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   viagem pelas imagens e palavras do      quotidiano

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Retrospectiva de William Klein


Odisseia nas Imagens IV – Como Salvar o Capitalismo/ Outras paisagens - Resistência

 


Ao quarto módulo da Odisseia nas Imagens foi dado um título deliberadamente provatório: Como Salvar o Capitalismo/Outras Paisagens. Resultando naturalmente do anterior, denominado Apocalípticos e Integrados, cabia a este último módulo testar as opções feitas ao longo de um percurso de dois anos no sentido de dar corpo a um festival de novo tipo apostado na interpelação do real contemporâneo, fortemente internacionalizado, associado a uma produção regular com envolvimento de massa crítica quer do mundo do Cinema quer das Escolas. O novo festival chamar-se-ia Odisseia nas Imagens e, independentemente de um momento temporal culminante, deveria manter uma actividade regular ao longo do ano, em articulação com os seus parceiros, capaz de produzir pensamento, textos, bem como de explorar as linguagens dos novos media.

 

Tratando-se, nesta fase, de fazer uma tentativa de balanço da programação dos documentários, ao fim e ao cabo, a charneira do conjunto da Odisseia nas Imagens - pelas razões que foram sendo expostas ao longo destes apontamentos - o que se segue relata sucintamente, com base no Relatório final do programador responsável, aquelas que foram as grandes linhas, por vezes contraditórias, de cuja implementação resultou uma experiência a vários títulos pioneira. Destacam-se aqui dois momentos. Um respeitante a O Olhar de Ulisses, outro aos filmes da esfera de outros ciclos.

 

Documentários  

O Olhar de Ulisses - Resistência

 

Comecemos pelo último episódio de O Olhar de Ulisses - Resistência - aquele em que de uma forma mais incisiva se problematizou o próprio cinema, e só eventualmente o documentário, assumindo uma posição de trincheira em função de postulados coerentes com a linha programática assumida. Construído como corolário do episódio anterior - A Utopia do Real -  afirma-se no texto de introdução:

 

Resistência: à sombra de Daney. Fonte: Letralia

“O motor daquilo que nos moveu ao longo destes dois anos pode ser perfeitamente ilustrado por esta citação de Ezra Pound que abria o primeiro número da revista Trafic, fundada por Serge Daney, e que agora retomamos: Aquilo que amas permanece/ O resto é inútil/ Aquilo que amas não te será retirado/ Aquilo que amas é a tua verdadeira herança/ a quem pertence o mundo, a mim, a eles,/ ou não é de ninguém?/ Primeiro foi o visível, depois o palpável,/ Eliseu, aconteça o que acontecer no átrio do inferno,/ Aquilo que amas é a tua verdadeira herança/ Aquilo que amas não te será retirado.”

 

A propósito dos filmes de Resistência diz-se que “os cruzamentos e montagens que propomos, irão permitir, esperamos, continuar a descoberta dessa ‘verdadeira herança’ que ficará para sempre. Johnny Guitar fazendo eco com JLG/JLG, Route One USA com Young Mister Lincoln, Stalker com La Jetée... e de La Jetée às interrogações sobre o estatuto da imagem de Mort à Vignole e Sans Soleil.


Johnny Guitar (1954) de Nicholas Ray  

A estas palavras os programadores acrescentam ter sido este o módulo “que mais nos custou fazer” devido “à ausência dos filmes de que gostamos e não podemos apresentar”, embora “nomear alguns, que chegaram a fazer parte desta programação e que por razões diversas e misteriosas não vão aparecer nesta versão final (...), talvez possa aliviar esse peso.”

 

São, em seguida, apontados os títulos de filmes e de autores que ficaram de fora, bem como algumas hipóteses de combinações programáticas, reiterando-se o respeito pelo espectador em nome do qual o ciclo foi organizado – cita-se, a propósito, uma conversa de Antoine de Baecque e Jacques Parsi com Manoel de Oliveira: “O espectador é indispensável à obra de arte” – e termina-se, agradecendo a todos os colaboradores, invocando Godard a propósito das pessoas que fazem parte, “não dos que habitam o cinema, mas dos que são habitados por ele.”

 

Resistência decorreu de 26 de Outubro a 2 de Novembro de 2001 – desta vez, num contexto que antecipava já o figurino global pretendido para a Odisseia nas Imagens, convivendo, portanto, com uma grande diversidade de iniciativas de âmbito cinematográfico, audiovisual e multimédia. Exibiu 45 filmes, assim distribuídos segundo a sua origem: França 18 (40%), URSS (incluindo Arménia e Cazaquistão) 6 (13,33%), Estados Unidos 4 (8,88%), Itália 3 (6,66%), Portugal 2 (4,44%), Holanda 2 (4,44%), Japão 2 (4,44%), Suíça 1 (2,22%), Brasil 1 (2,22%), Irão 1 (2,22%), Dinamarca 1 (2,22%), Bélgica 1 (2,22%), Portugal/França 1 (2,22%), Portugal/ Itália 1 (2,22%), Bélgica/França 1 (2,22%).

 



 

No catálogo de 398 páginas há 67 textos, dos quais 36 (53,73%) da responsabilidade de autores francófonos – Serge Daney assina sete – e 28 de autores portugeses (41,79%). No conjunto dos textos há 38 reedições, na sua maioria das folhas da Cinemateca Portuguesa e dos Cahiers do Cinema, mas também de outras publicações, nomeadamente da Cinemateca Francesa, Vertigo, Positif, Trafic, Libération e Expresso. A palavra resistência e o verbo resistir são de utilização recorrente na maioria dos textos originais. Por exemplo, no título do artigo de Pedro Eiras sobre Dodes’ Kaden aparece o verbo resistir, Saguenail fala de resistência ao cinema mainstream a propósito de O Dia da Estreia de Close-Up e António A. Rodrigues, referindo-se a Barres, considera tratar- se de um filme que transforma um gesto banal e quotidiano – a tentativa daqueles que procuram não pagar bilhete no metro de Paris – numa história de resistência. Os exemplos poderiam multiplicar-se, parecendo inserir-se num contexto reactivo ao mundo mediático mostrado em Guy Debord Son Art, Son Temps.

 

No dia 26 de Outubro O Olhar de Ulisses abriu com um conjunto de filmes nos quais as cidades ocupam um lugar preponderante e são vistas através do modo como delas se apropriaram os seus realizadores. O modo, em si mesmo, revela os dilemas e as soluções dos cineastas. Por exemplo, o filme de abertura, Roma (1972) de Federico Fellini, confronta o presente com a memória do passado. Sendo de traço autobiográfico, recorre à encenação ficcionada para evocar a infância e a juventude, mas aparenta ser de carácter documental quando vemos Fellini a filmar a sua cidade – literalmente a sua cidade, tal como ele a vê e não a Roma que alguém mais possa ter na cabeça. Na sessão seguinte, três filmes, duas curtas-metragens e uma longa-metragem: Marseille Vieux Port (1929) de László Moholy-Nagi, uma aventura experimental de 9 minutos, filmada com uma câmara amadora, na linha das sinfonias das cidades, Lettre à Freddy Buache (1981) de Jean-Luc Godard, com 12 minutos, uma declaração sobre a urgência do olhar cinematográfico mais do que uma declaração de intenções para filmar Lausanne como, obliquamente, Godard sugere e Lola (1961) o primeiro filme de Jacques Démy sendo Nantes, obviamente, a sua cidade. Na última sessão, passou, primeiro, A Ilha das Flores (1989) de Jorge Furtado, um documentário curto lançando metaforicamente um olhar irónico, por vezes sarcástico, sobre a sociedade capitalista e, depois, a obra-prima de Akira Kurosawa Dodes’ Kaden (1970).

 


Lola (1961) de Jacques Demy

No dia seguinte, a primeira sessão juntou a curta metragem de Nanni Moretti O Dia da Estreia de Close Up (1996), na qual se denuncia o imperialismo cultural comparando os números de espectadores dos blockbusters americanos nos cinemas de Roma com os do filme do cineasta iraniano, e Close Up (1990) de Abbas Kiorastami, mais uma incursão – e das mais originais – no mundo dos mecanismos do cinema, desta vez num registo predominantemente documental. Preocupações semelhantes são detectáveis no primeiro filme da segunda sessão, Quem Espera por Sapatos de Defunto, Morre Descalço (1971) de João César Monteiro, cujo enredo serve de pretexto para reflectir sobre o movimento interior da linguagem fílmica. De algum modo, o mesmo sucede no filme seguinte, À Beira Do Mar Azul (1936) de Boris Barnet, cineasta soviético de soluções narrativas imprevisíveis, de acentuado pendor poético.

 

Close up (1990) de Abbas Kiarostami

No dia 28, a primeira sessão da tarde foi preenchida por Jeunes Lumières (1995) de Nathalie Bourgeois e Pickpocket (1959) de Robert Bresson. O primeiro, à semelhança de outros filmes produzidos no âmbito do centenário do cinema, é uma proposta de reflexão sobre o acto fundador do olhar contido nas imagens em movimento. Essa mesma impressão é comum ao filme de Bresson, obra aberta cujo jogo se situa simultaneamente no plano do real e das aparências, coerente, afinal, com o pensamento de um cineasta que afirmava que “o cinematógrafo é a arte de não mostrar nada”. Concentrando igualmente a energia em narrativas tão rigorosas quanto despojadas e intensas são Gertrud (1964) de Carl Dreyer, programado para a segunda sessão, e os dois filmes da última sessão, Où Git Votre Sourire Enfoui (2001) de Pedro Costa, cujos protagonistas Jean-Marie Straub e Danièle Huillet são os autores do último filme do dia Sicília! (1999).



Sicília (1999) de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet  

No dia 29, foram programados três filmes para a sessão o início da tarde: Torre Bela (1978) de Thomas Harlan, uma das obras mais representativos da Revolução de Abril. Tratando da ocupação de uma herdade rural o documentário vai além disso posto expor de forma comovente a busca caótica, e ingénua, de uma nova forma de organizar a vida social. Seguiu-se L’ Ambassade (1973) de Chris Marker, invocação do golpe militar de Pinochet mostrando um grupo de pessoas supostamente refugiadas numa embaixada onde ao fim de algum tempo começam a reproduzir as divergências políticas da esquerda durante o governo da Frente Popular de Allende – na verdade, o filme foi rodado num apartamento em Paris. Finalmente, Guy Debord Son Art, Son Temps (1994) de Guy Debord e Brigitte Cornand, filme testamento do autor de A Sociedade do Espectáculo dividido em duas partes: Son Art, uma breve evocação das suas experiências cinematográficas e Son Temps, um violento libelo, aliás, logo anunciado num cartão introdutório, contra a televisão, a qual deixou de proporcionar uma imagem do mundo para se metamorfosear no mundo ele próprio, feito de irrisão, simulacros e vacuidade.

 


Guy Debord. Fonte: UCC

Na sessão intermédia foram apresentados dois filmes de Luc Moullet, ambos lidando com aspectos do quotidiano e programados como contraponto aos procedimentos televisivos. Barres (1984), o primeiro, não tem diálogos, serve-se do som diegético e utiliza intertítulos para dar uma versão divertida do conflito entre aqueles que pretendem viajar sem bilhete e os fiscais do metro de Paris. Génèse d’un Repas (1979), o segundo, recupera alguns traços do cinema militante associado ao Maio de 68 através de um dispositivo aparentemente semelhante ao da reportagem televisiva - mas, na verdade, muito diferente - para revelar a rede de relações desiguais contida no itinerário do ovo, do atum e da banana até chegarem à mesa da refeição do próprio cineasta.

