganhou evidência numa multiplicidade de lugares do espaço público, procurando interagir com os frequentadores habituais ou de circunstância desses mesmos lugares [32]. A porta de entrada de Outras Paisagens [33] era a seguinte:



“Que paisagens nos reserva a acção combinada dos media? Outras paisagens? Sim. Mas que paisagens? O limite da intervenção dos novos media é justamente a ausência de limites, porque neste território tudo é experimental. Aqui, o registo criativo é, simultaneamente, um registo de pesquisa gramatical. Da convergência e conflitualidade de várias linguagens resulta, pois, um peculiar modo de recriar quer o mundo sensorial, quer o mundo conceptual, abrindo-se as portas da percepção ao reconhecimento de lugares desconhecidos dentro do próprio homem e solicitando-se a inteligência intuitiva tanto como forma de racionalizar essa mesma experiência, quanto de inquirir sobre o seu destino. Outras paisagens: tão diversas quanto o seu campo de aproximação: do interior do corpo humano ao universo fabuloso das galáxias, do olhar sobre o tempo que passa à interrogação do tempo futuro [34]”.


À semelhança dos módulos anteriores, os filmes concerto [35] atraíram um público numeroso e um deles, Nosferatu (1919) de Frederich W. Murnau com música ao vivo dos Clã [36] continuou a ser apresentado em diversos pontos do país, pelo menos, até 2005.


Dois outros acontecimentos deixaram ainda uma marca para o futuro. Um respeitante ao cinema de animação. Outro, a um dos projectos externos ao qual foi dado seguimento, o Museu da Pessoa.


Quanto ao primeiro, era dada como irreversível a construção da Casa da Animação, circunstância associada à comemoração dos 25 anos do Cinanima, em Espinho. Na ocasião, a Odisseia nas Imagens patrocinou, nomeadamente, o lançamento de um livro e um CD-ROM ambos intitulados A História do Cinema de Animação em Portugal [37]. No catálogo do Festival podia ler-se:


“O Cinanima está de parabéns. Se todo o seu percurso fazia dele à partida um dos parceiros estratégicos da Odisseia nas Imagens do Porto 2001, Capital Europeia da Cultura, integrando nomeadamente a sua Programação Oficial, os factos subsequentes só vieram confirmar a bondade das opções então tomadas. Na verdade, o Cinanima comemora os seus 25 anos exactamente no ano em que o Porto vai assistir à inauguração da sua Casa da Animação. E, em rigor, o percurso da Casa da Animação não principiou no momento em que a Filmógrafo apresentou o seu projecto à Sociedade Porto 2001, antes remonta ao tempo, há 25 anos, em que o seu principal animador, Abi Feijó, começou a frequentar o Cinanima. É esta função estruturante, feita de tempo e paciência, fazendo ver o que deve ser claramente visto, que releva a importância de um festival [38]”.


Quanto ao segundo, um projecto multimédia preparado ao longo de meses pela Universidade do Minho em colaboração com formadores do Museu da Pessoa de São Paulo, foi oficialmente lançado na Estação de São Bento do Porto em 11 de Novembro de 2001 [39].


No plano cerimonial o ponto culminante da Odisseia nas Imagens terá sido a sua sessão de encerramento oficial – que não de facto – com a projecção de O Leopardo (1963) de Luchino Visconti [40], na presença do Presidente da República Jorge Sampaio e da actriz Claudia Cardinale, evento que esgotou com grande antecedência a lotação do Grande Auditório do Rivoli - Teatro Municipal e ocupou durante dias as páginas dos jornais [41]. O filme encerrava, simultaneamente, o Ciclo Visconti iniciado no módulo anterior. Mas, do ponto de vista da lógica da Programação o momento culminante foi o Festival Internacional do Documentário e Novos Média do Porto [42], bem como a Competição de Escolas a ele associado [43]. Isto, porque, no fundo, seria a partir dele que seria posssível começar a fazer o balanço do trabalho desenvolvido. Com efeito, na fase final do Porto 2001- Capital Europeia da Cultura, uma das questões mais vezes abordadas pelos seus responsáveis e pela comunicação social foi a possibilidade de dar continuidade aos eventos pensados para ficar, cumprindo, assim, as pontes para o futuro. Nalguns casos, como sucedeu com a Casa da Música, desde o início encarada como corolário da programação musical, em função dos compromissos institucionais a nível do Estado, essa questão não se colocou. Contudo, noutros casos a lógica dos eventos, embora obedecendo em termos genéricos a princípios estruturantes, obrigava a uma espécie de conquista de espaço de afirmação, com tudo o que isso implicava de garantia de apoios para efeito de continuidade ou para seduzir potenciais tomadores.


