O mundo pula, vamos ver se avança
Dos meus arquivos de vídeo fazem parte algumas intervenções na Assembleia da República enquanto deputado eleito pelo Bloco de Esquerda. Resolvi recuperar algumas. Não é que tenham grande mérito, se é que têm algum, mas apraz-me ter feito parte de uma solução parlamentar de esquerda que todos, ou quase todos, julgavam impossível, e que a tantos devolveu a esperança.
Agora, numa altura que o País acaba de ser surpreendido com a demissão do Primeiro-Ministro, António Costa, por motivos relacionados com uma intervenção do Ministério Público até ver envolta numa espécie de nebulosa, pareceu-me razoável recuperar a memória do tempo em que uma coligação de direita, arrogante e sem rasgo, não passou na Casa de Democracia.
Infelizmente, a maioria absoluta do Partido Socialista que sucedeu à Geringonça, para mim de boa memória, pôs-se a jeito, como se costuma dizer. Retomou velhas práticas, premiou apparatchiks - existem em todos os partidos, mas abundam nos que vão ao pote, na fabulosa expressão do chefe da extinta PAF - e a coisa deu no que deu.
Deixando sem resposta profissionais de diversos sectores, designadamente na Educação e na Saúde, ferindo, por exemplo, quem não tem casa, facilitando a vida a quem já a tinha facilitada, o governo de maioria absoluta do PS caiu, certamente, por outras razões. Na verdade, por fracas razões. Mas, caiu. De modo que resta seguir em frente.
A situação é muito diversa de 2015. Hum quadro partidário mais fragmentado, no qual se destaca, à semelhança de outros países europeus, o ressurgimento de uma extrema-direita com significativo peso eleitoral, a qual beneficiou e beneficia de uma impressionante, mas não improvável, operação de branqueamento - estou a lembrar-me de alguns episódios históricos dos quais não quero, por ora, ocupar-me. Por outro lado, é iniludível o desencanto, mesmo a raiva, de muitos portugueses cuja esperança se diluiu ao ponto de procurarem refúgio na irracionalidade do discursos do ódio.
Dito isto, para o conjunto da esquerda, e a quem a ela quiser juntar-se, adivinham-se batalhas exigentes. Não serão fáceis. Sem diálogo, imaginação, maturidade e sabedoria estarão condenadas ao fracasso. A esquerda, que é plural, deve procurar outros caminhos. No quadro de um tão vasto património quanto é o seu, será sempre possível encontrar pontos de convergência.
Pela minha parte, nunca dissociei as múltiplas atividades em que sempre estive envolvido do plano da cidadania. Umas vezes estive bem, outras mal. A vida é mesmo assim. Obviamente, não voltarei à vida política institucional, mas estou pronto para colaborar na busca de boas soluções, as dos compromissos razoáveis, consistentes e coerentes, à esquerda.
Quanto ao documento agora recuperado respeita à discussão do meu primeiro debate de um Orçamento de Estado. Era então Ministro da Cultura João Soares, pessoa com quem me dou lindamente, mas de quem habitualmente discordo. Esteve pouco tempo no cargo. Prometeu publicamente um par de estalos a um articulista, António Costa não gostou e empurrou-o para a demissão.
O João Soares fez-me uma cena da qual nunca me esquecerei. Havia uma concentração de agentes da Cultura junto à Assembleia da República e estava eu nos Passos Perdidos para me juntar aos manifestantes quando sinto alguém que me dá o braço e me diz, vou contigo. Era o João Soares. Tendo ele as responsabilidades que tinha foi mais do que um embaraço… mas passou.
Nota final. Todas as intervenções recuperadas respeitam ás áreas da Cultura e Comunicação Social, de cuja comissão na Assembleia da República fui Vice-Presidente.
2023-11-11
2016-02-26