 

A sessão da noite reuniu três ensaios cinematográficos: Cézanne-Conversation avec Joachin Gasquet (1989) de Straub/ Huillet tem mais a ver com o universo conceptual e estético da dupla de cineastas – que dá voz aos diálogos recorrendo a excertos de Madame Bovary de Jean Renoir, bem como a um segmento do seu Der Tod des Empedokles – do que com a pintura de Césanne, cujos quadros são mostrados através de longas exposições e evitando a fragmentação de elementos icónicos; Basse (1964) de Jean-Daniel Pollet complementa, de algum modo, Méditerranée e como sempre na obra deste cineasta procura mostrar as coisas como elas nunca foram vistas; o mesmo sucede com Dieu sait Quoi (1993), igualmente de Jean-Daniel Pollet, uma homenagem ao homem que 30 anos antes se maravilhara com Méditerranée, o poeta Francis Ponge. Se este se preocupava com a usura das palavras e a sua perda de sentido, Pollet preocupa-se com a usura das imagens do quotidiano que torna o mundo opaco.

 

Artavazd Pelechian. Fonte: Panorama

O dia seguinte principiou com D’Est (1993) de Chantal Akerman uma obra sobre as transformações nos países de Leste após o desmoronamento do comunismo, na qual Jean-Marie Straub viu a influência do seu método. O filme, em relação ao qual se chegou a afirmar que funcionaria melhor como instalação numa galeria de arte – na verdade a experiência chegou a ser feita – do que numa sala de cinema, tem o mesmo pendor de ensaio dos filmes anteriores. Seguiram-se A Queda da Dinastia Romanov (1024) de Esfir Schub, O Nosso Século (1980) de Artavazd Pelechian, um trabalho de montagem de arquivos, tal como o filme anterior, neste caso sobre o percurso da revolução soviética deixando no ar dúvidas quanto ao futuro e O Dia do Pão (1998) de Serguei Dvortsevoy, cineasta em cujo trabalho convergem a observação e a contemplação, sobre o dia da semana em que os habitantes de uma vila quase despovoada não muito distante de São Petersburgo recebem a visita do padeiro.

 

Na sessão da noite duas obras fundamentais do cinema moderno: La Jetée (1962) de Chris Marker e Stalker (1972) de Andrei Tarkowsky.


Chantal Akerman. Fonte: Senses of Cinema

Três filmes preencheram o sexto dia de O Olhar de Ulisses: Route One USA (1989) de Robert Kramer, cujas mais de quatro horas de duração obrigaram a dividir o filme por duas sessões, Young Mr. Lincoln (1939) de John Ford e História do Japão Contada por uma Dona de Bar (1970) de Shoei Imamura que passou numa sessão extra, perto da meia noite. Em qualquer dos casos, à semelhança do que sucedera no dia anterior, filmes que reflectem sobre o nosso mundo, fazendo-o, porém de ângulos muito variados. Young Mr. Lincoln serve de contraponto a Route USA, mas em ambos coabitam ou subjazem elementos de uma América mitológica. No filme de Imamura, cineasta de um mundo marginal, contraditório e brutal, há o lado mais sombrio e desconhecido dos mitos do Japão do pós-guerra traduzido num estilo documental próximo do cinéma-vérité, a preto e branco, sem concessões nem contemplações.

 

Route One/USA (1989) de Robert Kramer

 

Com a aproximação do final do ciclo, pensando nos princípios de montagem aplicados ao alinhamento dos filmes e nos critérios aos quais obedeceram os múltiplos cruzamentos ao longo dos seus quatro episódios, há como que uma estrutura narrativa circular que se fecha. O penúltimo dia regressou a Johan Van der Keuken – os seus filmes sobre as crianças cegas tinham sido programados no início de O Olhar de Ulisses – desta vez com O Olho por Cima do Poço (1988), rodado na Índia e com um dos seus filmes mais pessoais As Férias do Cineasta (1974). Este liga na perfeição com o primeiro filme da sessão seguinte Mort à Vignole (1999) de Olivier Smolders, uma obra igualmente muito pessoal de alguém que gostaria de ter perpetuado na imagem, não tendo podido fazê-lo, a memória de um filho que nascera sem vida. Motivo para evocar o estatuto da imagem no filme seguinte Sans Soleil (1982) de Chris Marker e lançar, na última sessão do dia, uma espécie de revisão crítica da História do Cinema através, naturalmente, de um segmento de Histoire(s) du Cinema (199) de Jean-Godard, ao qual se seguiu o clássico A Sombra do Caçador (1955) de Charles Laugton, film noir em ruptura com as convenções do género.

 

The Night of the Hunter (1955) de Charles Laughton

Em 2 de Outubro, ponto final de O Olhar de Ulisses. A primeira sessão principiou com um acto alegórico, consubstanciado na apresentação do díptico de Artavazd Pelechian Fim (1992) e Vida (1993), não apenas em função do que ambos os filmes são em si mesmos, mas, sobretudo pelo que poderiam representar no contexto de uma programação feita trincheira contra a imagem contaminada pelo audiovisual. Depois do percurso sombrio de clausura de Fim, em Vida o pulsar do coração de uma mãe em trabalho de parto e o nascimento do filho demonstra, afinal, haver esperança para o entendimento do cinema tal como O Olhar de Ulisses o mostrou. Também, por isso, as duas obras seguintes obedeceram a critérios de rigorosa exegese. Primeiro, em complemento dos filmes de Pelechian, Ana (1985) de António Reis e Margarida Cordeiro. Depois, a recuperação do casal Straub-Huillet com En Rachachant (1982) como complemento de Trafic (1971) de Jacques Tati; finalmente (e simbolicamente: fazendo prevalecer uma certa ordem do cinema) As Luzes da Cidade (1952) de Charlie Chaplin.

 

Trafic (1971) de Jacques Tati

Se no módulo anterior já era praticamente impossível proceder a um enquadramento dos filmes em função de critérios subjacentes à teoria do documentário, neste caso, qualquer tentativa nesse sentido é simplesmente desnecessária. A presença do cinema do real é aqui subsidiária de uma outra ordem mais vasta, a do cinema, vista de uma trincheira de resistência por forma a proclamar um manifesto do gosto. Escreveu o crítico Francisco Ferreira no Expresso:

 

“A redescoberta de filmes programados a partir de uma memória (a de Daney) revelou sempre relações infinitamente mais vastas, por vezes inesperadas, do que as que tínhamos tido no passado.”

 

Ferreira concluía assim:

 

“… nesta retrospectiva, houve a intenção de dar a ver filmes quase ‘invisíveis’ sem instrumentalizá-los a um discurso pré-definido, sem obrigá-los a uma classificação por géneros, como a eterna discussão em volta do problema ficção-documentário que aqui não se coloca. Mais importante é a memória que ficará desta aventura: os debates entre os convidados e a plateia do Rivoli, o valor dos textos de 4 livros publicados. Em suma, um trabalho exemplar que merece da crítica de cinema o maior respeito: a intuição contra a ‘ideia-museu'.”

 

A maioria dos filmes apresentados é, evidentemente, excepcional. Mas, porque inserido no contexto mais vasto do projecto Odisseia nas Imagens, não faltou quem, reconhecendo-lhe a excelência, visse em O Olhar de Ulisses, no contexto geral da Programação, numa outra perspectiva.


Stalker (1979) de Andrey Tarkovsky 

Assim, independentemente da controvérsia do documentário ser um “género” – uma ideia problemática visto a variedade de formas e vozes do documentário contemporâneo excluir essa possibilidade – ou do juízo que possa fazer-se sobre os debates do Rivoli – na verdade, houve opiniões, raramente debates – o percurso do ciclo, bem como a sua evolução, evidenciariam, sobretudo na fase final, algo que não andaria longe de uma ‘ideia-museu’.

 

Por outro lado, sendo meritória a ideia de mostrar filmes ‘invisíveis’, bem como a paternidade atribuída a Daney, ficaria no ar a interrogação se, afinal, o ciclo não teria caído numa armadilha tecida por ele próprio ao interpretar, em sentido estrito, por exemplo, ideias defendidas pelos Cahiers du Cinema sobre os autores nos anos 50, cuja actualização teria sido necessária. Suscitada esta dúvida, uma outra se perfilaria: se as opções tomadas não teriam ido ao encontro de um pronto a vestir talhado pelas mitologias dos ciné-fils deixando de fora, pelo seu carácter supostamente impuro, experiências contemporâneas importantes. De resto, a percentagem de 40% de filmes franceses nos dois últimos módulos de O Olhar de Ulisses seria um indício da presença dessas mitologias na sua forma mais radical e, por isso mesmo, mais ingénua.

 

No Relatório de Avaliação Final do Departamento de Cinema, Audiovisual e Multimédia da Sociedade Porto 2001 coloca-se ainda uma outra questão, a de saber se a criação de novos públicos, objectivo delineado para a Odisseia nas Imagens, não deveria atender à dessacralização de produções simbólicas cujo estatuto, embora legitimado por mediações especializadas, “possa incorrer no risco de uma espécie de fetichização conducente ao aparecimento de círculos fechados sobre si próprios, portanto sem potencial de democratização.”

 

No entanto, no conjunto dos seus quatro episódios, O Olhar de Ulisses, foi mais equilibrado. Exibiu 194 filmes assim distribuídos segundo a origem: França – 59 (30,41%), Estados Unidos da América – 36 (18,55%), Reino Unido – 18 (9,27%), Portugal – 16 (8,24%), URSS (incluindo a Arménia e Cazaquistão) – 14 (7,21%), Holanda – 9 (4,63%), Itália – 7 (3,60%), Bélgica – 3 (1,54%), Alemanha – 3 (1,54%), Canadá – 3 (1,54%), Cuba – 3 (1,54%), Bélgica – 2 (1,03%), Egipto – 2 (1,03%), Índia – 2 (1,03%), Irão – 2 (1,03%), Japão 2 (1,03%), China – 1 (0,51%), Espanha – 1 (0,51%), Dinamarca 1 (0,51%), Suíça 1 (0,51%) e Brasil 1 (0,51%). Há ainda a considerar um conjunto de co-produções todas elas, com excepção de duas, tendo a França como parceiro: Egipto/ França – 2 (1,03%), Grécia/ França/ Itália – 1 (0,51%), França/ Espanha – 1 (0,51%), Portugal/França 1 (0,51%), Bélgica/ França 1 (0,51%), Portugal/ Itália 1 (0,51%) e Japão/ Estados Unidos – 1 (0,51%).

 



 

No seu relatório final o programador responsável da Odisseia nas Imagens releva o papel de O Olhar de Ulisses como elemento fulcral da Programação ao mostrar “muitos dos melhores filmes alguma vez feitos”, alguns dos quais praticamente desconhecidos do público, em geral, e dos estudantes da área do cinema e audiovisual, em particular, fazendo-o “numa tentativa de diálogo com o público.” Considera, igualmente, ter-se tratado de uma estimulante aventura a propósito do olhar no cinema, residindo aí o seu principal mérito. Destaca, ainda, quer a colaboração da Cinemateca Portuguesa e, em particular, de João Bénard da Costa e de José Manuel Costa, quer a disponibilidade manifestada pelos numerosos participantes.

 

Quanto à imprensa, sempre se mostrou atenta, justamente elogiosa, mesmo se, pontualmente, passando ao lado das questões conceptuais em torno da estratégia global da Programação. O Olhar de Ulisses foi escolhido pelo jornal Público, a par do ciclo Violência e Paixão: O Cinema de Luchino Visconti, para figurar entre as 10 iniciativas culturais que mais se destacaram no Porto 2001.