Instalação. To Leave and to Take de Irit Batsry

As parcerias estabelecidas pela Odisseia nas Imagens, a excelência da sua Programação unanimemente reconhecida, bem como os contactos informais estabelecidos através de diversos canais, pareciam abrir boas perspetivas para a continuidade do Festival Internacional do Documentário e Novos Média. Nesse sentido, foram feitas diversas declarações por parte dos responsáveis: “O que nós vamos deixar é um festival completamente estruturado, com um conjunto de parcerias devidamente elencadas. Caberá depois à cidade ser tomadora do projecto nos moldes que entender [44]”. A Coordenadora Geral da Programação Cultural do Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura, Manuela Melo, na nota de abertura do Catálogo da Odisseia nas Imagens [45], organizado já de acordo com o modelo do que no futuro se pretendia vir a ser o Festival [46], seguia a mesma linha de pensamento:


“Fica o modelo para quem quiser fazer da Capital Europeia da Cultura uma ‘ponte para o futuro’. O Festival, definido segundo estas linhas mestras, será, temos a certeza, o espaço de encontro, discussão, competição, criatividade, mas também de negócio e indução de indústrias da cultura. Um Festival que é urgente ter no nosso país, e centrado no Porto, pelo trabalho desenvolvido ao longo de dois anos e meio na sua concepção e criação de parcerias. (...) O que este Festival pretende – e pode ser se for olhado pelos responsáveis de forma adequada – é relançar o Porto e o Noroeste Peninsular na primeira linha de produção audiovisual e multimédia, tendo em conta as novas condições dos mercados globais [47]”.


Media Lounge

No seu espaço semanal da revista Visão de 25 de Outubro de 2001 João Mário Grilo, num artigo intitulado Reticências, depois de se referir pormenorizadamente à programação de Cinema, escrevia a propósito deste último módúlo:


“Operação, a todos os níveis, impressionante, que se prolonga ainda no arte-vídeo, na instalação, no multimédia, a performance e numa pluralidade de exposições, conferêcias e masterclasses, este derradeiro episódio de ‘A Odisseia nas Imagens’ lança algumas bases seguras para prolongamentos futuros. Mas a maior expectativa vai para o que desta enorme experiência e esforço irá resultar: saber se da colheita destas imagens pode nascer uma nova geração de pessoas e ideias de que o audiovisual português está tão desesperadamente necessitado. Essa será, sem dúvida, a maior das Odisseias e a razão pela qual a paisagem cinematográfica da Porto 2001 tem, para já, no seu remate, umas reticências e um grande ponto de interrogação. Não é uma dúvida, mas um elogio e uma esperança [48]”.


A dúvidas de João Mário Grilo, no entanto, eram pertinentes por duas ordens de razões. Em primeiro lugar, devido à constante volatilidade das políticas para o cinema, audiovisual e multimédia, muitas vezes elaboradas mais em função da conjuntura do momento, dos atritos partidários e de grupos corporativos do que fundamentadas em princípios estratégicos de médio e longo prazo. Em segundo lugar, porque a dimensão atingida pela Odisseia nas Imagens colocara a fasquia num patamar tão elevado, que, internamente, havia a percepção de se estar perante uma tarefa só exequível com meios relativamente avultados, embora, do ponto de vista da formação dos recursos humanos, tivessem sido criadas as condições indispensáveis. Essa foi, aliás, uma das preocupações traduzidas no Relatório de Avaliação Final [49].