 


 

Outros documentários

Como Salvar o Capitalismo/ Outras Paisagens 


 

O último módulo da Odisseia nas Imagens - Como Salvar o Capitalismo/Outras Paisagens - para além de O Olhar de Ulisses, colocou a tónica nas questões sociais, nomeadamente as decorrentes da globalização, procurando dar visibilidade ao universo do documentário contemporâneo em diálogo com outras formas de expressão, de modo a dar a ver o mundo explorando o cruzamento multidisciplinar.

 

Dont Look Back (1966) de D.A. Pennebaker. Tratando-se de um ciclo cujas preocupações se centravam nas representações do mundo contemporâneo, Como Salvar o Capitalismo/ Outras Paisagens procurou atrair um conjunto de participantes capazes de enquadrar um debate sobre o documentário no quadro das relações entre o cinema e a televisão. Em complemento, escolheu um conjunto de obras nas quais estivessem presentes não apenas os métodos do cinema directo, mas também algumas derivas que a ele pudessem estar associadas. A importância que lhe foi atribuída decorre do contraste que é possível estabelecer entre a imagem do real veiculada pela informação televisiva que parece tudo mostrar quando, em rigor, pouco ou nada revela, ou até esconde, e a imagem do cinema observacional que parecendo pouco mostrar é, afinal, um instrumento de conhecimento e revelação.




 

Deixando de lado as numerosas intervenções multimédia, onde, de resto, o documentário esteve ocasionalmente presente, o ciclo articulou cinco iniciativas nucleares:

 

1) uma retrospectiva do cinema de William Klein associada a três exposições fotográficas da sua autoria por forma a discutir, nomeadamente, as relações da fotografia com o cinema documental num contexto de intervenção sobre o quotidiano;

 

2) uma mostra de filmes associados ao cinema directo, complementar da retrospectiva de Klein, bem como à produção contemporânea mais recente;

 

3) dois espaços de debate em torno da imagem – O Choque das Imagens e Imagens de Choque – nos quais se confrontaram documentários pensados para a televisão e outros por ela influenciados, mas destinados ao grande ecrã;

 

4) um conjunto de masterclasses onde se discutiram os documentários de última geração abordando, nomeadamente, o novo documentário político americano, a relação do cinema com a televisão no contexto da dicotomia arte/reportagem, o documentário de observação no contexto da dicotomia verdade/ponto de vista e a influência negativa da televisão ao pretender formatar o documentário em função de critérios de audiência;

 

5) um festival competitivo do qual pudesse resultar a evidência da multiplicidade de modos e vozes documentais sobre o presente.

 

Assim: 

 

1) A retrospectiva de William Klein deveu-se, entre outras razões, ao seu trabalho quer como fotógrafo, quer como cineasta, às sua incursões no cinema directo, bem como ao carácter provocatório da maioria dos seus filmes especialmente adequado aos objectivos do Como Salvar o Capitalismo/ Outras Paisagens. Sempre com a presença do fotógrafo-cineasta, exibiu os seguintes filmes:

 

The Little Richard Story (1980) de William Klein

The Little Richard Story (1980) sobre o ícone do rock’n roll que desaparece logo no início do filme para se dedicar à venda de Bíblias optando o cineasta, na ausência do protagonista, por seguir a paródia proporcionada pelos seus inúmeros imitadores e pessoas de algum modo relacionadas com ele; Mode in France (1985) uma encomenda do governo francês com a participação dos principais estilistas do país; Muhammad Ali, The Greatest (1969-74), outro filme no qual o protagonista acaba por ser menos relevante do que o mundo dos bastidores do boxe; a sequência americana de Far From Vietnam (1967), obra colectiva com a participação de vários realizadores; Eldridge Cleaver, Black Panther (1970) feito na Argélia onde se encontrava o dirigente negro perseguido pelo FBI que é visto de um modo oblíquo pela câmara do cineasta; Mr. Freedom (1967-68), uma sátira à intervenção americana no mundo construída a partir dos estereótipos dos comic books; Contacts (1986) sobre o seu método enquanto fotógrafo; Hollywood, a Loser’s Opera (1977), filme que segue o sonho daqueles que vão para Hollywood em busca da fama e acabam, por vezes, nas situações mais humilhantes; Broadway by Light (1958), o primeiro filme de Klein, curto documentário procurando tirar partido da sinfonia da luz na noite da Broadway; Who are you, Polly Maggoo (1965-66), um último e definitivo olhar irónico sobre o mundo da moda; e The Messiah (1997-98), uma leitura do mundo contemporâneo a partir da obra de Haendel com recurso à colagem de elementos de diversas fontes, designadamente de filmes como Koyaanisqatsi de Godfrey Reggio.

 

2) Convocar o cinema directo, por outro lado, obedeceu ao intuito de contrastar e discutir o seu modo de encarar a relação com o real com os procedimentos jornalísticos na televisão. O mesmo princípio assistiu à mostra de outros filmes representativos do momento actual do documentário contemporâneo, de pendor acentuadamente político ou virados para públicos mais jovens. 

 

Soy Cuba (1964) de Mikhail Kalatozov

Filmes exibidos:

 

Dont Look Back (1966), obra de referência do cinema directo de D.A. Pennebaker sobre Bob Dylan em tour na Grã Bretanha; Ya Cuba (1964), o clássico de Mikhail Kalatozov sobre as causas da revolução cubana; Havanna, Mi Amor (2000) de Uli Gulke, um retrato da sociedade cubana e das suas contradições assumindo como eixo da narrativa o interesse despertado pelas telenovelas; Through the Wire (1990) de Nina Rosenblum, a história de três mulheres acusadas de crimes federais levadas para uma prisão americana de alta segurança; Crazy (1999) de Heddy Honigmann, um relato da experiência de guerra de soldados holandeses integrados nos capacetes azuis da ONU em diversos pontos do mundo; Asaltar los Cielos (1996) de Javier Rioyo que reconstrói o percurso de Ramón Mercader Del Rio, o assassino de Trotsky; Cinema Vérité: Defining the Moment (1999) de Peter Wintonick, a história do direct cinema, do cinéma vérité e dos seus precursores numa digressão envolvendo a maioria dos seus principais protagonistas; Gimme Shelter (1970) de David Maysles, Albert Maysles e Charlotte Zwerin que reporta ao famoso concerto dos Rolling Stones no autódromo de Altmant que redundou em tragédia devido à intervenção dos Hell’s Angels contratados para fazerem a segurança da banda; What’s Happenning! The Beatles in América (1964) dos irmãos Maysles sobre a primeira semana dos Beatles na América.

 

A maioria dos filmes - excluem-se por razões óbvias as obras ficcionais - combina diferentes modos do documentário (Nichols), com predomínio dos modos expositivo, reflexivo e de observação. Alguns filmes são de elevado grau de autoridade epistemológica, outros se situam-se no território da voz aberta (Plantinga). Como adiante se verá, serviram o propósito de reposicionar a pluralidade do olhar legitimada pela história do documentário, bem como de interpelar abordagens dadas como adquiridas da teoria do documentário.

 

Heddy Honigmann. Fonte: WALKER

3) No âmbito de O Choque das Imagens - Imagens de Choque foram exibidos dois filmes da canadiana Carole Poliquin e outros dois de Godfrey Reggio. Os filmes da cineasta canadiana: Turbulences (1998), que levou Poliquin a viajar por todo o mundo, faz a crítica do primado do económico sobre o político e o social e compõe um retrato da destruição do meio ambiente como resultado do modo de produção capitalista; L’Âge de la Performance (1994) produz argumentos para denunciar o darwinismo social, o qual aprofunda as desigualdades em função das capacidades performativas dos protagonistas do mundo, e é visto como um processo decorrente do fenómeno da globalização. Ambos os filmes são construídos em função de uma narrativa que procura fazer a síntese de elementos do cinema e do documentário de televisão, numa tentativa de potenciar a eficácia persuasiva.

 

Os filmes de Carole Poliquin interagiam não apenas com painéis de especialistas em várias áreas, mas também com dois dos filmes de Godfrey Reggio que integram a trilogia Qatsi, respectivamente Koyaanisqatsi (1983) e Powaqqatsi (1988). O primeiro levou seis anos a fazer e é uma visão apocalíptica do confronto do mundo tecnológico com a natureza. O título é uma palavra utilizada pelos índios Hopi para dizer “vida em desequilíbrio”. Apesar de trabalhar a partir de imagens da vida real Reggio submeteu-as a um processo de sucessivas metamorfoses através do computador por forma a concentrar a atenção na destruição do planeta por via da lógica extracionista e consumista que afronta a natureza. Tal como sucede com Powaqqatsi o filme suscita múltiplas leituras. Mas no caso deste último o que está em causa é um mundo que funciona à escala humana, recuperando o dia a dia e os rituais antigos de povos onde habita ainda o respeito pelo outro, pelo ambiente e pelo espírito do sagrado. Os filmes de Reggio, que iriam inspirar outros como Baraka (1992) de Ron Fricke, são um exemplo de como a narrativa vai sendo moldada através da experimentação tecnológica, estando próximos, na prática, daquilo que Pierre Babin designou como “uma cultura simbólica, de ressonância afectiva”, na qual coexistem a razão e a emoção.



 

4) A programação dos documentários de Como Salvar o Capitalismo/Outras Paisagens - excluindo O Olhar de Ulisses - para além das afinidades temáticas e narrativas, fez-se em articulação com iniciativas visando a participação do público. Por exemplo, Through the Wire, Cinema Vérité: Defining the Moment e Asaltar los Cielos foram o ponto de partida para masterclasses, respectivamente, de Nina Rosenblum, Amir Labaki e Javier Rioyo. Nelas foi amplamente discutido, além das obras dos próprios cineastas, titulares de festivais e académicos, o presente e o futuro do documentário.

 

Excertos, a título de exemplo, do debate em torno do Cinema e da Televisão (ver neste blogue entrevistas com Nina Rosenblum, Amir Labaki e Javier Rioyo, bem como Brian Winston e Lorenç Soler):

 

Nina Rosenblum: “Por necessidade, muitos realizadores acabam por trabalhar para o cabo com orçamentos que raramente ultrapassam os 80 mil dólares. Para se perceber o que quero dizer basta recordar que Liberators, o filme que fiz sobre a participação de negros americanos na libertação de prisioneiros dos campos de concentração nazis, custou um milhão e duzentos mil dólares. A televisão faz filmes superficiais de acordo com formatos previsíveis. Recuso-me a chamar-lhes documentários. Tratam de temas da actualidade, mas o estilo é o da lavagem ao cérebro.”

 



 

Lorenç Soler: Cinema e Televisão são dois mundos completamente diferentes. Pelo menos entre nós, em Espanha, para eles nós somos os artistas, os “poetas”, eles são os comunicadores, os que dão conta da verdade. Mas, as coisas não podem colocar-se desse modo. Aliás, ambas as tendências, muitas vezes, coabitam nos documentários. Mas, para isso, é necessário que a Informação sobre um tema seja apresentada de modo poético, criativo e original.”

 

Brian Winston: “A tradição francesa é mais pessoal, mais poética, menos jornalística e menos ligada à reivindicação da objectividade. Os documentários franceses clássicos do pós-guerra são pessoais e poéticos e nem mesmo quando utilizam os novos equipamentos mais leves e flexíveis do cinema directo, como Jean Rouch em Chronique d’un Été, há qualquer intenção de objectividade. Este tipo de coisas não passaria pela cabeça de britânicos ou americanos. Nesse sentido, havia uma diferença óbvia. Porém, não creio que isso seja mais assim. Porquê? Devido à influência do “realismo” da televisão, de um jornalismo que invade todos os domínios. (...) Dantes tínhamos documentários poéticos, pessoais, etc, etc... Agora apenas nos é permitida a câmara ao ombro da reportagem, o registo sem surpresa e isso é muito mau. Primeiro, porque limita a variedade de expressão e, depois, porque, na maioria dos casos, é lixo. Não devia ser assim. Mas, infelizmente, os operadores de televisão estão hoje numa posição ideológica muito forte.”

 

Javier Rioyo: “Penso que o documentário deve ter um percurso de salas, de ciclos e de festivais, mas creio que o percurso natural é cada vez mais a televisão. A televisão está cheia de coisas boas e de coisas más. É certo que a programação de documentários pode incorrer alguns riscos, porque se trata de exibir algo que tem muito de experimental e de voo livre. Mas se os documentários forem bem programados, em horários apropriados e não relegados para horários impossíveis, poderão ser vistos com o mesmo agrado como se vêm as boas séries ou os filmes de ficção. O que não se pode é remeter o documentário para um território marginal atribuindo-lhe um estatuto demasiado cultural e didáctico.”

 



 

5) No texto de apresentação do I Festival Internacional do Documentário e Novos Média - Odisseia nas Imagens, afirmava-se:

 

“A secção competitiva da Odisseia nas Imagens reúne um conjunto de filmes dos quais pode afirmar-se que de algum modo proporcionam um retrato do tempo em que vivemos. Estes filmes tanto nos remetem para o dia de hoje quanto nos solicitam o esforço de memória sem o qual o futuro é imponderável. Estamos, pois, perante uma História a fazer-se, um percurso ao longo do qual as imagens nos interpelam sobre a condição do homem e sobre a cidadania. Mas não só, porque o exercício que é feito ficaria incompleto sem uma reflexão sobre as imagens elas mesmas e o seu peculiar modo de dizer, o que nos coloca no centro dos mecanismos do trabalho de criação.”

 

Noutra passagem:

 

“(…) o documentário reclama a par do domínio gramatical e do saber fazer a presença de um olhar diferenciado correspondente a uma visão pessoal do objecto observado. É a metamorfose no âmago da qual, de uma forma aberta, reside, enquanto proposta, a chave da interpretação do mundo ou a expressão das suas perplexidades. Daí que o documentário possa ser considerado o álbum de família de um povo, de um país, do mundo global sobre o qual todos se interrogam. O documentário é um bem público.”

 

De acordo com os propósitos anunciados resulta claro que a selecção competitiva da Odisseia nas Imagens procurou reflectir a lógica da Programação do ciclo Como Salvar o Capitalismo/ Outras Paisagens, sem descurar propostas de O Olhar de Ulisses. É igualmente evidente a observância de um critério que procurou dar ênfase à participação ibérica, colocando-a em pé de igualdade com a restante participação internacional, já a pensar no futuro do festival.

 

Por isso, apareceram, lado a lado, obras já premiadas nalguns dos principais festivais internacionais durante 2000/2001 – casos de Sundance, Amesterdão, Rio de Janeiro e Veneza, entre outros – e algumas das obras mais recentes produzidas na Península, isto considerando tratar-se de uma iniciativa de carácter experimental, cujo futuro se previa poder passar pelo aproveitamento de sinergias de todo o noroeste peninsular. A par de grandes nomes como Sokurov, Barbara Kopple, Pedro Costa, Chris Hegedus ou Gianikian/ Ricci-Lucchi, a selecção contemplou um conjunto de cineastas menos conhecidos e até autores de primeiras obras de Portugal e Espanha.

 



A competição decorreu de 26 de Outubro a 2 de Novembro de 2001 e apresentou 25 filmes.


Principiou com De Zee Die Denkt (2000) do holandês Gert de Graaf, obra premiada no Festival de Amesterdão, e prosseguiu com Senhorinha (2001) primeira obra de José Filipe Costa e Negação do Brasil (2000) do brasileiro Joel Zito Araújo. Seguiram-se: Sverige (2000) dos suecos Johannes Stjärne Nilsson e Ola Simonsson, The Last Yugoslavian Football Team (2000) de Vuk Janic, Ser Forcado (2001) uma produção portuguesa realizada por Mathias Bauer e Auto Bonus (2001) do finlandês Mika Ronkainen. O terceiro dia de competição trouxe As Enfermeiras do Estado Novo (2000) de Susana Sousa Dias, A Time of Love and War (2000) da canadiana Sabrina Mathews e Las Cenizas Del Volcán (2000) de Pedro Pérez Rosado. Depois, Perdere il Filo (2000) de Jonathan Nossiter, Pós (2000) de Regina Guimarães e Saguenail, Francisco Boix, un Fotógrafo en el Infierno (2000) de Lorenç Soler e Sacrifice-Who Betrayed Che Guevara (2001) de Erik Gandini e Tarik Saleh, este vencedor do festival do Rio de Janeiro. No quinto dia foram exibidos Mais Alma (2001) de Catarina Alves Costa, Extranjeros de Si Mismos (2000) de José Luis López-Linares e Javier Rioyo, Alone (2001) de Audrius Stonys e O Fato Completo ou à Procura de Alberto (2001) de Inês de Medeiros. No dia 31 de Outubro passaram dois dos filmes apontados como estando entre os favoritos: Southern Confort (2000) de Kate Davis já premiado em Sundance e No Quarto da Vanda (2000) de Pedro Costa. Seguiram-se dois filmes americanos de realizadores com filiação no cinema directo: My Generation (2000) de Barbara Kopple e Startup.com (2000) de Jehane Noujaim e Chris Hegedus. Para o último dia estavam reservados Images d’Orient -“Tourisme Vandale” (2001) de Yervant Gianikian e Angela Ricci-Lucci, Elegiya Dorogi (2001) de Aleksandr Sokurov, já distinguido em Veneza, e Que Vivent les Femmes! (2000) de Laurent Bécue-Renaud.

 

Sacrifício (2001) de Erik Gandini e Tarik Saleh

A maioria dos filmes é de propósito social, procurando reflectir sobre algumas das grandes questões do nosso tempo. Por exemplo, Negação do Brasil, The Last Yugoslavian Football Team, As Enfermeiras do Estado Novo, Las Cenizas Del Volcán, Francisco Boix, un Fotógrafo en el Infierno, Sacrifice-Who Betrayed Che Guevara, Extranjeros de Si Mismos e Que Vivent les Femmes! são de óbvio conteúdo político, com mensagens relativamente lineares, cabendo sem dificuldade, fundamentalmente, no modo expositivo. Southern Confort é um documentário de observação, que não enjeita cenas reconstruídas. Acompanha o percurso de um transsexual, as suas tentativas de mudança de sexo e a história do amor da sua vida, até ser vitimado pela sida. My Generation, uma revisitação da geração de Woodstock, e Startup.com, uma investida pelo território dos negócios através da Internet também passam pela observação, mas o primeiro recorre à entrevista. Mais complexos são os filmes de Pedro Costa, Aleksander Sokurov, Gert de Graaf e Yervant Gianikian e Angela Ricci-Lucci. O primeiro é uma ficção do real, o segundo, De Zee Die Denkt - trabalha sobre os dispositivos da narrativa e do trabalho de criação o que, de algum modo, acontece também como os filmes de Jonathan Nossiter e de Regina Guimarães e Saguenail – é um documentário reflexivo e os outros dois conjugam, predominantemente, os modos poético e reflexivo.

 

Elegiya Dorogi (2001) de Aleksandr Sokurov

Naturalmente este exercício de catalogação não confere qualquer estatuto quanto ao interesse dos filmes e muito menos quanto à qualidade cinematográfica que se lhes possa atribuir. Permite, no entanto, verificar um aspecto não negligenciável: a maioria dos documentários predominantemente expositivos obedece a padrões híbridos na medida em que é evidente neles a presença de procedimentos quer associados ao cinema quer à televisão. O mesmo sucede, aliás, com os documentários predominantemente de observação. E nalguns casos, como acontece no filme vencedor Sacrifice - Who Betrayed Che Guevara (2001) de Erik Gandini e Tarik Saleh, há o assumir de uma investigação à qual não são alheios os critérios jornalísticos. Contudo, em todos estes filmes e, sobretudo nas longas metragens é visível a tentativa de não ceder à formatação.

 



Como Salvar o Capitalismo/ Outras Paisagens exibiu 57 filmes – neste inventário não cabem as numerosas experiências de manipulação da imagem cinematográfica efectuada no âmbito da programação multimédia. Esses 57 filmes ficaram assim ordenados em função da origem: Estados Unidos da América – 17 (29,82%), Portugal – 7 (12,28%), França – 6 (10,52%), Holanda – 4 (7,01%), Canadá – 4 (7,01%), Espanha – 4 (7,01%), URSS – 2 (3,5%), Alemanha – 2 (3,50%), Suécia – 2 (3,50%), Itália – 2 (3,50%), Brasil – 1 (1,75%), Finlândia – 1 (1,75%), Lituânia – 1 (1,75%), havendo ainda a considerar três co-produções: Itália/ França – 2 (3,50%), Portugal/França – 1 (1,75%), Rússia/ França/ Holanda – 1 (1,75%).

 

Na próxima publicação far-se-á um balanço final do legado da Odisseia nas Imagens.

 

Continua 

 


 

 

 

Atualizado: há 10 horas



Apocalípticos e Integrados, o terceiro módulo de Odisseia nas Imagens, marca uma viragem na programação dos documentários. Observando os critérios de cinema de excelência de O Olhar de Ulisses, cuja autonomia se manteve inalterada, abriram-se novas janelas tendo em vista contemplar narrativas que, de outro modo, teriam ficado omissas, com prejuízo de uma visão mais abrangente. Deste modo, Apocalípticos e Integrados, face aos episódios anteriores, tornou-se mais imprevisível e ganhou novos públicos por duas ordens de razões. Por um lado, o princípio de montagem cinematográfica já amplamente testado no diálogo entre os filmes em O Olhar de Ulisses, tornou-se extensivo a toda a programação da Odisseia nas Imagens. Por outro, a introdução e cruzamento de novas linguagens, permitiu acentuar contrastes, criar diferentes atmosferas e complexificar a relação entre o público e os filmes escolhidos para os diferentes momentos.

Vejamos, então, a programação dos documentários neste módulo, constante da avaliação feita pelo programador responsável no Relatório de Avaliação Final.

 

Documentários de O Olhar de Ulisses –  A Utopia do Real


No texto introdutório do catálogo do episódio de O Olhar de Ulisses, designado por A Utopia do Real, retoma-se uma frase de António Reis de há um quarto de século: “o cinema é um caso de vida ou de morte”. Evoca-se a circunstância do ciclo coincidir com “o cinquentenário da fundação de uma revista – Cahiers du Cinema – criada por André Bazin – que marcou profundamente a evolução do cinema e o acompanhou no seu devir durante as décadas seguintes”. E assume-se – fazendo lembrar, de novo, Serge Daney – que desde que o mesmo Bazin viu o cinema como “uma janela aberta para o mundo” o cinema dominante “tem vindo a manifestar uma assustadora tendência para se transformar num jogo de vídeo em grande ecrã enquanto o ecrã de televisão toma cada vez mais a forma de um buraco de fechadura”. Razão bastante para anunciar:

 

“Nesse contexto, o quarto e último acto de O Olhar de Ulisses, em Outubro de 2001, esforçar-se-á por construir redes de relação e leitura entre os filmes - faróis da história do cinema, pontos de referência indispensáveis, e as obras contemporâneas que teimam em respeitar quem as vê. A esse derradeiro andamento só podíamos por isso dar o título de RESISTÊNCIA ”.