Catálogo do Festival Odisseia nas Imagens

Acresce que no plano político e no plano institucional uma série de episódios marcara negativamente a Capital Europeia da Cultura, nomeadamente o relacionamento entre a Sociedade Porto 2001 e a autarquia portuense [50], e embora a Programação no seu conjunto e a Odisseia nas Imagens, em particular, recolhessem um consenso alargado, a verdade é que os indícios, para além da instabilidade resultante do conflito mencionado, apontavam para uma mudança de ciclo político de consequências imprevisíveis para a continuidade das políticas e projectos culturais. Fosse como fosse, a verdade é que nesta fase se multiplicaram as manifestações de apoio, a começar pela voz dos seus principais participantes e convidados, bem como pela generalidade da comunicação social. O Júri da Competição Internacional, presidido por Nina Rosenblum, afirmava na sua declaração: “Um evento com o grau de excelência da Odisseia nas Imagens cumpre um papel insubstituível no estímulo à produção de documentários e na esfera dos novos media. Os nossos votos são de longa vida ao festival [51]”! Acrescentava em seguida: “Como nenhum outro género, os documentários tornam o mundo contemporâneo menos opaco. Um grande documentário cria uma forma própria que espelha a excepcionalidade do seu tema, ou dos seus protagonistas [52]”. Por sua vez, o Júri da Competição de Escolas alertava: “O Júri não pode deixar de chamar a atenção das instituições da região para a responsabilidade de não deixar morrer ou esmorecer esta iniciativa. Bem pelo contrário, devem revitalizá-la e alargá-la pelo seu valor estruturante no panorama cultural, designadamente no audiovisual [53]”. Na imprensa, para citar apenas um exemplo, no semanário Expresso de 17 de Novembro de 2001, António Loja Neves escrevia na abertura do seu texto A reflexão sobre o cinema:


“Na verdadeira saga que foi a programação, durante um ano, dividida por vários módulos, de ‘A Odisseia nas Imagens’, integrante das actividades do Porto 2001, o Festival Internacional do Documentário e Novos Média do Porto foi o acertado rematar de um conceito de programação que redimensiona a forma de olhar as imagens, o cinema, os filmes. E que reposiciona o espectador no propósito de o tornar interventor [54]”.

O articulista concluía assim:


“Dizia Walt Whitman: ‘Ver, ver, observar, abraçar a realidade, arrancar a máscara, esquartejar os pedaços da realidade, devorá-los, colocá-los em cruz’. Excelente receituário para um documentarista. Foi certamente o mote deste festival. Que o festival do Porto continue muito para lá do epifenómeno da Capital Europeia da Cultura. Porque é necessário [55]”.


Durante a fase final da Programação foram estabelecidos contactos com vista a garantir o apoio institucional indispensável à continuidade do Festival. A ideia era assegurar a sua componente de serviço público de apoio ao desenvolvimento de iniciativas no âmbito da produção audiovisual e multimédia que permitissem, a médio prazo, o aparecimento de um sector industrial com alguma pujança capaz de responder a solicitações do mercado mais tradicional, por um lado, e de desenvolver uma identidade própria em termos de produções de excelência numa lógica de ocupação selectiva de nichos de mercado. Em qualquer dos casos, tratava-se de prosseguir e consolidar as bases do trabalho levado a efeito por forma a contribuir para a definição de políticas descentralizadas para o audiovisual e, nessa medida, conferir um maior equilíbrio à visibilidade global do país. Os contactos decorreram, naturalmente, no contexto dos protocolos existentes e levaram, inclusivamente, a solicitação do IPAE (Instituto Português das Artes e Espectáculo) à elaboração de um primeiro documento tendo em vista a possibilidade de utilização da Casa das Artes como base de desenvolvimento e aprofundamento da Odisseia nas Imagens [56]. No jornal Público de 25 de Janeiro de 2002, o Ministro da Cultura Augusto Santos Silva avançava já algumas ideias a propósito da futura utilização desse equipamento cultural [57].