 

António Reis: “O cinema é um caso de vida ou de morte.”  Fonte: Observador
António Reis: “O cinema é um caso de vida ou de morte.” Fonte: Observador

O catálogo de O Olhar de Ulisses - A Utopia do Real tem 441 páginas com 86 textos, nos quais não estão incluídos nem os textos introdutórios, nem os textos respeitantes ao ciclo Imagens da Ciência de Jean-Michel Arnold e Annick Demeule. Desses 86 textos 48 (55,81%) são de origem francófona, 25 são originais e os restantes reedições com origem fundamentalmente nas folhas e catálogos da Cinemateca Portuguesa, nos Cahiers do Cinema e na revista Trafic – foi a partir dela, recorde-se, que Serge Daney pretendeu lançar o seu projecto, justamente, designado Resistência.

 


O ciclo decorreu entre 15 e 22 de Março de 2001, mas, desta vez, convivendo com um leque de iniciativas obedecendo ao diálogo multidisciplinar previsto desde o início pela Odisseia nas Imagens, cuja sessão inaugural ocorreu a 14 de Março com a exposição dos fotógrafos da Magnum sobre a rodagem de Misfits e, logo no dia seguinte, no espaço onde iria decorrer O Olhar de Ulisses, contou com um conjunto de masterclasses centrado nos Lugares da Imagem.

 

A Utopia do Real começou com Farrebique (1946) de Georges Rouquier, passou para Les Inconnus de la Terre (1961) de Mario Ruspoli, considerado o pioneiro do cinema directo na Europa, centrou-se em La Terra Trema (1948) de Luchino Visconti, fez a estreia de Cinema (2001) de Fernando Lopes e fechou o primeiro dia com O Desprezo (1963) de Jean-Godard. O filme de Rouquier, um admirador de Flaherty, mostra a vida no campo através de uma leitura lírica e descontextualizada – não há nele sinais do tempo, por exemplo, da guerra cujo epílogo se tinha acabado de verificar – proporcionando uma visão poética onde actores não profissionais, a família de Farrebique, desempenham os seus próprios papeis na vida real, mas com plena consciência de estarem a representar.

 

Mario Ruspoli  Fonte: metrograph
Mario Ruspoli Fonte: metrograph

A questão dos actores e a forma como a presença da câmara afecta os seus desempenhos é, aliás, transversal a todo o ciclo. Sucede com o filme de Ruspoli sobre os camponeses de Larzac, em relação aos quais a proximidade da câmara permite revelar na paisagem dos rostos o impasse a que os conduziu a sua condição e, claro, também com o filme de Visconti, obra obrigatória do neo-realismo italiano. O filme de Fernando Lopes – o realizador classificou-o como uma litania – é uma celebração do cinema de alguma forma reiterada (e problematizada) no filme de Godard onde Fritz Lang se representa a si mesmo enquanto realizador de um filme chamado Odisseia – magnífica alegoria: um poeta cego revisto por um cineasta com um só olho –, cujo produtor, o americano Jack Palance surge como intérprete de uma lógica industrial simultaneamente ambígua e pragmática, ameaçadora e estimulante.

 

As sessões do dia seguinte começaram com Georges Franju: Le Sang des Bêtes (1948), sobre os matadouros de Paris, Hotel des Invalides (1951), uma subtil crítica anti-militarista a propósito de uma visita guiada ao museu de guerra com texto dito pelo mais irreverente dos actores franceses, Michel Simon, e Os Olhos sem Rosto (1959) uma inquietante obra-prima do cinema fantástico onde o medo e o belo estão sempre presentes e em confronto na escala das emoções inerentes à natureza humana. Franju, apesar de ter colaborado com Langlois na criação da Cinemateca Francesa, foi sempre um cineasta marginal, nunca se tendo identificado com a nouvelle vague. Fez 13 curtas metragens. Tal como aconteceu com muitos dos cineastas do pós-guerra, nomeadamente aqueles que integraram o Grupo dos 30, trabalhou por encomenda, mas conseguiu sempre transmitir o seu ponto de vista. Nos seus filmes, particularmente em Les Sang des Bêtes, as imagens parecem escapar ao real elevando-se a um plano pictórico quase surreal. A narração faz lembrar a de Las Hurdes de Buñuel.

 


Na sessão intermédia verificou-se o regresso de Flaherty com Louisiana Story (1948), provavelmente o mais complexo dos seus filmes, seguido de uma incursão no cinema de cunho documental de Abbas Kiarostami com Onde fica a casa do meu amigo (1987). Qualquer dos filmes tem como protagonistas dois rapazinhos e o sentido de uma aprendizagem que pode ser feita independentemente de quem é suposto ensinar. Na última sessão, uma montagem de filmes com enfoque nas relações dos homens entre si e dos homens com a natureza: A Caça (1963) de Manoel de Oliveira, Os Habitantes (1970) de Artavazd Pelechian e a Floresta Interdita (1958) de Nicholas Ray.

 

No dia 17, a cada uma das sessões correspondeu apenas um filme e o ciclo propôs três modos de olhar a Índia - correspondentes a outros tantos modos de olhar o outro - através de três clássicos da cinematografia universal: o documentário de Rosselini, Índia Matri Bhumi (1958), filme charneira da obra do realizador com uma estrutura narrativa

de algum modo semelhante a Paisà (1946) e que antecipa o seu trabalho para a televisão, O Rio Sagrado (1951) de Jean Renoir e a Balada da Estrada (1955) de Satyajit Ray, seguido de um concerto de música indiana pelos Bauls de Bengala

 


Não foi ainda no quarto dia de A Utopia do Real que se anunciaram os filmes, em princípio, mais previsíveis tendo em conta o espaço cronológico convocado. Pelo contrário, o programa seguiu a via experimental, colocando o problema da criação artística e estabelecendo pontes com outros filmes já exibidos ou a exibir. Assim: Jaime (1974) de António Reis, sobre um doente esquizofrénico que ao cabo de 30 anos de internamento começou a pintar e escrever compulsivamente, e depois dois filmes de Jean-Daniel Pollet, Le Horla (1966) e L’Ordre (1973), cujo denominador comum remete tanto para um sentimento de exclusão por parte dos protagonistas quanto para a consciência crítica de uma narrativa da qual se exclui qualquer discurso convencional, sendo que o último filme coloca um leproso, Raimondakis – cujo rosto deformado faz lembrar as gloriosas ruínas do mundo clássico recorrentemente filmadas por Pollet – a interpelar o espectador, cúmplice de uma ordem que exclui. Sessão intermédia: Méditerrannée (1963) de Jean-Daniel Pollet e um singular Al Mummia (1969), única longa metragem de um discípulo de Rosselini, o egípcio Chadi Abdel As-Salam. Sobre o primeiro filme o realizador e Gerard Leblanc afirmam: “Trata-se de uma série de imagens captadas durante um ‘itinerário mediterrânico’ com a única preocupação de que cada imagem mostre, signifique, apenas uma coisa, uma só ideia de modo a ser uitilizada como uma palavra (que apenas adquire um significado definitivo em função do lugar que vai ocupar numa frase”. Finalmente: Le Mystère Picasso (1956) de Henri-Georges Clouzot sobre o método de criação do pintor e as sucessivas metamorfoses da sua pintura; e Un Monde Agité (2000) do escritor, fotógrafo e cineasta francês Alain Fleischer sobre o cinema da Belle Époque a partir de uma colagem de imagens de 124 filmes feitos entre 1900 e 1920. O catálogo de A Utopia do Real dedica a este último bloco de filmes 80 páginas com textos de João Bénard da Costa, Manuel Hermínio Monteiro, José Manuel Costa, João César Monteiro, António Reis, Jean-Luc Godard, Jean-Daniel Pollet, Philipe Solers (autor do texto de Méditerrannée), Gerard Leblanc, Dominique Païni, André Bazin, Saguenail e José Navarro de Andrade, o que permite atribuir-lhe um lugar charneira no contexto do ciclo.

 


Em contrapartida, ao Free Cinema, apesar de se tratar de um movimento essencial para o entendimento do documentário contemporâneo, nomeadamente devido à crítica das posições reformistas de John Grierson, ao radicalismo formal e político e à liberdade de observação concedida às câmaras de filmar de 16mm, são dedicadas apenas três páginas, duas das quais apenas com ilustrações e uma com um texto não assinado. Do Free Cinema foram mostrados, na primeira sessão do dia 19 de Setembro, O Dreamland (1953) de Lindsay Anderson, Nice Time (1958) de Alain Tanner e Claude Goretta e We are the Lambeth boys (1958) de Karel Reisz. A estes filmes juntou-se On the Bowery (1957) de Lionel Rogosin sobre essa rua de Nova Iorque onde costumava reunir-se a escória humana da cidade.


Pull my Daisy (1959) de Robert Frank e Alfred Leslie
Pull my Daisy (1959) de Robert Frank e Alfred Leslie

Os filmes seguintes, dando continuidade ao bloco anterior, apontavam para o cinema independente americano do final da década de 50 e princípios da década de 60: Pull my Daisy (1959) de Robert Frank e Alfred Leslie e The Connection (1961) de Shirley Clarke. O primeiro estreou juntamente com Shadows (1959) de John Cassavetes e é uma espécie de home video passado num apartamento da Bowery onde o senhorio, um funcionário dos caminhos de ferro, é surpreendido pela visita de um bispo, sentindo-se embaraçado com a presença dos seus amigos boémios. Estes são figuras tutelares de beat generation como Allen Gingsberg, Gregory Corso, Peter Orlovsky. Delphine Seyrig aparece aqui no seu primeiro papel. O filme tem narração de Jack Kerouac. Durante anos, à semelhança, aliás, do que aconteceu com Shadows (1959), instalou-se a ideia do filme ter sido totalmente improvisado. Da narração de Kerouack, dando voz a todas as personagens, correu a versão de ter sido absolutamente espontânea. Contudo, em Novembro de 1968, num artigo da Village Voice, Alfred Leslie revelou tudo ter sido pensado e encenado ao pormenor, “tal como um filme de Hitchcock”.



The Connection, por sua vez, recria uma peça de Jack Gelber para o Living Theatre. O nome de Shirley Clarke, uma bailarina que trabalhou com Martha Graham e Doris Humphrey, está associado ao cinema de vanguarda americano e a nomes como os de Stan Brakhage e Maya Deren. No início dos anos 60 fundou com Jonas Mekas a Filmmakers Cooperative e, mais tarde, dedicou-se à coreografia das imagens e ao vídeo experimental dando corpo ao T.P. Videospace Groupe. O seu filme mostra um grupo de junkies que aguarda a chegada do elemento de ligação da droga, mas enquanto isso acontece vão sendo desmontados os mecanismos de um outro filme que supostamente está a ser feito a propósito dessa espera e cujo realizador, na sua tentativa de encontrar “the man behind the man” acaba, ele próprio, por drogar-se. Para a última sessão, integrando-se coerentemente na atmosfera cinéfila do dia, estava reservado Belarmino (1964) de Fernando Lopes.


 Vittorio De Seta  Fonte: daFilms
 Vittorio De Seta Fonte: daFilms

O dia 20 de Março começou por acolher outro admirador de Robert Flaherty, o italiano Vittorio Se Seta – Martin Scorcese disse ver na sua obra a essência do cinema –, com dois filmes trazendo de volta os camponeses e o mundo rural: Pastor di Orgoloso (1958), sobre o quotidiano dos pastores da Sicília e o poderoso Banditi a Orgoloso (1961), a história de um pastor injustamente acusado de roubo e perseguido, juntamente com um irmão mais novo, na paisagem agreste das montanhas da Sardenha, como se esse fosse o seu destimo inelutável. Seguiram-se Les Hommes de la Baleine (1956) de Mario Ruspoli, um filme sobre a caça à baleia nos Açores que teve a colaboração de Chris Marker e o incontornável Pour La Suite du Monde (1963) de Pierre Perrault e Michel Brault. A última sessão programou três filmes portugueses: O Senhor (1965) de António Campos, A Invenção do Amor (1965) igualmente de António Campos e uma obra essencial do novo cinema português Mudar de Vida (1966) de Paulo Rocha.

 

A 21 de Março surgiu finalmente o confronto direct cinema - cinema vérité (o catálogo não faz qualquer referência a essa controvérsia) com algumas, poucas, das suas obras mais representativas. A primeira sessão, que contou com a presença de Albert Maysles: Primary (1960) dos Drew Associates, seguindo-se dois filmes de propósito social de Santiago Alvarez, Now (1956) e LBJ (1967) e, finalmente, Salesman (1969) dos irmãos Maysles e Charlotte Zwerin. A meio da tarde, três filmes franceses: Du Côté de la Côte (1958) de Agnes Varda, Blue Jeans (1958) de Jacques Rozier e o filme pioneiro do cinema-vérité de Jean Rouch e Edgar Morin Chronique d’un Été (1960). À noite Mário Ruspoli regressava com Regards sur la Folie (1962) em complemento do polémico Titicut Follies (1967) de Frederick Wiseman.

 


O último dia de A Utopia do Real: Les Statues meurent aussi (1953) de Alain Resnais e Chris Marker, Moi, un Noir (1957) de Jean Rouch e Paris vu par...episódio Montparnasse-Levallois (1965) de Jean-Luc Godard ; Vilarinho das Furnas (1970) de António Reis e Nós (1967) de Artavazd Pelechian; Les Maîtres Fous (1954) de Jean Rouch e O Acto da Primavera (1962) de Manoel de Oliveira.

 

No total, o terceiro episódio de O Olhar de Ulisses, excluindo as Imagens da Ciência, ciclo onde, aliás, apareceram alguns documentários feitos para a televisão, mostrou 53 filmes, assim distribuídos em função da origem: França – 21 (39,62%), Portugal – 9 (16,98%), Estados Unidos da América – 9 (16,98%), Reino Unido – 3 (5,66%), Itália – 3 (5,66%), URSS (incluindo a Arménia) – 2 (3,77%), Cuba – 2 (3,77%), Canadá – 1 (1,88%), Irão – 1 (1,88%), Índia – 1 (188%), Egipto – 1 (1,88%).

 

A percentagem do cinema francês confirma os propósitos do texto introdutório e num episódio cronológicamente marcado não apenas pela nouvelle vague, mas também pelo novo cinema português, constata-se a presença de 56% de filmes de ambos os países. Em contrapartida, apesar de presentes, pouca relevância é dada ao cinema directo americano e ao documentário do Quebeque, o que, aliás, se reflecte nos textos do catálogo, e passa-se ao lado da produção documental americana mais politizada – a ausência de Emile de Antonio será, porventura, a mais notória. Do mesmo modo, não há referência às experiências cinematográficas encetadas em função da televisão das quais, uma das mais interessantes foi, certamente, The Candid Eye, no Canadá.



Voltando a Nichols, a maioria dos filmes é suficientemente singular para escapar a qualquer tentativa de catalogação. Procedendo de forma idêntica à dos episódios anteriores, excluímos: La Terra Trema, O Desprezo, Onde Fica a Casa do Meu Amigo, A Floresta Interdita, O Rio Sagrado, A Balada da Estrada, Al Mummia e Mudar de Vida. Contudo, neste conjunto há filmes de cunho marcadamente documental, nomeadamente os de Visconti, Kiarostami e Paulo Rocha. De resto, parece ser evidente neste episódio de O Olhar de Ulisses, a par do problema dos actores, uma tendência para debater, no plano das narrativas, a dicotomia ficção/documentário.

 

Os restantes filmes foram alinhados em função de uma interpretação que apenas procurou identificar tendências dominantes. Assim, modo poético: Farrebique, Les Inconnus de la Terre, Louisiana Story, Les Hommes de la Baleine, Pour la Suíte du Monde, Pastor di Orgoloso, Banditi a Orgoloso, Vilarinho das Furnas e O Acto da Primavera; modo expositivo: Le Sang des Bêtes, Hotel des Invalides, Now e LBJ; modo de observação: Les Inconnus de la Terre, Nice Time, O Dreamland, Pour la Suite du Monde, Primary, Salesman, Regard Sur La Folie e Titicut Folies; modo participativo: L’Ordre, Pull my Daisy, The Conncetion e Chronique d’un Été; modo reflexivo: Cinema, A Caça, Índia, Jaime, Le Horla, Méditerrannée, Du Coté de la Côte, Blue Jeans, O Senhor, A Invenção do Amor, Les Statues meurent aussi, Moi, un Noir, Paris vu par... e Les Maîtres Fous; modo performativo: Le Sang des Bêtes, Hotel des Invalides, Nice Time, O Dreamland, We are the Lambeth Boys, Os Habitantes, L’Ordre, Le Mystère Picasso, Un Monde Agité, On The Bowery, Belarmino e Pull My Daisy.

 

De novo, a maioria dos filmes cabe em mais de uma categoria e, em rigor, a maioria deles tem um pouco de todas elas. Por exemplo, mesmo considerando Le Sang des Bêtes um documentário expositivo, como faz Nichols, é evidente que o filme de Franju suscita inúmeras questões e tem ressonância muito para além da mera exposição. Invocando Plantinga há um predomínio claro da voz aberta no conjunto dos filmes. As tendências dominantes consolidam, aliás, a impressão recolhida dos módulos anteriores: a aposta num tipo de documentário essencialmente inscrito no âmbito do cinema de arte e ensaio.

 


Por essa razão, se neste módulo se impõe uma perspectiva essencialmente informada pela crítica dos Cahiers du Cinéma dos anos 50/ 60 – excepção feita à vertente maoísta – e pela política do gosto a ela associada, o seguinte, como se viu, teria de ser construído à maneira de uma trincheira, a partir da qual, esgrimindo argumentos recorrentes, se defende um ponto de vista tido como indiscutível.

 

Outros documentários - Apocalípticos e Integrados, A América de Errol Morris

 


Como se depreende do texto introdutório de Apocalípticos e Integrados, onde se alude à necessidade de “inflectir o debate” deslocando-o “para um espaço mais interpelativo e menos integrado”, a Odisseia nas Imagens, cumprida a primeira fase da programação, principiou a dar corpo a outras iniciativas igualmente centradas no documentário ou incluindo documentários, arriscando incursões em domínios conexos, como, por exemplo, a fotografia documental – caso da exposição da Magnum a propósito da rodagem de Misfits de John Huston.

 

A América de Errol Morris, retrospectiva integral de um autor contemporâneo praticamente desconhecido em Portugal, obedeceu, portanto, ao princípio da diversidade sempre presente na História e reflexão sobre o Documentário. Decorreu nos dias 23, 24 e 31 de Março de 2001, no Auditório da Fundação de Serralves.

 

Errol Morris utiliza um controverso dispositivo de televisão, ao qual deu o nome de Interrotron e, mais tarde, de Megatron, através do qual tentou uma nova abordagem para o documentário. Baseados na entrevista, os seus filmes nunca o colocam face a face, pessoalmente, com os entrevistados. O contacto é estabelecido à distância através de câmaras e monitores.  Fonte: Medium
Errol Morris utiliza um controverso dispositivo de televisão, ao qual deu o nome de Interrotron e, mais tarde, de Megatron, através do qual tentou uma nova abordagem para o documentário. Baseados na entrevista, os seus filmes nunca o colocam face a face, pessoalmente, com os entrevistados. O contacto é estabelecido à distância através de câmaras e monitores. Fonte: Medium

Em Mr. Death: A América de Errol Morris alerta-se para a dificuldade de classificar os filmes de um autor a quem habitualmente se coloca a indesejável, para o próprio, etiqueta de documentarista. Na verdade, nas suas longas metragens, bem como nos seriados e filmes para a televisão, são reiteradamente utilizados processos narrativos da ficção. Nesse sentido, poder-se-ia pensar esta retrospectiva como um complemento do terceiro acto de O Olhar de Ulisses, tanto mais que Morris manifesta preferência por cineastas como Robert Bresson e Frederick Wiseman. Contudo, não é bem assim. Basta ponderar o seu método de trabalho e os temas de que se ocupa para essa ideia se dissipar.

 

As longas metragens exibidas – estreias absolutas – foram: Gates of Heaven (1978), um retrato excêntrico do sonho americano a partir da história de dois cemitérios de animais na Califórnia com sorte diversa; Vernon, Florida (1882), um fresco agridoce sobre um determinado tipo de comunidade branca americana, cujos protagonistas são, ente outros, um criador de minhocas, um padre que filosofa em sermões de 10 minutos sobre a palavra therefore (portanto) e um obsessivo caçador de perus; The Thin Blue Line (1988), filme da desconstrução de um crime que iria permitir inocentar um condenado à morte; Fast, Cheap and Out of Control (1997), uma história em quatro partes sobre o mito de Sísifo, cujas personagens discorrem apaixonadamente sobre as suas estranhas profissões, ou seja, domar animais selvagens, controlar o crescimento das plantas, classificar uma espécie animal em permanente mutação e construir robots que imitam os movimentos dos animais; e Mr. Death: The Rise and Fall of Fred A. Leuchter, Jr. (1999), a história de um pretenso especialista em tecnologias aplicadas às execuções da pena de morte, nomeadamente a cadeira eléctrica, que é levado por grupos neo-nazis a investigar e negar o Holocausto.

 

Mr. Death: The Rise and Fall of Fred A. Leuchter, Jr. (1999) de Errol Morris
Mr. Death: The Rise and Fall of Fred A. Leuchter, Jr. (1999) de Errol Morris

 

Em complemento, alternando com as longas metragens, foram exibidos todos os episódios de First Person Series (2000), um seriado documental para televisão cujos protagonistas, sendo reais, surgem como figuras radicalmente improváveis. Todas as sessões contaram com painéis de especialistas a quem coube problematizar e debater quer o método do cineasta, quer os temas e as personagens dos seus filmes. No catálogo de 109 páginas, 28 das quais inteiramente preenchidas com fotografias, há três textos originais e outros tantos recuperados de outras publicações. Na contracapa surgem duas citações, uma das quais de Marshall McLuhan: “All media are extensions of some human faculty – psychic or physical”. Num dos textos originais, João Lopes escreveu:

 

“Se quisermos ser irónicos, diremos que Morris tem o poder, também ele insólito, de abordar personagens e situações que, a serem produto da imaginação de um qualquer argumentista de Hollywood, seriam muito provavelmente menosprezadas como delírios gratuitos e inverosímeis. Por exemplo, (num) filme da mesma série, The Parrot, a personagem central é Max, nada mais nada menos que um papagaio que terá assistido a um crime violento (...): The Parrot termina com a claríssima sugestão de que algo ficou por esclarecer, algo de que o papagaio conservaria, se não o segredo , pelo menos um significativo indício de culpabilidade”.

 

The Thin Blue Line (1988) de Errol Morris
The Thin Blue Line (1988) de Errol Morris

Sublinhando que se algo é “dito-exposto-filmado no cinema de Morris é a sua resistência a qualquer inocência primordial do olhar – olhar é, por definição seleccionar e reconstruir o real”, João Lopes interroga-se:

 

“O que é o olhar no interior do universo de Errol Morris? Jogando com a ambiguidade vital dos infinitos, poderemos dizer que, com o cinema de Morris, ‘olhar’ e ‘ver’ são, de facto, coisas fundamentalmente diversas. Ou melhor: o excercício de ver pode ser algo de tão radical – e, se não tivermos medo da palavra, tão revolucionário – que se pode chegar ao ponto de ver sem, sequer, exercer um olhar”.