Notícia da revista Visão sobre o programa de Jorge Campos Odisseia nas Imagens na RTP 2 que, durante 13 semanas, deu continuidade à programação

Mas, apesar das manifestações de apoio provenientes de diversos sectores, o facto é que a Odisseia nas Imagens, em boa medida devido à mudança de ciclo político, quer ao nível do poder local quer do poder central, não viria a ter continuidade. O último episódio desta aventura do olhar foi na RTP em cujo Canal 2 viria a conhecer uma extensão constituída por 14 programas [58].



(Continua)


Notas remissivas

[1] . Anexo I – pp. 294-295. [2] . Anexo I – pp. 187-190. [3] . Anexo I – p. 187. [4] . Anexo I – p. 188. [5] . Anexo I – p. 189. [6] . Anexo I – pp. 257-258. [7] . Anexo I – p.259. [8] . Anexo I – pp. 259-260. [9] . Anexo I – p. 261 [10] . Anexo I – pp. 264-268. [11] . Anexo I – p. 269. [12] . ibid. [13] . Anexo I – pp. 269-272. [14] . Anexo I – p. 273. [15] . Anexo I – p. 275. [16] . ibid. [17] . O orçamento global atribuído à Odisseia nas Imagens foi de 528.500.000$00, o equivalente a um pouco mais de 2,5 milhões de euros na moeda actual. Considerada prioritária em termos estratégicos, a área de Cinema, Audiovisual e Multimédia entendeu fazer a gestão dos recursos disponíveis adoptando uma lógica de prestação de serviço público a partir do qual se abrissem novas perspectivas, nomeadamente no que respeita à criação de uma massa crítica capaz de gerar iniciativas autónomas aos vários níveis da formação, criação, produção e distribuição. Sendo factor de desenvolvimento, mobilização e auto-estima da própria cidade e sendo a área da visibilidade por excelência, a Odisseia nas Imagens procurou optimizar os seus recursos próprios no contexto das suas múltiplas parcerias, indo buscar apoios ao exterior sempre que a situação o permitiu. Por exemplo, a maioria das accões de formação não teria sido possível sem o protocolo negociado com o Instituto de Emprego e Formação Profissional, em colaboração com a Associação Empresarial de Portugal. Também o protocolo estabelecido com a Radiotelevisão Portuguesa (RTP) foi relevante não apenas em termos de promoção e divulgação, mas também na co-produção da série Estórias De Duas Cidades. A Cinemateca Portuguesa contribuiu para a programação de Cinema. Outros acordos permitiram suportar alguns custos, embora pouco significativos em função da previsão global das despesas. De qualquer modo, como se verifica através da análise das fichas dos projectos, por essa via foi possível cobrir gastos de algumas viagens e estadias. Estão neste caso, por exemplo, a comparticipação do ICAM nas despesas com a deslocação de realizadores da série Estórias de Duas Cidades a Roterdão, bem como do Instituto Francês, do Instituto Alemão e das embaixadas da Finlândia e do Canadá em projectos envolvendo actividades culturais com elas relacionadas. Em termos de gestão de orçamento o critério seguido foi de efectuar rectificações quando se verificaram desvios, sendo o défice num módulo descontado no orçamento do módulo seguinte. O desvio verificado no módulo final, insusceptível de rectificação, foi compensado com a candidatura ao Plano Operacional da Cultura do Festival do Documentário e Novos Média, a qual viria a merecer avaliação positiva. - Nota do Autor. [18] . Anexo I – p. 193. [19] . Anexo I – pp. 194-196. [20] . Anexo I – pp. 197-198. [21] . Anexo I – pp.199-216. [22] . Anexo I – p. 310. [23] . Anexo I – p. 313. [24] . Anexo I – p. 312. [25] . Anexo I – pp. 219-220. [26] . Anexo I – pp. 322-333. [27] . Anexo I – p. 220. [28] . ibid. [29] . Anexo I – pp. 246- 249. [30] . Anexo I – p. 246. [31] . Costa, José Manuel – Para além do documentário, in Catálogo O Olhar de Ulisses-Resistência, Odisseia nas Imagens/ Cinemateca Portuguesa, Lisboa, 2001, p. 328. [32] . Anexo I – pp. 230-245. [33] . Anexo I – pp. 226- 245. [34] . Anexo I – pp. 226-227. [35] . Anexo I – pp. 219, 227, 229. [36] . Anexo