 

No ciclo esteve presente, como convidada, a RTP, numa tentativa de estabelecer um diálogo com vista a uma colaboração que permitisse fazer chegar ao pequeno écrã toda a diversidade das vozes do documentário. Daí resultaria a extensão em antena da Odisseia nas Imagens no canal 2 do serviço público no ano de 2002, tendo ficado em aberto a possibilidade de novos ciclos, nomeadamente do documentarismo português, que não viria a concretizar-se.






 Continua

 

 

 

 

 

 


 A Terra (1930) de Aleksander Dovjenko

O primeiro módulo da Odisseia nas Imagens, O Homem e a Câmara, remetia essencialmente para as teses de Vertov consubstanciadas naquilo a que o cineasta soviético chamou a cine-sensação do mundo. Tratou de filmes no quadro da gramática emergente das imagens em movimento, da consolidação da narrativa e da afirmação das vanguardas artísticas. No segundo módulo, O Som e a Fúria, há dois elementos centrais. Por um lado, o advento do cinema sonoro. Por outro, uma circunstância de ordem económica, política e social que haveria de conduzir á II Guerra Mundial. No campo do filme documentário, a elucidação do real iria apontar para um olhar estruturado a partir de um conjunto de sinais relacionados quer com o olho, quer com o ouvido. E, também, para a Propaganda.

 

Vejamos então como foi a Programação do documentário em O Som e a Fúria. No texto introdutório de apresentação deste módulo, à semelhança do que já acontecera em O Homem e a Câmara, os programadores de O Olhar de Ulisses voltam a convocar Jean-Louis Comolli e Serge Daney. Citando Comolli: “Para a pergunta O que é o documentário? a única resposta é outra pergunta, esta de André Bazin, O que é o cinema?” Citando Daney: “No mundo da televisão, tendo a alteridade quase totalmente desaparecido, deixou de haver bons ou maus procedimentos no que respeita à manipulação da imagem. Esta já não é imagem do outro mas tão somente mais uma entre tantas outras no mercado das imagens. Este mundo que já não me revolta, que só me provoca lassidão e inquietude, é precisamente o mundo sem cinema. Ou seja,  sem o sentimento de pertencer à humanidade através de um país chamado Cinema... E o cinema, adoptei-o para que ele me adopte por sua vez. Para que ele me ensine a tocar com o olhar, infatigavelmente, a que distância de mim começa o outro.”

 


 Jean-Louis Commolli Fonte: la SRF


 Serge Daney Fonte: TEMPO de CINE

Qualquer das citações é inteiramente pertinente, mas há nelas algo de hiperbólico. Na verdade, ambas sugerem uma petição de princípio ao tomarem como ponto de partida a tese que se pretende demonstrar na conclusão. Seriam essas, em todo os caso, as marcas de enunciação que, no essencial, balizaram o espaço de O Olhar de Ulisses: Jean-Louis Comolli e Serge Daney.

 

O episódio O Som e a Fúria decorreu entre 17 e 24 de setembro de 2000 tendo aberto com o chamado ciclo bretão de Jean Epstein: Finis Terrae (1928), Mor Vran (1929), L’Or des Mers (1931) e Le Tempestaire (1947), este último exibido na sessão de abertura como complemento de As Vinhas da Ira (1940) de John Ford. Epstein, antigo assistente de Louis Delluc e companheiro habitual de Blaise Cendrars, Abel Gance e Germaine Dulac, foi dos primeiros a perceber a importância diegética do som e os seus filmes são todos eles reveladores de um espírito experimental de forte densidade poética. Onde isso aparece pela primeira vez com toda a evidência é em Mor Vran, filme que de algum modo antecipa em quatro anos O Homem de Aran de Robert Flaherty. No plano da História e Teoria do Documentário a sua obra é das primeiras a poderem ser convocadas no sentido de debater abordagens onde o ficcional e o documental se fundem. Durante muito tempo praticamente ignorado pelos seus compatriotas viria a ser recuperado em 1953, ano da sua morte, por Henri Langlois, impondo-se, desde então, como uma das figuras cimeiras do cinema francês. O facto de ter sido escolhido para abrir um ciclo dominado pelo documentário politicamente engajado, na linha da tradição da Propaganda de Paul Rotha, parece ter obedecido a duas ordens de razão. Por um lado, divulgar um autor  fundamental que em Portugal continuava a ocupar um lugar obscuro. Por outro, alertar para outras visões do mundo marginais às correntes dominantes na época. Já a obra-prima de John Ford, baseada no romance homónimo de John Steinbeck sobre as consequências sociais da Grande Depressão, destinava-se a sinalizar a época cronologicamente delimitada para O Som e a Fúria.

 



 

Nos dias 18 e 19 de setembro manteve-se a dominante poética. Primeiro: A Terra (1930) de Aleksander Dovjenko, As Estações (1972) de Artavazd Pelechian, Trás-os- Montes (1976) de António Reis e Margarida Cordeiro e Man of Aran (1934) de Robert Flaherty, seguido de um recital de canto e música tradicional da Irlanda a cargo de Fergus Cahill e Aonghus Lavelle.

 

A seguir: O Vento (1928) de Victor Sjöström, A Corner in the Wheat (1909) de David Wark Grifriffith, um dos primeiros filmes de ficção com um forte comentário social, Trop Tôt, Trop Tard (1980-81) de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet, em colaboração com o inseparável engenheiro de som Louis Hochet - um dos raros filmes, segundo Daney, no qual, após Sjöström se filmou o vento - e The Edge of the World (1937) de Michael Powell, uma reconstrução de um acontecimento real numa ilha cujos habitantes a foram abandonando à medida que se iam apercebendo da impossibilidade de prosseguir o seu modo de vida. Sendo óbvio o modo como estes filmes dialogam entre si, cruzando o real e a ficção, seriam pretexto para o artigo já citado de João Bénard da Costa no qual ele pergunta porque razão se lhes há-de chamar documentários.

 


 Trop Tôt Trop Tard (1982) de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet


  Spare Time (1939) de Humphrey Jennings

No dia 20 surgiram os primeiros exemplos dos documentários mais ilustrativos do espírito da época. A passagem, através de filmes experimentais de Len Lye feitos a pedido de John Grierson, incluía: Colour Box (1935), Rainbow Dance (1936), Trade Tatoo (1937) e N or NW (1937). Seguiam-se três clássicos, todos eles habitualmente considerados como sendo dos mais criativos no âmbito do movimento documentarista britânico, nomeadamente devido à utilização experimental do som: Coal Face (1935) de Alberto Cavalcanti, Night Mail (1938) de Harry Watt e Basil Wright e Spare Time (1939) de Humphrey Jennings. Vinham depois três filmes exemplares do cinema documental do New Deal: The Plow That Broke The Plains (1936) de Pare Lorentz, The River (1937) de Pare Lorentz e The Land (1942) de Robert Flaherty. A última sessão do dia foi dedicada a Mr. Smith Goes to Washington (1939), uma obra mítica de Frank Capra sobre as virtudes da democracia americana e referência habitual quando se fala da época do presidente Franklin D. Roosevelt.   

 

As três sessões seguintes, no dia 21 de setembro, obedeciam ao seguinte alinhamento: L’Espoir - Espoir Sierra de Teruel (1938) de André Malraux, The Spanish Earth (1937) de Joris Ivens, Início (1967) de Artavazd Pelechian, Le Dix-Septiéme Parallèle (1967) de Joris Ivens, The 400 Millions (1939) de Joris Ivens e Os Anjos da Avenida (1937) de Yuan Mushi, filme chinês contemporâneo do filme de Ivens, igualmente localizado na China e revelador de uma outra face desse imenso país.

 

A 22 e 23 de setembro a programação deu sequência às propostas dos dois dias anteriores, alinhando mais uma série de filmes obrigatórios da História do Documentário e cruzando-os, a propósito, com obras de referência da História do Cinema.

 

As sessões do dia 22 principiaram com The Blitz Wolf (1942) de Tex Avery, uma hilariante animação satirizando Hitler, seguido de O Triunfo da Vontade (1935) de Leni Riefensthal. Depois, dois filmes do seriado de Frank Capra Why We Fight: The Nazi Strike (1942) e The Battle of Rússia (1943). O dia terminava com To be or not to be (1942) de Ernst Lubitsch, uma comédia montada em torno do nazismo.

 

No dia 23, na sessão do início da tarde, regressaram os filmes do movimento documentarista britânico: An Airman Letter To His Mother (1941) de Michael Powell, London Can Take It (1940) de Humphrey Jennings e Harry Watt, Listen to Britain (1942) de Humphrey Jennings e Fires Were Started (1943) também de Humphrey Jennings. Depois duas curtas metragens canadianas de animação de Norman McLaren: V For Victory (1941) e Keep Your Mouth Shut (1944). A sessão a meio da tarde era preenchida com Alemanha Ano Zero (1947) de Roberto Rosselini e para a noite foram programados Histoire du Soldat Inconnu (1932) de Henri Storck e Les Carabiniers (1963) de Jean- Luc Godard.

 







 

No último dia do ciclo estavam reservados para a primeira sessão Le Six Juin à L’Aube (1945) de Jean Grémillon e Nuit Et Brouillard (1956) de Alain Resnais, para a segunda Hiroshima Nagasaki: August 1945 (1945) de Akira Iwakasi e Erik Barnow – trata-se de um documentário de 16 minutos montado a partir das primeiras imagens filmadas logo após a explosão das bombas atómicas, imagens essas que estiveram confiscadas durante cerca de 50 anos pelas autoridades americanas – e Hiroshima, Mon Amour (1958) de Alain Resnais, sendo a sessão da noite dedicada a Manoel de Oliveira com O Pintor e a Cidade (1956) e Aniki Bóbó (1942).

 

No total, o segundo episódio de O Olhar de Ulisses mostrou 52 filmes, assim distribuídos em função da origem: Estados Unidos da América - 13 (25,00%), Reino Unido - 13 (25,00%), França - 11 (21,15%), URSS (incluindo a Arménia) - 3 (5,76%), Portugal - 3 (5,76%), Canadá - 2 (3,84%), Alemanha - 1 (1,92%), Bélgica - 1 (1,92%), Itália - 1 (1,92%), China - 1 (1,92%), havendo ainda a considerar três co-produções, uma Egipto/França - 1 (1,92%), outra França/Espanha - 1 (1,92%) e uma terceira Japão/Estados Unidos – 1 (1,92%).




 

Tratando-se de um conjunto de filmes que no plano da historicidade correspondem, muitas vezes, a uma fase de transição quer no plano tecnológico quer no plano da narrativa, não parece descabido procurar as tendências dominantes através de uma leitura que convoca, em simultâneo, as ferramentas analíticas de Paul Rotha e de Bill Nichols. Essa leitura cruzada, porém, não coincide inteiramente com o ponto de vista de ambos os autores quando indexadas a alguns dos filmes aqui nomeados, o que é natural, uma vez que a sua inserção numa ou noutra tradição, num ou noutro modo, depende da interpretação.

 

Para efeito de elucidação de um ponto de vista quanto à escolha dos documentários de O Som e a Fúria, por razões semelhantes às invocadas quanto ao módulo anterior, foram excluídas as seguintes obras: As Vinhas da Ira, Sortie(s) des Usines Lumière, The Wind, Corner in the Wheat, The Edge of the World, os quatro filmes de animação de Len Lye, Mr Smith Góes To Washington, Os Anjos da Avenida, a animação de Tex Avery, To be or not to be, As duas animações de Norman McLaren, Alemanha Ano Zero, Les Carabiniers, Hiroshima, mon Amour e Aniki Bóbó.

 







No entanto, deve ficar claro que a opção tem sobretudo valor instrumental no sentido em que a identificação dos documentários pode contribuir para melhor se entender a estratégia da Programação, sendo dado como adquirido, por outro lado, que todos os filmes foram determinantes para conferir coerência ao conjunto.