I – pp. 217-219. [37] . Anexo I – p. 264. [38] . O texto completo está reproduzido no Anexo I – pp. 262-263. [39] . Anexo I – p. 327. [40] . Anexo I – pp. 249-250. [41] . Anexo I – pp. 316-317. [42] . Anexo I – pp. 221-226. [43] . Anexo I – pp. 250-257. [44] . Anexo I – p. 292. [45] . Anexo I – p. 190. [46] . No Catálogo apenas não estava incluída a parte respeitante a O Olhar de Ulisses, com catálogo autónomo, cuja função se considerava cumprida. No contexto geral do novo Festival estava prevista uma secção semelhante ao ciclo apoiado pela Cinemateca Portuguesa, naturalmente redimensionado e ajustado à lógica global do evento. - Nota do Autor. [47] . ibid. [48] . Anexo I – p. 306. [49] . No Relatório levantavam-se, entre outras, as seguintes questões: “a) O trabalho foi sendo desenvolvido na base de uma aprendizagem permanente por parte dos elementos do núcleo central do Departamento; b) o quer dizer que, face às características das tarefas que se foram colocando, apesar da larga experiência de todos os elementos fundamentalmente no domínio do Cinema e da Televisão, foi necessário ultrapassar situações novas em relação às quais não havia experiência adquirida, nomeadamente na área do Multimédia; c) por outro lado, em função da dinâmica da Programação, e à medida em que as solicitações foram aumentando, o grupo de trabalho foi sendo confrontado com ritmos cada vez mais absorventes e com maiores exigências resultantes da multiplicidade das tarefas que se foram colocando; d) isto dificultou, por exemplo, o acompanhamento da concretização dos projectos externos, com reflexos nomeadamente ao nível do cumprimento de prazos e do controlo orçamental; e) e teve, também, como consequência a necessidade de recorrer a um número crescente de colaboradores contratados, f) os quais, a par dos elementos constituintes do núcleo central, acabaram por beneficiar de uma experiência a partir da qual se criaram verdadeiras equipas de produção e programação culturais habilitadas a desempenhar as tarefas mais complexas h) e cujos saberes podem ser utilizados no curto e médio prazo”. - Relatório de Avaliação Final do Departamento de Cinema Audiovisual e Multimédia da Sociedade Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura, sem páginas numeradas. [50] . Não cabe aqui recuperar os episódios negativos respeitantes ao conflito mencionado. Fica, no entanto, a nota que a maioria deles teve relação com o processo de requalificação urbana levada a cabo durante a Capital Europeia da Cultura e relevou de um choque de competências entre as duas entidades. - Nota do Autor. [51] . Anexo I – p. 225. [52] . ibid. [53] . Anexo I – p. 256. [54] . Anexo I – p. 324. [55] . ibid. [56] . O documento, intitulado Linhas orientadoras para a Programação da Casa das Artes, está a seguir transcrito: 1. A Programação que se propõe para a Casa das Artes prossegue a experiência levada a cabo pelo Departamento de Cinema, Audiovisual e Mulitmédia da Sociedade Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura no âmbito da Odisseia nas Imagens. 2. Essa experiência teve como objectivo desenvolver dinâmicas de criação de novos públicos associadas a acções de produção audiovisual, nomeadamente ao nível dos estabelecimentos de ensino superior, com o intuito de repercutir, a médio prazo, em competências acrescidas em termos de uma produção local de excelência entendida num contexto descentralizador. 3. Identificadas as capacidades instaladas e os saberes existentes foram apontadas como modalidades discursivas estratégicas o cinema de Animação, as curtas metragens de ficção e o documentário. 4. Todas estas modalidades discursivas dispõem, nos festivais existentes na área metropolitana do Porto – Cinanima, Festival Internacional de Curtas Metragens de Vila do Conde e Odisseia nas Imagens – de capacidade de visibilidade, sendo que esses festivais desempenham, ou pretendem vir a desempenhar, uma função estruturadora em termos de incentivo à produção nacional. 