 

De acordo com a tradição de Rotha, com o peso aleatório que a decisão possa comportar, avança-se com o seguinte enquadramento, sendo que um filme, por razões óbvias, pode estar inserido em mais de uma categoria:

 

- Tradição romântica ou naturalista: o ciclo bretão de Jean Epstein, A Terra, O Homem de Aran,  Coal Face, Night Mail e The Land;

 

- Tradição realista associada ao experimentalismo: O ciclo bretão de Jean Epstein, A Terra, Coal Face, Night Mail, Spare Time, Listen to Britain, Fires Were Started, The Plain That Broke the Plains, The River, L’Espoir e Spanish Earth;

 

- Tradição de newsreels: London Can Take It, The Plain That Broke the Plains, The River, os dois filmes de Frank Capra da série Why We Fight, Hiroshima Nagasaki: August 1945;

 

- Tradição de propaganda: A Terra, Coal Face, Night Mail, Spare Times, The Plain That Broke the Plains, The River, The Land, L’ Espoir, The Spanish Earth, Paralelo 17, The 400 Millions, O Triunfo da Vontade, os dois filmes de Frank Capra da série Why We Fight, An Airman Letter To His Mother, London Can Take It, Listen to Britain e Fires Were Started.

 

Neste enquadramento, há dois aspectos a considerar: o primeiro o peso da tradição da propaganda, o segundo o facto de a quase totalidade dos filmes se inscrever em, pelo menos duas categorias, por vezes em três.

 

Vejamos o primeiro aspecto. William Guynn, o autor do clássico A Cinema of Nonfiction, entende que cada teoria do documentário transporta consigo a marca do momento histórico durante o qual foi criada. Ora a época de O Som e a Fúria foi justamente marcada pelo fenómeno da convergência da expansão dos media, em particular a rádio e o cinema, com a propaganda. Esta, porém, se bem que lhe fosse reconhecido o primado do valor instrumental, não tinha o sentido que hoje lhe é atribuído, em boa medida, devido ao cinema soviético, cujos filmes, no quadro da agit-prop, obedeciam a padrões muito exigentes. Por isso, muitos dos filmes que aqui aparecem inscritos nessa tradição, têm uma componente experimental de vanguarda, própria da tradição realista – por exemplo, Coal Face, Night Mail, de certa forma os filmes de Pare Lorentz e L’Espoir, sem dúvida os de Humphrey Jennings e Spanish Earth. Também não ignoram as lições de Flaherty, cuja poética se fez sentir, designadamente, no movimento documentarista britânico.

 


William Guynn.Fonte:Amazon

Christian Metz Fonte: Literary Theory and Criticism

Poderá surpreender a colocação de The Plain That Broke the Plains e de The River também na tradição de newsreels. Contudo, quer um quer outro têm uma ordem expositiva e informativa que, ao contrário, por exemplo, dos filmes de Flaherty, em relação aos quais não é descabido falar em ficção do real, praticamente dispensa os sintagmas narrativos para utilizar a terminologia de Christian Metz. Nesse sentido, as imagens perdem autonomia face a uma voz que comanda. Em todo o caso, importa não perder de vista o modo como deve ser encarada em contexto esta tradição lembrando, por exemplo, a circunstância de alguns jornais cinematográficos da época, como The March of Time, adoptarem os procedimentos da narrativa clássica americana que surgiu logo após o advento do cinema sonoro.

 

Quanto ao segundo aspecto, o enquadramento de um mesmo filme em mais de uma categoria, pode ser interpretado, antes de mais, como uma forma de resistência dos filmes à catalogação. É certo estarmos perante um conjunto de obras de referência do cinema documental e, nesse sentido, a sua escolha pode ser óbvia. Mas essa escolha, dada a complexidade de alguns filmes, tanto corresponde a uma opção pelo questionamento do adquirido, quanto passa pelo intuito de colocar o debate sobre o cinema no centro das atenções, impressão, aliás, reforçada pela leitura da malha obtida através da tipologia de Nichols.

 

Com efeito, aplicando a tipologia de Nichols – uma vez mais, alertando para o aleatório do método – obtém-se um quadro de elementos predominantes, porventura, mais claro da orientação programática. Vejamos:

 

- Modo poético: ciclo bretão de Jean Epstein, A Terra, As Estações, O Homem de Aran, The Plain That Broke the Plains, The River, The Land, Trás-os-Montes, Coal Face, Night Mail, Spare Time, Fires Were Started, O Início, Le six Juin à L’Aube e An Airman Letter To His Mother;

 

- Modo expositivo: The Plain That Broke the Plains, The River, The Spanish Earth, Paralelo 17, The 400 Millions, O Triunfo da Vontade (apesar da ausência de texto em off) os dois filmes de Frank Capra da série Why We Fight, London Can Take It e Le six Juin à L’Aube;

 

- Modo de observação, residual: O Triunfo da Vontade;

 

- Modo participativo: L’ Espoir, The Spanish Earth e Nuit et Brouillard; modo reflexivo: A Terra, Trás-os-Montes, As Estações, Trop Tôt, Trop Tard, L’ Espoir, The Spanish Earth, Nuit et Brouillard e O Pintor e a Cidade;

 

- Modo performativo: Listen to Britain e Nuit et Brouillard.

 






 

A preferência dada às vozes mais poéticas e aos modos mais complexos – mesmo os documentários inscritos no modo expositivo são bastante mais sofisticados no plano da narrativa do que o lugar que lhes foi destinado poderia levar a pensar –, bem como o ordenamento dos filmes, como se de uma montagem cinematográfica se tratasse, faz ressaltar os elementos significantes. Ou seja, há como que uma reflexão sobre a linguagem que aponta no sentido da ideia de documentário contida na citação inicial de Serge Daney. Sendo assim, a articulação das obras é duplamente relevante, pois permite, por um lado, uma certa continuidade temática, por vezes, privilegiando o confronto – o choque de elementos de sinal contrário, como diria Eisenstein a propósito da montagem – e, por outro, valoriza uma concepção depurada do cinema, particularmente evidente nas derivas ficcionais.

 

Postas as coisas desta maneira, resta um problema. Voltando ao início do texto: “Para a pergunta O que é o documentário? a única resposta é outra pergunta, esta de André Bazin, O que é o cinema?” Questão: a citação de Comolli deve ser levada à letra? Alguma vez dela se fez prova? Tratar-se-á de um aforismo? Ou, ainda, pensando em Daney, será que há uma escatologia do cinema? Na Teologia, essa doutrina estuda os fins últimos do homem, interroga-se sobre o fim do mundo e convoca o Juízo Final...

 

A importância da matriz cinematográfica, com todas as consequências daí decorrentes para o olhar, é um dado adquirido na História do Documentário. Mas não quer isso dizer que ela seja necessariamente coincidente com a História do Cinema e, menos ainda, que não acolha múltiplos contributos transversais. Aliás, regra geral, as publicações sobre a História do Cinema são parcas a respeito do documentário, cuja presença é invariavelmente marginal. Essa foi a razão pela qual - sendo necessário equacionar questões até então sem resposta, relacionadas, designadamente, com o ecossistema dos media - ganhou autonomia a História e a Teoria do Documentário, multiplicando-se os estudos nesse domínio. As abordagens obedecem a preocupações diversificadas e contraditórias, divergindo, com frequência, os seus protagonistas. Contudo, é justamente dessa diversidade que irradia a energia do documentário, como, de resto, resultou na fase cronológica de referência do episódio O Som e a Fúria. A um programador não compete só mostrar filmes. Compete-lhe, sim, proceder à sua exegese, de acordo com determinadas opções, por forma a encontrar uma linha de coerência assumida como denominador comum da Programação.

 

Nesse sentido, deve relevar-se não só a excelência da generalidade dos filmes de O Som e a Fúria, mas também a sua hábil articulação, consequente com o propósito de expandir a reflexão sobre o Cinema Documental de forma pertinente e criativa.

 




 

As opções do catálogo de O Som e a Fúria, desta vez com 348 páginas, suscitam, ainda assim, algumas interrogações. Sem prejuízo de uma apreciação global muito positiva, verifica-se, por exemplo, que o único texto apresentado sobre o General Post Office (GPO) é da autoria de Langlois e foi publicado nos Cahiers du Cinema em Junho de 1966. Tem, evidentemente, valor histórico, mas depois da revisão crítica desenvolvida pelos investigadores e cineastas de língua inglesa, acaba por apresentar uma visão desajustada do movimento documentarista britânico. Também não há nenhum texto de John Grierson, quando se sabe terem partido dele as primeiras reflexões teóricas em torno de um movimento sistematizado e operativo. Tão pouco de Paul Rotha.

 

Aparecem apenas dois textos de origem anglo-saxónica, um retirado da autobiografia de Michael Powell a propósito de The Edge of the World e outro de James Agee a propósito de L’Espoir, publicado em 1947. Em relação aos documentários ingleses há uma curta recensão crítica sobre os filmes de Humphrey Jennings da autoria de Alberto Seixas Santos e sobre os filmes de Pare Lorentz há apenas um texto de José Manuel Costa de 1982. Em contrapartida, a propósito de Trás-os Montes há textos de Serge Daney, Rodrigues da Silva, Joris Ivens, Jean Rouch, Serge Meurant e ainda uma conversa de António Reis com Serge Daney e Jean-Pierre Oudart. Les Carabiniers conta com apontamentos de Gerard Collas, Jean-Luc Godard, Paul Vecchiali e Regina Guimarães e O Vento de Miguel de Castro Henriques, Saguenail, Manuel Cintra Ferreira e João Bénard da Costa. Man of Aran é igualmente objecto de uma mão cheia de referências.

 

Parece, portanto, haver um certo desequilíbrio na abordagem das questões, deixando de fora matérias que poderiam esclarecer melhor o debate em torno do documentário, tanto mais que esse debate, historicamente, principiou justamente durante o período de referência deste módulo.

 

O catálogo tem 21 textos originais (o número de reedições dobra esse número) e, apesar das reservas não deixa, de dar corpo a estimulantes reflexões sobre o cinema e o documentário do nosso tempo. Nesse sentido são especialmente relevantes as conversas de Manoel de Oliveira com Antoine de Baecque e de António Reis com Serge Daney e Jean-Pierre Oudart publicada nos Cahiers du Cinema no número 276 de Maio de 1977.

 






 

Continua

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Jorge Campos

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        "O mundo, mais do que a coisa em si, é a imagem que fazemos dele. A imagem é uma máscara. A máscara, construção. Nessa medida, ensinar é também desconstruir. E aprender."  

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Notas, textos de opinião e de reflexão sobre os media, designadamente o serviço público de televisão, publicados ao longo dos anos. Textos  de crítica da atualidade.

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Textos avulsos de teor literário nunca publicados. Recuperados de arquivos há muito esquecidos. Nunca houve intenção de os dar à estampa e, o mais das vezes, são o reflexo de estados de espírito, cumplicidades ou desafios que por diversas vias me foram feitos.

Imagens do Real Imaginado (IRI) do Instituto Politécnico do Porto foi o ponto de partida para o primeiro Mestrado em Fotografia e Cinema Documental criado em Portugal. Teve início em 2006. A temática foi O Mundo. Inspirado no exemplo da Odisseia nas Imagens do Porto 2001-Capital Europeia da Cultura estabeleceu numerosas parcerias, designadamente com os departamentos culturais das embaixadas francesa e alemã, festivais e diversas universidades estrangeiras. Fiz o IRI durante 10 anos contando sempre com a colaboração de excelentes colegas. Neste segmento da Programação cabe outro tipo de iniciativas, referências aos meus filmes, conferências e outras participações. Sem preocupações cronológicas. A Odisseia na Imagens, pela sua dimensão, tem uma caixa autónoma.

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