5. Na lógica de programação da Odisseia nas Imagens a Cinemateca Portuguesa deu um contributo relevante na organização de ciclos de cinema integrados nos planos curriculares dos cursos universitários da área metropolitana do Porto ligados ao Cinema, Televisão e Jornalismo, reforçando, desse modo, a dinâmica de criação de novos públicos. 6. A justeza da estratégia adoptada é confirmada pela curva crescente de presença de público nas iniciativas da Odisseia nas Imagens, a qual, ao longo da sua programação nos anos de 2000 e 2001, se aproximou de um valor global, em termos de presenças, dos 80.000 espectadores. 7. A Odisseia nas Imagens revelou ainda enorme potencial de internacionalização, estabelecendo contactos com numerosos festivais e instituições internacionais de carácter cultural, com os quais ficou em aberto a possibilidade de estabelecer parcerias. Em função do exposto, cujo desenvolvimento se encontra na memória descritiva da Odisseia nas Imagens, parece razoável propor uma programação que tire partido e dê continuidade ao trabalho realizado, nos seguintes termos: 1. Acertar Programação com a Cinemateca Portuguesa dentro do quadro conceptual desenvolvido pela Odisseia nas Imagens; 2. Estabelecer acordos com os festivais mencionados tendo em vista formas de colaboração regular traduzida em Programação; 3. Desenvolver diligências junto de outras entidades, nomeadamente o Fantasporto e os cineclubes, de modo a estudar possibilidades de cooperação com os mesmos objectivos; 4. Aprofundar os contactos com os estabelecimentos de ensino superior de modo a integrar a Programação da Casa das Artes nos respectivos programas curriculares, garantindo, assim, o impulso à criação de novos públicos; 5. Utilizar os espaços da Casa das Artes de modo articulado e coerente, com actividades multidisciplinares, de modo a criar atractivos e potenciar a diversificação dos públicos; 6. Desenvolver parcerias internacionais dando continuidade ao trabalho realizado, nomeadamente com o Museu de Arte Contemporânea de Vigo, na área Multimédia, e com os principais festivais internacionais de Documentário; 7. Acolher o Festival Odisseia nas Imagens concebido como o corolário do trabalho desenvolvido ao longo do ano, mantendo as suas características de Festival Internacional do Documentário e Novos Media, com forte participação escolar e uma internacionalização apostada no noroeste peninsular. Estão em curso diligências no sentido de constituir a Associação Odisseia nas Imagens. A Associação Os Filhos de Lumiére prossegue a sua actividade quer através da realização de workshops no Teatro do Campo Alegre, quer com programação de Cinema na Fundação de Serralves. Do exposto, daquilo que foi dito e daquilo que se pode inferir, parece lícito esperar dos poderes públicos uma atitude construtiva no sentido de dar continuidade a este projecto”. [57] . Anexo I – p. 32 [58] . Ver o texto publicado no Anexo III – p. 24, da autoria de João Mário Grilo.








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Imagens do Real Imaginado (IRI) do Instituto Politécnico do Porto foi o ponto de partida para o primeiro Mestrado em Fotografia e Cinema Documental criado em Portugal. Teve início em 2006. A temática foi O Mundo. Inspirado no exemplo da Odisseia nas Imagens do Porto 2001-Capital Europeia da Cultura estabeleceu numerosas parcerias, designadamente com os departamentos culturais das embaixadas francesa e alemã, festivais e diversas universidades estrangeiras. Fiz o IRI durante 10 anos contando sempre com a colaboração de excelentes colegas. Neste segmento da Programação cabe outro tipo de iniciativas, referências aos meus filmes, conferências e outras participações. Sem preocupações cronológicas. A Odisseia na Imagens, pela sua dimensão, tem uma caixa autónoma.

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